Correio braziliense, n. 19.221, 10/01/2016. Economia, p. 8

Cansados de promessas

Contribuintes não veem vontade política em mudar o sistema tributário, que é altamente injusto e ineficiente, pois pune os mais pobres, inibe os investimentos produtivos e favorece a corrupção. Um modelo simplificado de arrecadação daria gás novo à combalida economia

Por: ROSANA HESSEL

De promessas a fisioterapeuta Anna Paula Rodrigues, 37 anos, está cheia. Desde que decidiu abrir seu consultório, há 10 anos, escuta o governo dizer fará uma reforma tributária com o intuito de tornar o sistema mais justo e mais favorável aos negócios que geram empregos e renda. “Entra presidente, sai presidente, e nada acontece. Enquanto isso, o país vai perdendo a chance de expandir o setor produtivo e dar fôlego à economia para um crescimento sustentado. Promessas não cumpridas frustram os empresários e inviabilizam negócios. Não à toa, estamos andando para trás, comprometendo o futuro”, afirma.

Anna está coberta de razão. Nunca o brasileiro pagou tanto imposto. Mas, em vez de fazer a tão aguardada reforma tributária, o governo quer trazer de volta a Contribuição sobre a Movimentação Financeira (CPMF). Será mais um tributo a ampliar o emaranhado de taxas que deixa qualquer pessoa assustada e afasta investimentos que poderiam tirar o país do atoleiro. São nada menos que 63 tributos, sendo 48 federais, cinco estaduais e 10 municipais — um exagero quando comparado à média mundial, sobretudo por não resultarem no retorno esperado pela sociedade.

“A maioria dos países tem de 10 a 15 impostos. Nas nações desenvolvidas, a média gira em torno de quatro a cinco. Temos, no Brasil, seguramente, o maior número de tributos do mundo”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Elói Olenike. Somente em 2015, os brasileiros pagaram mais de R$ 2 trilhões em impostos, um recorde. Convertido em dólar, essa quantia equivale a US$ 500 bilhões, quase o Produto Interno Bruto (PIB) da Noruega, considerada a nação com a melhor qualidade de vida do planeta.

 

Descaso

Pagar essa montanha de imposto é um problema tão grande que, quando esse quesito é levado em consideração para medir o ambiente de negócios, o Brasil fica na rabeira da lista do Doing Business, do Banco Mundial. Entre 189 nações, o país está em 178º lugar no item facilidade para recolher tributos. No ranking de competitividade global do instituto suíço IMD, o Brasil também faz feio. Desde 2011, quando Dilma Rousseff tomou posse, caiu da 38ª para a 56ª posição entre 61 países. Nos itens de barreiras tarifárias, peso da carga tributária e corrupção, ostenta o último lugar.

Pelos cálculos do IBPT, a carga tributária brasileira vem subindo ano a ano. Foi de 35,4% do PIB, em 2014, para quase 36%. Na prática, afirma João Olenike, o brasileiro trabalha 151 dias do ano somente para pagar impostos, quase o dobro do tempo necessário em 1986. Apesar de o peso dos impostos ser alto,  o que o governo entrega não corresponde ao que é cobrado.

A prova disso está em um levantamento do IBPT: entre 30 países com as maiores cargas tributárias, o Brasil é o que proporciona o pior retorno à população. São considerados no estudo qualidade do ensino, saúde pública, segurança e saneamento básico. O líder do ranking é a Austrália. Pagar impostos, no entender de especialistas, não é problema, desde que a sociedade veja como o dinheiro está sendo aplicado. No Brasil, parte dos recursos vai para o ralo da ineficiência e da corrupção.

 

Frase

“A política econômica é voltada para a arrecadação, não importando se é injusta ou não. O que importa é ter dinheiro suficiente para cobrir o buraco das contas públicas. É tiro, porrada e bomba em cima do contribuinte”

João Elói Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)

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Freio no emprego e na renda

Especialista em questões tributária e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fernando Zilveti acredita que as escolhas erradas no país, que levaram a um rombo de quase 10% do PIB nas contas públicas quando incluídos os gastos com juros da dívida, não podem ser consertadas com mais tributos. “Nenhum empresário tem condição de investir com o atual sistema tributário brasileiro. Se um estrangeiro vier para o Brasil com US$ 2 milhões e olhar para a burocracia que é investir no país, mesmo que sendo para gerar emprego e renda, ele desiste. É melhor aplicar em títulos públicos, que pagam 14,25% ao ano, sem riscos”, comenta. “Isso é um contrassenso. O próprio governo desestimula o empreendedorismo”, critica.

Na opinião de José Augusto Coelho Fernandes, diretor de Políticas Estratégicas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as distorções do sistema tributário matam a economia. “O país perde competitividade. Quando comparamos a incidência de impostos sobre um mesmo projeto de investimentos produtivo em vários países, o Brasil perde”, diz. A comparação, feita pela CNI em parceria com a Ernst & Young, levou em conta um projeto voltado para a exportação, de US$ 4 bilhões, no Brasil, no México, na Austrália e na Inglaterra. O país apresentou a maior carga tributária.

 

Concorrentes

“O empresário, para investir no Brasil, acaba precisando de uma taxa de retorno elevadíssima para pagar os investimentos e os impostos”, afirma Fernandes. E vai além: “Isso resulta em muitas distorções, a ponto de as empresas exportarem impostos, ampliando a competitividade de nossos concorrentes”. Para o executivo, é desanimador ver que, mesmo se tendo um diagnóstico claro, nada é feito para melhorar. (RH)

 

Ninho de ratos

Pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington, e sócia da consultoria Galanto/MBB, a economista Monica De Bolle destaca que, para a reforma tributária acontecer, o governo precisará desvincular as receitas das despesas. “Antes de mexer no ninho de ratos de tributos, há hoje muitos programas que são ineficientes”, diz. Ela demonstra ceticismo em relação ao avanço da reforma. “Sempre haverá grupos de interesse disputando determinadas receitas e, no fim, a reforma não acontece”, acrescenta.

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Política atrapalha

Oportunidades não faltaram para que o Brasil fizesse a reforma tributária, que favoreceria, principalmente, os mais pobres, que, proporcionalmente, são os que mais pagam impostos no país. O tema está em pauta desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. “O que faltou foi vontade política. Nenhum governo tem interesse em diminuir a carga tributária”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Elói Olenike. “A política econômica é voltada para a arrecadação, não importando se é injusta ou não. O que vale é ter dinheiro suficiente para cobrir o buraco das contas públicas. É tiro, porrada e bomba em cima do contribuinte”, acrescenta ele, se remetendo à letra de uma música de funkeira Valeska Popozuda.

Para os especialistas, apesar da urgência da reforma tributária, que deveria atingir mais a renda e menos o consumo, a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff não deixa espaço para discussões de reformas estruturais, que poderiam dar ânimo novo à combalida economia. Na avaliação do presidente do IBPT, as mudanças, mais uma vez, serão deixadas de lado. “Pode haver tentativas, como as alterações do ICMS e do PIS-Cofins, que estão na ordem do dia, mas são coisas pequenas para serem chamadas de reforma”, resume”, frisa Olenike. Para ele, o governo desincentiva a produção, porque tributa muito quem quer investir e gerar emprego e favorece aqueles que investem na ciranda financeira. “Por isso, o empresário prefere deixar o dinheiro aplicado em papéis públicos do que tocar projetos produtivos de risco”, acrescenta.

 

Dívida

Fernando Zilveti, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que o governo precisa ter coragem para fazer a reforma tributária. “Nesses 25 anos em que falamos dos erros do sistema de impostos, tudo foi sendo deixado de lado”, pontua. Para ele, foram perdidas várias oportunidades para se reduzir as distorções. “Se feita, a simplificação da carga tributária estimulará os investimentos que o país tanto necessita. Ms não é só. O governo também precisa controlar o gasto público e resolver os problemas da Previdência Social. Para isso, é preciso ter coragem, porque, se não houver, vamos enfrentar mais uma geração perdida da economia, com risco da volta da hiperinflação”, destaca.

O acadêmico lembra que, quando a ex-primeira-ministra da Grã-Bretanha Margareth Thatcher chegou ao Brasil, em 1994, ela disse que o país tinha bons pressupostos, mas uma prática de política fiscal incompatível com as receitas. “O diagnóstico foi corretíssimo. Tinha uma visão clara dos riscos”, afirma.

Na opinião do economista-chefe do banco Santander, Maurício Molan, a reforma tributária precisa vir acompanhada da disposição do governo de enxugar a máquina pública, que é cara e ineficiente. “Infelizmente, não estamos vendo nem uma coisa nem outra. O que realmente está claro é a piora no quadro fiscal em meio a uma crise política que inviabiliza qualquer reforma”, afirma.

O resultado desse quadro alarmante é o aumento a dívida pública, que foi preponderante para o Brasil perder o grau de investimentos. Para Molan, o país está desperdiçando oportunidades que vão custar muito caro mais à frente. As reformas se tornaram prementes. O Brasil não aguenta mais conviver com paliativos que só adiam os problemas. O espaço para remendos acabou. (RH)