Correio braziliense, n. 19.228, 17/01/2016. Política, p. 2

O zigue-zague do impeachment

CRISE NA REPÚBLICA / Pressa de Eduardo Cunha em apresentar pedidos de explicações ao STF, sem a publicação do acórdão, corre o risco de atrasar a tramitação da ação contra Dilma.Recurso da Câmara vai focar na proibição do voto secreto e na formação da chapa avulsa.
Por: MARCELLA FERNANDES

 

Mesmo com o desgaste político que a discussão sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff traz, a tramitação na Câmara dos Deputados deve demorar mais do que o esperado. Denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB), tem pressa para prosseguir com o processo contra a petista, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá em fevereiro sobre o afastamento dele do cargo. A publicação do acórdão do julgamento sobre o rito do impeachment, contudo, pode atrasar os planos do peemedebista.

A intenção de Cunha é apresentar os embargos de declaração — pedido de esclarecimento de pontos específicos da decisão tomada — na primeira semana de fevereiro, data do retorno dos trabalhos do Judiciário. Os consultores da Câmara têm trabalhado nas últimas semanas com esse prazo. Eles se baseiam no resultado proclamado pela Corte e nos votos dos ministros. A fim de agilizar a análise dos recursos, Cunha não deve esperar a publicação do acórdão.

No entendimento do ministro do STF Marco Aurélio de Mello, o ideal seria esperar a confecção do documento, uma vez que o Supremo pode não reconhecer os recursos apresentados antes disso. “Embargos declaratórios pressupõem um objeto, que é o acórdão. Se não se sabe o conteúdo, você não pode, a partir da presunção do conteúdo, mostrar se ele é omisso ou contraditório”, afirma.

Para que o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso publique o acórdão, é necessário que os outros magistrados liberem os respectivos votos. O tempo depende da complexidade dos julgamentos e, nos casos mais simples, costuma ocorrer em até 30 dias. Como na discussão do impeachment houve correntes divergentes, a compilação dos textos não deve ser ágil. Em audiência com Cunha, em 23 de dezembro, contudo, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, prometeu rapidez na publicação do acórdão e na tramitação dos embargos.

Os recursos da Câmara vão se concentrar nos procedimentos para definição da comissão especial responsável pelo tema. Ao julgar o mandato de segurança apresentado pelo PCdoB, o Supremo invalidou a eleição da chapa avulsa eleita em 8 de dezembro, por votação secreta. A Corte estabeleceu o voto aberto e a validade apenas das candidaturas indicadas pelos líderes partidários. Para Cunha e para a oposição, contudo, não ficaram claras as regras, caso os parlamentares rejeitem a chapa oficial.

A pressa do peemedebista para encerrar a discussão no Judiciário está ligada a sua opção de agir com cautela na condução dos trabalhos na Câmara, a fim de evitar novas judicializações. Se a chapa oficial não for eleita e ele decidir, por exemplo, que os líderes devem fazer novas nomeações, quem se sentir prejudicado na disputa pode recorrer à Justiça.

Até mesmo o procedimento técnico para a escolha da comissão especial pode ser questionado. Pelo costume da Casa, o natural seria que a votação fosse feita por meio do painel eletrônico, com as opções “sim”, “não” ou “abstenção”. Outra opção seria fazer a escolha dos integrantes por meio das cabines, em que os parlamentares votam a favor da chapa oficial ou em branco. Como o STF não entrou nesse detalhamento, qualquer decisão do presidente da Câmara pode abrir brecha para um novo mandato de segurança na Suprema Corte.

Apesar de terem como objetivo apenas esclarecer decisões do Supremo, os recursos a serem apresentados pela Câmara podem mudar o resultado do julgamento. “Os embargos de declaração com efeitos infringentes têm caráter excepcional. Se mostrarem que houve omissão ou contradição, podem ser reconhecidos”, afirma o ex-ministro do STF Carlos Velloso. Ele ressalta, contudo, que mudanças nesses casos costumam ser exceção.

No caso da comissão do impeachment, os defensores do voto secreto alegam que esse é o procedimento adotado de modo geral para eleições na Câmara. O intuito é proteger os eleitores de pressões externas. Já os contrários não consideram essa opção transparente. Quanto à chapa avulsa, a defesa é que a eleição pressupõe concorrência de candidaturas. O argumento oposto é que, nas comissões, em geral os líderes fazem as indicações dos integrantes.

 

Novo cenário

Diante da expectativa de demora do Judiciário em encerrar a discussão, outra opção que pode permitir candidaturas avulsas é a proposta apresentada pelo DEM para mudar o regimento da Câmara. De acordo com o Projeto de Resolução nº 114, de 2015, apresentado no mesmo dia em que o STF encerrou o julgamento, participam da comissão especial “representantes de todos os partidos, admitidas as indicações dos líderes, bem como candidaturas avulsas oriundas do mesmo bloco ou partido”.

Não há consenso sobre a legalidade da medida. Para o ministro Marco Aurélio, a aprovação da proposta pode provocar novos questionamentos na Corte, que teria a palavra final. “Nós teríamos um aparente conflito e, evidentemente, entre o pronunciamento do Supremo que pode ocorrer, e uma resolução da Câmara, deve prevalecer o pronunciamento do Supremo”, afirma.

O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto também questiona a legalidade do projeto de resolução. “Em matéria de impeachment, não há espaço para regimento interno, porque impeachment é a mais externa corporis (assunto que extrapola as atribuições do Legislativo) de todas as matérias”, afirma. Ele defende que as regras para afastamento do presidente da República devem se basear na Constituição e na Lei nº 1.079/1.950, sobre crimes de responsabilidade.

 

Memória

Espelho no caso Collor

Presidente da Câmara durante a tramitação do impeachment de Fernando Collor de Mello, Ibsen Pinheiro (PMDB), atualmente deputado estadual do Rio Grande do Sul, decidiu na época pela votação aberta na eleição da comissão especial, instituída em 3 de setembro de 1992. Ele explica que agiu dessa forma, porque havia uma chapa única, indicada pelos líderes. “Seria voto secreto se houvesse chapa avulsa disputando”, disse. Para Ibsen, esse também deveria ser o procedimento atual.

A decisão foi tomada após estudos de regimentalistas e de constitucionalistas. Tais análises resultaram também na Resolução nº 22, de 1992, adicionada ao regimento da Câmara. O texto proibiu o voto secreto na deliberação do plenário sobre crimes de responsabilidade do Presidente da República. Também ficou estabelecida a necessidade de dois terços dos votos dos integrantes da Casa para que o processo siga para o Senado (atualmente 342 dos 513 deputados).

As regras foram definidas em uma reunião na casa do advogado da Câmara em 1992, o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luiz Carlos Madeira, que acompanhou os bastidores do processo. A opção pelo voto aberto foi chancelada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acionado após dúvidas sobre a decisão do Senado contra Collor, uma vez que ele renunciou ao mandato antes do fim do processo. A Corte referendou a decisão do Senado e entendeu também que a Casa não é obrigada a dar prosseguimento ao impeachment. O STF manteve esse entendimento em dezembro.

 

O que está em jogo

A contestação da Câmara dos Deputados ao julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o rito do impeachment vai se centrar na formação da comissão especial, etapa considerada crucial tanto por governistas quanto pela oposição. Entenda as divergências.

 

Voto secreto

»  O que o Supremo decidiu: a defesa do voto aberto foi o principal argumento usado para invalidar a eleição da comissão especial feita em 8 de dezembro, por não considerar o processo transparente.

»  Placar da votação: 6 x 4 pelo voto aberto. A maioria foi composta pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Foram vencidos os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

»  Argumentos contra: nem a Lei nº 1.079/1.950, que regulamenta os crimes de responsabilidade, nem a Constituição preveem a possibilidade de voto secreto no processo de impeachment.

»  Argumentos a favor: o artigo 188 do regimento da Câmara prevê votação secreta para eleição dos membros da Mesa Diretora e dos presidentes das comissões da Casa.

 

Chapa avulsa

»  O que o Supremo decidiu: invalidou a eleição da chapa avulsa para a comissão do impeachment formada por deputados da oposição, em 8 de dezembro.

»  Placar da votação: 7 x 4 pela proibição de candidatura avulsa. A maioria foi composta pelos ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux. Foram vencidos os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin.

»  Argumentos contra: o artigo 33 do Regimento Interno da Câmara determina que as comissões especiais serão compostas por integrantes designados por indicação de líderes partidários; candidaturas avulsas seriam uma afronta à representatividade das legendas por ferir a autonomia partidária.

»  Argumentos a favor:  tanto a Lei nº 1.079/1.950 quanto o artigo 218 do regimento da Câmara, referentes aos processos de crime de responsabilidade da Presidência da República, usam a expressão “eleita” ao tratar da composição da comissão especial; o artigo 8º do regimento permite candidatura avulsa na eleição da Mesa.

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