Correio braziliense, n. 19.228, 17/01/2016. Brasil, p. 5

Geração ameaçada

Mães aguardam respostas sobre o destino de bebês nascidos no surto de microcefalia em Pernambuco. Já são 1.236 casos suspeitos e 103 confirmados no estado, situação que apavora as famílias. Três hospitais são referência no atendimento às grávidas no Recife

Por: CAROLINA COTTA

 

Recife — Mães ansiosas, com seus bebês quase sempre enrolados em mantas, com enormes laços de fita e gorros no tórrido calor, enchem os hospitais pernambucanos envolvidos no diagnóstico de microcefalia. Os olhares desconfiados surgem de todos os lados. Quem está ali por outro motivo quer matar a curiosidade e confirmar se está diante de um dos 1.236 casos que transformaram Pernambuco nesses quatro últimos meses. Quem carrega um desses bebês no colo também “corre o olho” no do lado. Perceber que não estão sozinhas traz um certo conforto para essas mães. Nada de pais. Quase sempre elas estão acompanhadas das próprias mães, avós, tias, irmãs e cunhadas.

Na manhã da última quinta-feira, a sala de espera do Departamento de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), era uma reunião de mulheres desconfiadas. E tristes. É lá, e no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e Hospital Barão de Lucena — os três hospitais de referência onde podem ser confirmados os casos suspeitos da região metropolitana do Recife —, que o surto de microcefalia mostra o seu lado mais cruel. De repente, uma anomalia que atingia cerca de uma dezena de casos por ano em todo o estado parece uma condição comum.

Segundo Luciana Albuquerque, secretária-executiva de Vigilância em Saúde de Pernambuco, todos os casos notificados (hoje são considerados suspeitos os perímetros cefálicos iguais ou menores que 32cm) precisam procurar esses serviços para o diagnóstico, confirmado quando há calcificações no cérebro. Uma criança de 7 meses teve sua primeira consulta na quinta-feira. Apesar da visível desproporção crânio-facial (o crânio menor que a face é a principal característica da microcefalia), ele foge ao padrão observado até agora por causa da idade. Mas a divulgação do problema ainda pode surpreender os médicos com casos mais antigos.

Em Pernambuco hoje duas coisas são temidas: tubarão e Aedes aegypti. Mas quem não está no mar curte a brisa com pernas e braços de fora. O surto de microcefalia atribuído pelo Ministério da Saúde ao vírus zika está na boca do povo, mas ainda não foi capaz de mudar, pelo menos não significativamente, os hábitos da população. “O turista mal pergunta, mas quem é daqui não fala em outra coisa. Reclamam das consequências da dengue, do chikungunya e agora do zika. As famílias estão com medo de terem entre elas um caso de microcefalia, mas não mudaram muita coisa por causa disso”, reflete o jovem taxista Leandro Gomes, de 23 anos.

As praias de Boa Viagem e Porto de Galinhas estão lotadas. Segundo a Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), as notícias sobre os casos de microcefalia não alteraram a expectativa de reservas para o verão; mas claro, muitas grávidas deixaram de desembarcar na capital pernambucana, que notificou os primeiros casos de microcefalia em outubro e lidera em número de casos suspeitos. Se no início, 100% dos casos se concentravam no estado, a suspeita de microcefalia em outras regiões distribuiu as atenções, mas de forma alguma aliviou o sofrimento de mães e profissionais de saúde.

 

Revolta

A recepcionista Rosana Vieira Alves da Silva, de 25 anos, é uma das mães dessa geração especial. Com as filhas Vitória Evillen, de 7, Layane Sophia, de 2, e Luana, de 3 meses, ela aguardava a coleta de uma amostra de sangue da recém-nascida, diagnosticada com microcefalia, com uma expressão bem mais leve que a das outras mães ao seu lado. Luana também é um caso diferente, porque, apesar de nascida no meio do surto, teve um exame positivo para toxoplasmose e Rosana não relatou sintomas de zika na gestação. Mas saber a causa é o que menos importa agora. A experiência como mãe parece lhe permitir enfrentar a condição de Luana com mais serenidade.

“Quando me falaram que ela tinha a cabeça no limite do que poderia ter (Luana nasceu com perímetro cefálico de 33cm), quase fiquei doida. Nem conhecia essa tal de microcefalia, só soube que algo estava errado quando ela nasceu. Fico vendo essas mães chorando de um lado para o outro e pensando que a Luana, para mim, é só alegria”, comentou, enquanto brincava com a filha. A microcefalia de Luana é muito sutil,  mas as consequências já começaram a aparecer. “Meu marido não estava dando muita importância. No início, achou que era algo simples e que iria se resolver. Mas ela começou a ter crises epiléticas e ele se assustou.”

O jeito como Rosana curte a filha é uma exceção. A maioria das mães não consegue conter as lágrimas à primeira pergunta. Minutos depois já compartilham seus medos e suas raivas. Carla Fernanda Reis da Silva, de 30 anos, com a pequenina Luane no colo, ainda aguarda o resultado da tomografia para ter o caso confirmado. Mas a cabecinha da filha é tão pequena que não sobram esperanças. A menina nasceu, dois meses atrás, com perímetro cefálico de 29,5cm. Carla não lembra de ter tido sintomas de zika durante a gravidez. Aos oito meses de gestação, ficou apavorada com o noticiário sobre a microcefalia. Semanas depois, aquilo se tornou também sua realidade.

“Fiquei muito mal, pensando que minha filha também corria esse risco. Imagine o que é estar às vésperas de dar à luz e descobrir que as crianças da sua cidade estão nascendo com problemas. Quase fechando nove meses fui fazer um ultrassom. Naquele momento, a médica já me alertou que ela tinha a cabeça pequena. Fiquei péssima. Sem comer, sem dormir. Só chorava. Ainda estou assim. Tenho tristeza, tenho raiva. Esperei tanto por essa filha..., mas ela é especial”, lamenta a mãe, ainda longe da aceitação. Algumas desistem. Uma criança com microcefalia foi deixada em um abrigo no Recife. Outra foi rejeitada pela mãe, mas está sendo criada pelas tias.

 

EUA recomenda evitar viagem

Devido ao risco de microcefalia, os Estados Unidos recomendaram que as mulheres grávidas do país não viajem para 14 países latino-americanos com casos registrados de zika, vírus que provocou o surto da malformação no Brasil. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americano atualizou o alerta para aqueles que planejam visitar o Brasil, Colômbia, México e El Salvador, entre outros. Também foi confirmado o primeiro caso nos EUA. É o de um bebê que nasceu no Havaí. A mãe dele esteve no Brasil em maio. O Ministério da Saúde anunciou que distribuirá para os laboratórios da pasta, em todo o país, 500 mil unidades do kit para diagnóstico rápido de dengue, zika e chikungunya.

 

Panorama

Cenário Brasil

3.530 casos suspeitos

724 municípios e 21 estados com notificações

4 óbitos confirmados

46 óbitos em investigação (todos no Nordeste)

 

Pelo país

DF     5

GO     7

MT     129

MS     3

AL     149

BA     450

CE     192

MA     119

PB     569

PE     1.236

PI     62

RN     181

SE     155

PA     6

RR     1

TO     75

ES     32

MG     19

RJ     122

SP      17

RS     1

 

Cenário em Pernambuco

1.236 casos suspeitos (desde 1º de agosto)

461 casos prováveis

103 casos confirmados

87 casos descartados

6 óbitos em investigação

 

Progressão semanal dos casos

Em 2015

Até 30/10      90

Até 09/11      141

Até 15/11     268

Até 22/11      487

Até 26/11     646

Até 05/12     804

Até 10/12     920

Até 17/12     1.031

Até 27/12     1.153

 

Em 2016

Até 02/01      1.185

Até 09/01      1.236

 

Fontes: Ministério da Saúde e Secretaria de Saúde de Pernambuco