Correio braziliense, n. 19.231, 20/01/2016. Política, p. 2

Cunha ameaça parar votações na Câmara

CRISE NA REPÚBLICA » Presidente da Câmara acredita que decisão do Supremo de proibir a votação secreta na escolha da comissão especial do impeachment se estende para todos os colegiados. Dessa forma, pretende interromper os trabalhos legislativos até a palavra final do STF
Por: Marcella Fernandes

 

A argumentação usada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de que o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o rito do impeachment deixou dúvidas corre o risco afetar diretamente os trabalhos da Casa no retorno do recesso legislativo e atrasar ainda mais o processo contra o peemedebista no Conselho de Ética. No entendimento de Cunha, a decisão da Corte de proibir votação secreta para a comissão especial pode ser interpretada como uma regra geral, o que mudaria as eleições do comando de todos os colegiados.

Diante desse possível impasse, Cunha decidiu não realizar votações até que o Supremo julgue os embargos de declaração que ele apresentará em fevereiro sobre o impeachment. Dessa forma, as eleições nas comissões ficarão congeladas, a fim de não estender indefinidamente os mandatos dos atuais presidentes. “Enquanto isso, só tem trabalho administrativo”, afirma o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). Esse entendimento foi confirmado por outros dois parlamentares próximos a Cunha.

Até o momento, a escolha dos presidentes e vices das comissões permanentes tem sido feita por voto secreto, a cada ano, conforme o regimento interno. Essa lógica, contudo, não vale para o Conselho de Ética, onde o mandato dos integrantes é de dois anos. Dessa forma, os trabalhos do colegiado continuam, incluindo a representação de quebra de decoro contra Cunha. Denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato, ele é acusado de mentir na CPI da Petrobras, ao negar ter contas no exterior.

Em 15 de dezembro, o colegiado aprovou o relatório do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), favorável à continuidade da representação por quebra de decoro. Por ser o segundo parecer apresentado devido à troca do relator anterior, Cunha defende a possibilidade de pedido de vista. Tanto ele quanto o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) entraram com questões de ordem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em defesa desse direito.

Sem novas eleições, a CCJ não pode julgar dois recursos com poder de favorecer o peemedebista no Conselho de Ética. Dessa forma, caso o colegiado  não consiga aprovar alguma das questões de ordem quando voltar aos trabalhos, a medida atrasaria ainda mais o processo no conselho, que já estaria mais adiantado. Instaurado em 3 de novembro, só a fase de admissibilidade demorou mais de um mês devido a ações de aliados de Cunha. Com a aprovação do relatório, Marcos Rogério trabalha agora na coleta de evidências sobre o mérito da representação que pode levar à cassação do mandato do peemedebista.

Como a cúpula do Conselho de Ética é contrária ao pedido de vista e tem um prazo para terminar de analisar o caso de Cunha, o intuito é acelerar a tramitação. “Os trabalhos continuam normalmente”, afirma o deputado Sandro Alex (PPS-PR), vice-presidente do colegiado. As implicações que as dúvidas sobre a decisão do STF podem ter no Conselho de Ética foram tema de conversas entre Cunha e o advogado que o representa no colegiado, Marcelo Nobre, em encontros em Brasília nas últimas semanas. Mesmo no recesso parlamentar, o deputado tem vindo à capital às terças e às quartas-feiras.

 

Estratégia

No caso das comissões permanentes e temporárias, o regimento prevê que o mandato de presidente e dos vice-presidentes dure “até a posse dos novos componentes eleitos no ano subsequente”. Cabe aos líderes partidários comunicarem à Presidência da Câmara o nome dos deputados indicados para cada colegiado. Em seguida, o presidente determina a publicação da convocação das comissões para eleger os respectivos presidentes e vice-presidentes no Diário da Câmara e na Ordem do Dia do plenário.

Sem considerar a decisão do STF, a eleição das comissões deveria ocorrer na semana seguinte ao carnaval. Seria o tempo para os líderes fecharem as indicações. Eles têm cinco sessões legislativas, a partir da primeira plenária. Neste ano, ela deve ser em 3 de fevereiro, uma vez que o dia anterior está reservado para instalação dos trabalhos. O número de integrantes de cada partido é definido no primeiro ano de cada legislatura — neste caso, em 2015 —, mas os nomes são trocados anualmente.

Para o deputado Ivan Valente (PSol-SP), a estratégia de Cunha não deve prosperar. Ele aposta que o STF vai decidir antes sobre o pedido de afastamento de Cunha feito pela Procuradoria- Geral da República (PGR). O partido pediu uma audiência com o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, na primeira semana de fevereiro para cobrar agilidade nessa questão. O parlamentar também acredita que o peemedebista não tem poder político para paralisar os trabalhos da Casa. “Fazer isso é se recusar a cumprir um papel constitucional. Ele vai sofrer pressão dos deputados e da sociedade”, disse.

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Mais um candidato a líder

Em mais um episódio na disputa pela liderança do PMDB, o partido deve ter um terceiro nome no páreo,  o que pode atrapalhar a reeleição do atual líder, deputado Leonardo Picciani (RJ). Tanto ele quanto Leonardo Quintão (MG) — que assumiu o cargo por uma semana em dezembro, após uma lista da ala oposicionista do partido — já anunciaram as candidaturas. O mais cotado para se juntar aos dois é o deputado Hugo Motta (PB).

Ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMD-RJ), procurou o vice-presidente da República, Michel Temer, que comanda a legenda, a fim de pedir apoio para lançar o paraibano. O encontro aconteceu no Palácio do Jaburu, residência oficial de Temer. Segundo interlocutores, ele teria manifestado que ficará à distância das negociações no Legislativo. A postura visa evitar uma possível influência na disputa pelo comando da sigla, que será definido na convenção marcada para março.

Motta presidiu a CPI da Petrobras e tem um bom relacionamento com Cunha. Eles se reuniram na Presidência da Câmara na última quarta-feira. Por outro lado, o paraibano não é visto como um nome tão oposicionista quanto Quintão. Além dele, os deputados Mauro Mariani (SC) e João Arruda (PR) são cotados para o posto de terceiro candidato.

A postura considerada excessivamente governista de Picciani tem incomodado a ala favorável ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em reuniões ontem, a bancada não conseguiu chegar a um consenso sobre a data nem sobre os critérios da eleição. O carioca determinou que seja em 17 de fevereiro e por maioria simples para reeleição. Os oposicionistas preferem 3 de fevereiro e a exigência de dois terços, determinada em acordo no início de 2015, quando Picciani foi eleito. (MF)

 

Reunião no Planalto

Esperado para ontem, o primeiro encontro do ano entre a presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer está previsto para as 10h de hoje, no Palácio do Planalto. A reunião será uma tentativa de reaproximação entre os dois, que ficaram com a relação estremecida desde a carta desabafo de Temer pontuando pelo menos 11 momentos em que foi deixado de lado em decisões importantes no governo. A pauta de discussão dos dois não foi divulgada, mas, entre os assuntos em comum, está a disputa da liderança do PMDB na Câmara e a indicação de um peemedebista para assumir a Aviação Civil. (Naira Trindade)

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