Título: BC paga para ver inflação na meta
Autor: Cristino, Vânia; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2011, Economia, p. 9

Instituição prevê IPCA de 6,4% em 2011, mas admite que índice é possibilidade e não uma certeza. Chance de erro sobe para 45%

Nunca foi tão alta, neste ano, a chance de a inflação estourar o teto da meta, de 6,5%, perseguida pelo governo. Pelos cálculos do Banco Central, essa ameaça mais que dobrou em setembro: uma probabilidade de 45% ¿ em junho, era de apenas 22%. Se o BC já começa a admitir riscos, o mercado financeiro já dá como certa a derrota para o combate à carestia. Analistas ouvidos pela autoridade monetária estimam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechará 2011 em 6,52%.

O BC não reconhece que perdeu e, mesmo encurralado, mandou um recado: continuará a cortar a taxa básica de juros (Selic) da economia, hoje em 12% ao ano. Para a instituição, nem a disparada do dólar nem a possibilidade de novos reajustes nos preços dos alimentos serão capazes de fazer a inflação furar o limite de tolerância. Pela novas estimativas, ela bateria em 6,4%. Na verdade, a autoridade monetária decidiu pagar para ver. Vai correr o risco de deixar o índice ultrapassar o teto: é o que dá a entender o relatório trimestral de inflação e o discurso de Carlos Hamilton Araújo, diretor de Política Econômica do banco.

"Ajustes moderados no nível da taxa básica são consistentes com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012", disse Hamilton, sinalizando que o momento é de redução na taxa, apesar do nível elevado de carestia. Mas, ao mesmo tempo, o diretor admitiu que não está descartada a hipótese do estouro da meta. "Possibilidade sempre existe. O valor central da projeção indica que não, mas não é um procedimento exato. Pode ser mais, pode ser menos", disse. Divulgado ontem, o relatório de inflação mostrou que a meta não será cumprida também em 2012. No fim do próximo ano, a expectativa é de que o IPCA fique em 4,7%, ligeiramente acima do objetivo central de 4,5%.

Justificativa O Banco Central também reduziu as expectativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), de 4% para 3,5%. A redução deveu-se à moderação, acima do esperado, na atividade da indústria e do setor de serviços, mas também a uma contribuição negativa do setor externo ¿ as previsões de Hamilton são que as taxas de crescimento da Europa sejam mais uma vez revistas para baixo ¿ e ao baixo ritmo de investimentos no país. Ainda assim, a economia terá seu crescimento garantido pelo aumento dos gastos das famílias e do governo. A projeção para o consumo dos brasileiros em 2011 passou de 4,1% para 4,5%. Para as despesas estatais, subiu de 1,9% para 2,1%.

Mesmo sem previsões claras sobre que posição tomará o Comitê de Política Monetária (Copom) na próxima reunião sobre juros, marcada para outubro, o relatório de inflação apontou para a continuidade do corte na Selic na mesma magnitude da ocorrida no final de agosto, de 0,50 ponto percentual. Para economistas, a afirmação de Hamilton, de que o cenário permite ajustes moderados na taxa básica, aumenta as chances de novos cortes. "Não na magnitude de um ponto, mas no mesmo ritmo do observado até agora", sugeriu Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora.

O economista Flávio Serrano, do Espirito Santo Investment Bank, concorda. Mas em termos de inflação, ele está mais pessimista que o BC. O analista acredita que, neste ano, a taxa vai ficar, no mínimo, em 6,5% e, no ano que vem, em 5,6%. José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, observa que é lógico esperar pelo menos mais duas quedas de 0,50 ponto percentual. O fato de a economia mundial estar indo de mal a pior é um facilitador. "A crise vai ser menos aguda e mais prolongada que em 2008. O problema é saber qual o seu tamanho e o ritmo de contaminação. Mesmo assim, acho muito difícil a inflação ficar em 4,5% no ano que vem", alertou.

Explicações à Fazenda A última vez que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superou o teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi em 2003, quando a inflação bateu em 9,3%, contra o limite, ajustado, de 8,5%. Esse fato obrigou o Banco Central a escrever uma carta ao ministro da Fazenda para explicar porque não conseguiu cumprir o que foi combinado. Mesmo procedimento terá que ser adotado para 2011, caso o índice fique acima dos 6,5%.

Risco reconhecido Números mostram que a prioridade do BC passou a ser o crescimento e não a inflação na meta

Probabilidade de estouro da meta

Relatório Projeção

Março 20%

Junho 22%

Setembro 45%

Expectativas para o IPCA deste ano Índices estão em alta desde o fim de 2010

Cenário de mercado

Dezembro/10 4,8%

Março/11 5,6%

Junho/11 5,8%

Setembro/11 6,4%

Cenário de Referência

Dezembro/10 5%

Março/11 5,6%

Junho/11 5,8%

Setembro/11 6,4%

Fonte: Banco Central.