Correio braziliense, n. 19.231, 20/01/2016. Economia, p. 9

Juiz declara cotas para negros inconstitucional

Sentença proferida por magistrado do TRT da Paraíba condena lei que reserva 20% das vagas em concursos públicos a afrodescendentes. Decisão gera polêmica

Por: Vera Batista / Lorena Pacheco

 

Pela primeira vez desde que foi criada, em 2014, a aplicação da lei de cotas raciais em concursos públicos (Lei 12.990), que reserva 20% das vagas a candidatos que se autodefinam como pretos ou pardos, foi declarada inconstitucional. A decisão foi tomada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Paraíba, no julgamento de um caso de nomeação postergada pelo Banco do Brasil. De acordo com a sentença do juiz Adriano Mesquita Dantas, a lei viola três artigos da Constituição Federal (3º, inciso IV; 5º, caput; e 37, caput e inciso II), além de contrariar os princípios de razoabilidade e da proporcionalidade.

O juiz entende que a cota no serviço público envolve aspectos que não foram debatidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando a corte tratou, recentemente, da reserva de vagas nas universidades públicas. Segundo Dantas, naquele caso estava em jogo o direito humano e fundamental à educação, o que não existe com relação ao emprego público.

“Não fosse assim, teria o Estado a obrigação de disponibilizar empregos públicos para todos os cidadãos. O provimento de cargos públicos mediante concurso não representa política para promoção da igualdade, inclusão social ou mesmo distribuição de renda. Além disso, a reserva de cotas para suprir eventual dificuldade dos negros na aprovação em concurso público é medida inadequada, já que a origem do problema é a educação”, analisou o magistrado.

Dantas também afirmou que as cotas violam a regra da isonomia. “É fundamental o recrutamento dos mais capacitados, independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade, religião, orientação sexual ou política, entre outras características pessoais.” Disse ainda que a lei permite situações “esdrúxulas”, pela ausência de critérios objetivos para a identificação dos negros.

Discriminação
O Tribunal julgou uma ação referente a um concurso do Banco do Brasil. Um candidato que passou na 15ª posição se sentiu prejudicado após ter a nomeação preterida pela convocação de outros 14 classificados, sendo três cotistas aprovados em 25º, 26º e 27º lugares.

A sentença do juiz paraibano gerou polêmica. “Uma decisão infeliz”, considerou o defensor público Eduardo Nunes, que instrui um pedido de liminar para que o Ministério do Planejamento coloque em prática a Lei 12.990. Segundo Nunes, quando o STF consolidou as cotas nas universidades, também o fez para o acesso a cargos públicos.

Nunes discorda também do argumento de que houve discriminação contra o candidato que passou em 15º lugar. “O juiz recai nos mesmos preconceitos abordados quando a discussão estava no STF. O processo seletivo já faz um corte. Considerar incapazes os que passaram pelas cotas é o mesmo que dizer que apenas o primeiro colocado tem condições de tomar posse”, defendeu

“Trata-se de uma reação racista de uma classe média que detinha as vagas e os altos salários de concursos como um privilégio”, afirmou o professor José Jorge de Carvalho, criador do sistema de cotas na Universidade de Brasília (UnB). “O que o juiz acatou fere o direito à igualdade resguardado pelo artigo 5º da Constituição. As cotas no serviço público derivam da mesma luta no ensino superior.”

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Caso deve chegar ao STF

O advogado Max Kolbe, do escritório Kolbe Advogados Associados, vencedor da causa, comemorou a decisão “histórica” do Tribunal da Paraíba. Kolbe, que é membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF, disse que, “apesar de o efeito valer apenas para o caso em questão, o tema serve como reflexão para o país inteiro e o julgamento certamente deve chegar até STF”.

Ele afirmou que a Constituição, em momento algum, obriga o Estado — como ocorre com a educação — a dar a todos os direitos ao serviço público. Há apenas uma hipótese de benefício constitucional aos deficientes. “A administração pública só pode fazer o que a lei manda. Teríamos que mudar a Constituição para prever essa ação afirmativa.”

Para Kolbe, a questão é bem maior que cotas. “A essência do concurso é elitizada”, lembrou. Os certames têm conteúdos que não constam da grade curricular e quem não faz curso preparatório dificilmente é aprovado. “Todos os órgãos querem os mais preparados. O ingresso no serviço público é pela meritocracia. Se o Estado quer solucionar ou se redimir das mazelas passadas causadas aos negros, por que não criou cota de 20% nos cargos em comissão?”, questionou.

Por meio de nota, o BB informou que cumpre integralmente a Lei 12.990. “Em relação à decisão do TRT da Paraíba, o Banco do Brasil irá analisar a sentença para adotar as medidas judiciais cabíveis”, destacou. A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) não retornou até a hora do fechamento. (VB e LP)