O globo, n. 30110, 14/01/2016. País, p. 3

Samarco e Vale indiciadas

Juliana Castro

Pouco mais de dois meses após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a Polícia Federal informou ontem que indiciou a Samarco, a Vale, a empresa Vogbr e mais sete executivos e técnicos por crimes ambientais decorrentes da tragédia, ocorrida em 5 de novembro. Entre eles, está o diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. Em nota, a PF informou que as investigações continuam e podem ocorrer novos indiciamentos.

O desastre em Mariana, o maior da História em volume de material despejado por barragens de rejeitos de mineração, deixou 17 mortos e dois desaparecidos. A PF esclareceu que tem a atribuição de investigar crimes ambientais, uma vez que a lama atingiu o leito do Rio Doce, um bem da União que corta Minas Gerais e Espírito Santo.

Já a investigação sobre as mortes de moradores do distrito de Bento Rodrigues e de funcionários da Samarco e de empresas contratadas está a cargo da Polícia Civil de Minas. O delegado Rodrigo Bustamante informou ontem que está na fase de verificação de laudos.

Além do diretor-presidente da Samarco, empresa responsável pela barragem, foram indiciados a gerente de Geotecnia, o gerente-geral de Projetos e responsável técnico pela barragem de Fundão, o gerente-geral de Operações, o diretor de Operações, o coordenador de monitoramento das barragens e o engenheiro da Vogbr responsável pela Declaração de Estabilidade da barragem de Fundão em 2015. A Vogbr atestou a estabilidade das barragens de Germano, Fundão e Santarém. A PF não informou os nomes dos indiciados.

O inquérito vai agora para o Ministério Público Federal, que avaliará se oferece denúncia à Justiça. Tanto as empresas quanto os executivos e técnicos foram indiciados por “tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana”, “causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade”, e “dificultar ou impedir o uso público de praias”. A pena para esses crimes varia de um a cinco anos.

 

INTERRUPÇÃO NO ABASTECIMENTO

Por “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”, a pena é de um a quatro anos, acrescida de multa. Os crimes estão previstos no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais. Após a tragédia, a Samarco fez um acordo com o Ministério Público mineiro de pagamento de R$ 1 bilhão para reparar danos da tragédia.

A lama da barragem de Fundão percorreu o Rio Doce e chegou ao mar do Espírito Santo 17 dias depois do rompimento. Pelo caminho, provocou a suspensão do abastecimento de água em cidades de Minas e do Espírito Santo.

Laudos da Vogbr obtidos pelo GLOBO atestaram a repetição por três anos de problemas na Barragem do Fundão, como canaletas trincadas, falhas em canos de escoamento interno de água e no sistema de drenagem superficial, que visavam evitar a liquefação da estrutura da barragem. Os problemas podem ter contribuído para o rompimento.

Responsável pela produção dos relatórios de estabilidade do Fundão, a Vogbr também projetava a expansão futura da barragem. A dupla atuação da empresa é investigada por PF e MPF.

Em nota, a Samarco protestou: “A Samarco informa que não concorda com o indiciamento de seus profissionais porque até o presente momento não há uma conclusão pericial técnica das causas do acidente”, diz o texto. Já a Vale disse que “recebeu com surpresa a notícia”: “O indiciamento reflete um entendimento pessoal do delegado e ocorre em um momento em que as reais causas do acidente ainda não foram tecnicamente atestadas e são, portanto, desconhecidas. Além disso, as suposições da Polícia Federal sobre uma teórica responsabilidade da Vale baseiam-se em premissas que não têm efetivo nexo de causalidade com o acidente, conforme será oportuna e tecnicamente demonstrado pela Vale”. A Vogbr não comentou o indiciamento.

 

Números

17 MORTOS

entre funcionários da mineradora e de empresas contratadas e moradores das localidades atingidas pela lama

2 DESAPARECIDOS

e as buscas continuam sendo feitas pelo Corpo de Bombeiros

7 FUNCIONÁRIOS INDICIADOS

executivos e técnicos da Samarco e outras empresas vão responder por crimes ambientais

170 CRIANÇAS

podem ser beneficiadas pelas doações depositadas na conta indicada pela prefeitura

R$ 1.025.241 VALOR ARRECADADO

até agora com as doações em espécie enviadas a Mariana e ainda não destinadas às famílias

R$ 1BI VALOR QUE A SAMARCO

se comprometeu a pagar para reparar os danos decorrentes do rompimento da barragem

431 KM DE ESTRADA

separam Mariana da foz do Rio Doce, onde a lama da barragem de Mariana alcançou o Atlântico