O globo, n. 30110, 14/01/2016. País, p. 4

Políticos vivem 'pavor generalizado' com novas delações da Lava-Jato

A divulgação de novos trechos da delação do exdirigente da Petrobras Nestor Cerveró deixou o mundo político em polvorosa. Entre os parlamentares, há um sentimento de que o teor da delação cria um “pavor generalizado” tanto entre políticos quanto entre empresários, colocando num cenário de incertezas o futuro do governo, a sobrevivência do ex-presidente Lula até as eleições de 2018 e a situação de caciques do PMDB, de partidos da base e até de alguns dos principais nomes da oposição.

Na classe política, gerou temor a constatação de que “nada prescreve”, já que as denúncias chegaram ao governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), que deixou a presidência em 2002.

— A grande novidade dessa Lava-Jato é que não tem ninguém se abraçando para se salvar, é todo mundo querendo furar a boia. Há um pavor generalizado, ninguém sabe se vai sobrar alguém de pé — disse um peemedebista.

Lideranças dos partidos da base e oposição relatam um clima de apreensão com os desdobramentos das delações em curso de dirigentes da Andrade Gutierrez e do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Senadores se falam frequentemente por telefone para sentir o clima e avaliam que a delação de Cerveró é pequena perto do que está por vir. Citado pelo delator, aliados do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) dizem que ele está angustiado.

— O quadro da política na volta do recesso vai ser muito complicado. Ninguém sabe o que vem pela frente diante de tantas delações. O momento é de apreensão tanto na política quanto no mundo empresarial. Há muitas dúvidas — diz o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

As incertezas são ainda maiores pelo fato de não terem vindo à tona todos os detalhes da delação de Cerveró e de nem mesmo ter sido homologada a proposta de delação do ex-presidente do PP Pedro Corrêa. Este citou em sua proposta de acordo o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e o senador Aécio Neves, mas ainda não foram revelados detalhes do que se trataria.

As referências recentes a Aécio e ao governo FH animaram o PT, que anunciou que “vai partir para cima do PSDB” e cobrar a abertura de inquérito no caso do senador tucano.

Petistas admitem, no entanto, o desgaste do governo e a desidratação de Lula para 2018:

— É um desgaste contínuo, mas concretamente não há nada contra o Lula. Só a gente sabe o preço que estamos pagando — avaliou um petista.

Aécio criticou o que chamou de tentativa de atingir a oposição:

— Essa tática de embolar todo mundo não é nova, mas as coisas contra eles são tão fortes que não serão capazes de esboçar reação tentando de forma irresponsável nos envolver. A Lava-Jato terá um curso próprio. Estou preocupado é com o que vai restar de Brasil lá na frente — reagiu Aécio.

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FH questiona denúncia de Cerveró sobre propina

Mariana Sanches

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso questionou ontem a denúncia do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, de que a compra da empresa argentina PeCom, em 2002, teria gerado um propina de R$100 milhões destinadas ao “governo FHC”.

— Não conheço o sr. Cerveró, nem sei se ele delatou o que foi divulgado, pois os rumores se baseiam em um papel não homologado como delação pela Justiça — afirmou, em entrevista por email, ao GLOBO.

Sobre a existência de denúncias de corrupção na Petrobras em sua gestão, o expresidente disse só ter ouvido falar quando um jornalista fez menção ao assunto.

— Houve uma acusação de conhecido jornalista e amigo meu de que haveria milhões de dólares em contas de diretores da empresa. O presidente da Petrobras na época processou o jornalista. Este não conseguiu confirmar a denúncia. Daí por diante, sem que chegassem a mim, as poucas insinuações havidas foram levadas pela empresa ao MP — afirmou.

Segundo ele, a escolha dos diretores da estatal em seu governo seguiam critérios técnicos e não políticos.

O presidente da Petrobras em 2002, Francisco Gros, morreu em 2010, mas seus auxiliares na condução do negócio falaram ao GLOBO sobre a denúncia de Cerveró. Jorge Camargo, então diretor internacional, afirmou que o delator “mede as pessoas com sua régua” e “tem outros valores, de quem faz negócios pensando em vantagens além do salário”. Já o ex-diretor financeiro João Batista disse que a denúncia de Cerveró é “mera fofoca” e que o delator sequer poderia ter tais informações porque não participou do negócio.

— Ele estava escanteado na empresa por suspeita de má conduta — afirmou.

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Em alta 

O DEPOIMENTO, sob acordo de delação premiada, do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró preocupava tanto que o senador Delcídio Amaral (MS-PT) se empenhou de maneira temerária para impedir o testemunho.

NÃO CONSEGUIU, terminou preso, e a divulgação de parte do que Cerveró contou, afinal, aos responsáveis pela Operação Lava-Jato mostra que o senador, o lulopetismo e aliados de outros partidos tinham motivos concretos para se preocupar com a colaboração do ex-diretor.

CERVERÓ ENVOLVEU mais ainda o ex-presidente Lula no petrolão, citou Dilma e colocou em primeiro plano do escândalo a BR Distribuidora, convertida pelo lulopetismo, segundo ele, em feudo de Collor.

CRESCE A importância do ex-diretor nesta fase das investigações.