O globo, n. 30109, 13/01/2016. País, p. 3

Lula e dois delatores em contradição

André de Souza

Eduardo Bresciani

Dois delatores da Operação Lava-Jato apresentaram versões contraditórias com a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a indicação de Nestor Cerveró para uma das diretorias da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. O próprio Cerveró e o lobista Fernando Baiano afirmaram que foi Lula quem decidiu a nomeação, em 2008, como forma de retribuir a ajuda dada por Cerveró para quitar um empréstimo do PT junto ao banco Schahin, que teve uma empresa do grupo contratada posteriormente pela Petrobras. Em 16 de dezembro, após os depoimentos dos delatores, Lula foi questionado sobre o assunto pela Polícia Federal, e respondeu que a indicação partiu do PMDB.

A versão dada por Cerveró e Baiano foi endossada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Em denúncia apresentada contra o deputado Vander Loubet (PT-MS) e outras quatro pessoas também investigadas na Lava-Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reproduziu partes dos depoimentos dos dois delatores. Eles disseram que Cerveró foi para a Diretoria Financeira e de Serviços da BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras, como uma compensação por sua saída da Diretoria Internacional da estatal petroleira.

 

BUMLAI TELEFONOU DO PALÁCIO DA ALVORADA

Para isso, pesou o fato de Cerveró ter atuado na contratação do grupo Schahin para operar o navio-sonda Vitória 10.000, o que “quitou” o empréstimo contraído pelo PT. As informações foram divulgadas pelo “Jornal da Globo” e confirmadas ontem pelo GLOBO.

A denúncia contra Loubet, feita em 17 de dezembro do ano passado, traz uma parte do depoimento prestado em 9 de setembro de 2015 por Baiano, que, segundo a PGR, era amigo de Cerveró. Baiano relatou ter pedido a ajuda do lobista Jorge Luz e do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, para que Cerveró permanecesse na Diretoria Internacional da Petrobras. Segundo ele, nenhum dos dois obteve êxito.

Baiano afirmou que Bumlai teria ligado para ele enquanto estava no Palácio da Alvorada informando que conversara com Lula, mas ouviu do ex-presidente que não poderia interferir na questão, uma vez que havia prometido a diretoria à bancada mineira do PMDB. Bumlai também procurou o atual vice-presidente Michel Temer, então presidente do PMDB, mas ele também disse que não poderia contrariar a bancada de Minas, segundo a versão do delator.

Baiano relatou ainda que um advogado — cujo nome não lembra, mas que estaria falando em nome da bancada mineira, liderada pelo deputado Fernando Diniz — sugeriu a manutenção de Cerveró no posto, desde que ele pagasse propina de aproximadamente R$ 1 milhão mensais aos deputados peemedebistas de Minas. Baiano disse ter explicado ao advogado que não seria possível prometer isso, porque a Diretoria Internacional não tinha contratos constantes, apenas negócios pontuais. Baiano afirmou ter contado a Bumlai a proposta de R$ 1 milhão mensal. Depois disso, houve um retorno do pecuarista.

Em seu depoimento, reproduzido na denúncia, Baiano conta que Bumlai telefonou do Alvorada e que o relatou que não havia mais como manter Nestor Cerveró na Diretoria Internacional da Petrobras. Na mesma ocasião, contou Baiano na delação, Bumlai informou que, em razão da ajuda de Nestor Cerveró na contratação do grupo Schahin para operação do navio-sonda Vitória 10.000, Cerveró havia sido indicado para o cargo de diretor financeiro da BR Distribuidora.

Baiano diz no depoimento que subentendeu que a indicação de Nestor Cerveró “teria sido tratada com o presidente Lula”. Conta ainda que, no dia seguinte, telefonou para Cerveró e percebeu que ele ainda não sabia que seria indicado para a BR Distribuidora, o que terminou sendo confirmado depois.

Em seu termo de colaboração do dia 7 de dezembro de 2015, Cerveró também atribuiu sua nomeação para a BR à intermediação do negócio do navio-sonda. Ele diz que, em razão de ter viabilizado a contratação da Schahin como operadora da sonda Vitória 10.000, quando ainda era diretor internacional da Petrobras, “havia um sentimento de gratidão do Partido dos Trabalhadores - PT”.

Cerveró ainda explicou que a contratação da Schahin “objetivava a quitação de um empréstimo do PT, perante o Banco Schahin, garantido por José Carlos Bumlai”. Para ele, como reconhecimento de sua ajuda, Lula decidiu indicá-lo para a Diretoria Financeira e de Serviços da BR.

A Procuradoria-Geral da República endossou a versão dos delatores. Diz a denúncia contra Vander Loubet: “Nestor Cerveró foi politicamente indicado para o cargo de Diretor Financeiro e de Serviços da Petrobras Distribuidora S/A por intervenção direta da Presidência da República. Na época, Nestor Cerveró ocupava a Diretoria Internacional da Petrobras, que deveria ser entregue à bancada mineira do PMDB de Minas Gerais. Como forma de compensação pelo fato de ele ter favorecido os interesses do Partido dos Trabalhadores em determinado contrato da Diretoria Internacional da Petrobras, logo depois de ter sido exonerado, recebeu o cargo em questão na BR Distribuidora”.

Bumlai está preso desde novembro do ano passado e é acusado de intermediar o empréstimo de R$ 12 milhões junto ao banco Schahin, em 2004. Em depoimento realizado em dezembro, ele afirmou que o dinheiro foi destinado ao PT. Na ocasião, o pecuarista desvinculou o expresidente de qualquer envolvimento com o negócio. Disse que Lula é seu amigo, que se encontravam nos fins de semana, mas que tinham como regra não falar de assuntos políticos ou econômicos.

Bumlai negou que tenha pedido a Lula que mantivesse qualquer diretor da Petrobras no cargo. Segundo Fernando Baiano, a bancada mineira do PMDB acabou indicando Jorge Zelada para a Diretoria Internacional da Petrobras. Mas o delator relata não saber se ele se submeteu ao compromisso de repassar recursos periodicamente aos deputados do PMDB de Minas. Zelada também é investigado na Operação Lava-Jato. Baiano, preso em novembro de 2014, ganhou o direito à prisão domiciliar em novembro de 2015. Cerveró está preso desde janeiro do ano passado.

 

Em denúncia contra o deputado Vander Loubet (PT-MS) e outras quatro pessoas, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reproduziu partes dos depoimentos dos dois delatores

 

Reconhecimento

O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró afirmou, em delação premiada, que sua indicação para a Diretoria Financeira e de Serviços da BR Distribuidora foi feita por Lula em “reconhecimento da ajuda” na contratação da Schahin para operar o navio-sonda Vitória 10.000. Segundo Cerveró, a indicação aconteceu em troca da “quitação de um empréstimo” do PT, perante o banco Schahin. Para o ex-diretor, “havia um sentimento de gratidão do Partido dos Trabalhadores” pela viabilização do contrato com a Schahin

 

Tribunal da receita

A Zelotes investiga organizações criminosas que atuavam na manipulação de resultado de julgamentos no Carf, conselho conhecido como “tribunal da Receita”. Luís Claudio Lula da Silva, filho de Lula, é dono da empresa LFT Marketing Esportivo, que recebeu repasses da empresa Marcondes & Mautoni, que tem entre os sócios Mauro Marcondes Machado, acusado de negociar interesses de montadoras de veículos no Carf. Relatório da PF apontou que, para justificar os repasses, a consultoria feita por Luís Claudio reproduziu material da internet, em especial no site Wikipedia

 

Tríplex no Guarujá

Lula possui uma cobertura avaliada entre R$ 1,5 milhão e R$ 1,8 milhão no Guarujá (SP). O prédio foi construído pela Cooperativa dos Bancários de São Paulo (Bancoop), entidade ligada ao PT, que faliu antes do fim do projeto. A empreiteira OAS, investigada na Lava-Jato, assumiu o empreendimento. O Instituto Lula diz que Marisa Letícia, mulher de Lula, é dona de uma cota da construção, adquirida em 2005 e quitada em 2010

 

Despesas da nora

O lobista Fernando Baiano disse ao MPF que pagou R$ 2 milhões para custear despesas de um apartamento de uma das noras de Lula. Segundo Baiano, o dinheiro foi entregue ao pecuarista José Carlos Bumlai, que então teria repassado à nora de Lula. O dinheiro seria propina de um contrato da Petrobras. Bumlai e o Instituto Lula negam qualquer favorecimento

 

Tráfico de influência

Inquérito aberto pela Procuradoria da República no DF investiga suposto tráfico de influência internacional do ex-presidente Lula para favorecer a constritora Odebrecht, uma das empresas investigadas na Operação Lava-Jato. As investigações estão concentradas em viagens internacionais feitas pelo ex-presidente para Cuba, República Dominicana, Gana e Angola, que teriam sido bancadas pela Odebrecht .

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Petista: ‘Cerveró foi indicado por base aliada’

O ex-presidente Lula “não tem e não teve relação pessoal” com Nestor Cerveró, segundo nota divulgada ontem pelo Instituto Lula. Ainda de acordo com a nota, Lula não tem “sentimento de ‘gratidão’ subjetivamente atribuído a ele”. O instituto afirma que, ao ser ouvido pela Polícia Federal (PF) em 16 de dezembro do ano passado, o ex-presidente afirmou que Cerveró “foi nomeado diretor da Petrobras e da BR Distribuidora por indicação de partido da base aliada”. O instituto lembra que Lula foi ouvido pela PF na condição de informante, “já que não é investigado e sequer foi arrolado como testemunha” na Lava-Jato.

O instituto critica o vazamento das declarações dadas por Lula à PF e da delação de Cerveró e classifica esse vazamento como “ilegal”: “A divulgação tardia de ilações já esclarecidas tumultua ainda mais um noticiário parcial e distorcido”. Os trechos dos depoimentos de Cerveró, Fernando Baiano e do próprio Lula não estão mais protegidos por sigilo judicial e estão disponíveis em sistema do Supremo Tribunal Federal (STF).

Diz a nota: “No depoimento à PF, Lula negou ter tratado com qualquer pessoa sobre supostos empréstimos ao PT ou sobre a contratação de sondas pela Petrobras, que são objetos de investigação. Esclareceu ainda que fez apenas duas indicações pessoais na Petrobras: os ex-presidentes José Eduardo Dutra e José Sérgio Gabrielli”.

Presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto afirmou ontem que acha que o ex-presidente Lula não conhece Cerveró, embora eles possam ter participado de algum evento juntos. Okamotto destacou que, em geral, a nomeação de diretores da Petrobras não passa pelo presidente da República.