Correio braziliense, n. 19.233, 22/01/2016. Economia, p. 7

País perde 1,5 milhão de empregos. E vai piorar

Mercado de trabalho registra o pior resultado em 24 anos. Atropelada pela recessão, indústria lidera o fechamento de postos. Rendimento real cai 1,6%. A perspectiva é de demissão de mais 2 milhões de pessoas em 2016. Ministro se diz otimista
Por: Celia Perrone/Mariana Areias
 

O Brasil fechou 1,542 milhão de empregos formais em 2015, o pior resultado desde 1992, ano em que Fernando Collor de Mello foi defenestrado do poder por corrupção. Com a destruição dessas vagas, o mercado de trabalho retornou aos níveis de 2012. Somente em dezembro, 596,2 mil pessoas foram demitidas. Os poucos que conseguiram driblar a crise foram obrigados a aceitar salários menores. O rendimento médio de admissão caiu 1,64% em relação a 2014, de R$ 1.291 para R$ 1.270.

As perspectivas são ainda piores para 2016. Com o aprofundamento da recessão — o Produto Interno Bruto (PIB) cairá quase 4% pelo segundo ano consecutivo — e a manutenção da inflação próxima de 10%, os analistas projetam demissões de 2 milhões de pessoas. Os cortes deverão ser liderados pelo comércio e pelo setor de serviços, que empregam 27 milhões de trabalhadores. Será mais um ano trágico para as famílias, que sofrem para fechar as contas do mês.

“Estou desesperada”, afirmou Ana Carolina Alves, 36 anos, que está sem trabalho desde novembro passado. “Não estou escolhendo nada. Aceito qualquer salário. Minhas contas estão atrasadas”, completou. Ela ganhava R$ 1 mil como atendente de telemarketing. Cristiane Cardoso, 38, também não esconde a angústia. Demitida em dezembro, não sabe o que será de seu futuro. “Sou formada em administração, tenho MBA, trabalho desde os 16 e nunca tinha ficado desempregada. Tenho qualificação, e ficar parada é péssimo para mim”, afirmou.

O fechamento de vagas com carteira assinada atingiu quase todos os setores da economia, segundo o Cadastro Geral de Empregados e de Desempregados (Caged). A indústria de transformação foi a que mais demitiu (608,8 mil), seguida pela construção civil (416, 9 mil), pelos serviços (276 mil) e pelo comércio (218,6 mil). Somente a agricultura teve desempenho positivo: abriu 9,8 mil postos.

Desespero
Apesar dos números ruins, o ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rosseto, se disse otimista. “Tivemos redução de empregos e da média de salários de admissão, mas as conquistas dos últimos anos foram preservadas por conta do aumento real do salário mínimo e do nível do estoque de vagas, que está superior ao de 2012,” afirmou.

Carlos André Lima, 32, no entanto, não vê motivo para o tom positivo de Rosseto. Desempregado desde setembro do ano passado, ele acredita que o governo é o principal responsável por todas os problemas que está enfrentando. “Nunca imaginei passar por tanta dificuldade”, disse. Carlos ganhava R$ 2 mil, renda suficiente para sustentar as três filhas. “Mas, agora, está impossível”, enfatizou.

Para o professor Helio Zylberstajn, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), não há como esperar uma melhora do mercado de trabalho tão cedo. No entender dele, está faltando um elemento básico para que o país saia do atoleiro em que se encontra: confiança. Sem isso, os investimentos produtivos, que criam empregos e ampliam a renda, continuarão retraídos, a recessão vai se prolongar e o desemprego, aumentar.

O ministro do Trabalho da Previdência acredita que, com o pacote de medidas que o governo deve anunciar na próxima semana, o empresariado voltará a investir e a contratar. Os especialistas, porém, mantêm o pessimismo. Segundo o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, a tendência é de piora no mercado de trabalho, o que contribuirá para aumentar o rombo do sistema previdenciário, já que diminuirá o número de contribuintes. Pelas contas do consultor Rodolfo Torelly, 2016 começou muito ruim. “Em janeiro, 100 mil vagas devem desaparecer”, previu.

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91% adiam o consumo

Com menor poder de compra — ou sem nenhum, no caso de quem perdeu o emprego —, os brasileiros encolheram drasticamente os gastos em 2015. Segundo estudo divulgado ontem pelo Instituto Data Popular, 91% dos brasileiros reduziram o consumo na comparação com o ano anterior.

Depois de mais de uma década de conquistas financeiras em um contexto de inflação abaixo do teto da meta e crédito farto, o que as pessoas mais lamentam é terem aberto mão de viajar para o exterior. 65% apontam essa como a principal decepção entre sete produtos ou serviços pesquisados. Também causa frustração a seis em cada 10 brasileiros (63%) o fato de terem adiado a compra do imóvel próprio.

A falta de confiança para consumo é nítida entre os brasileiros. A crise econômica é apontada por 97% deles como o principal fator de instabilidade do país. Para 55% dessas pessoas, a atual conjuntura é a pior que o Brasil já viveu. Mas não apenas os fundamentos econômicos preocupam. Para 93%, a crise política contribui diretamente para a queda dos níveis de atividade.

O encolhimento no consumo observado no ano passado, no entanto, não deve se repetir este ano, na opinião de 72% das pessoas. Para não manter o consumo reprimido, 62% estão cortando outras despesas e 56% pretendem recorrer a financiamentos para não adiar, por mais tempo, a realização de um sonho. A opção para esses consumidores, no entanto, deve ser tomada com muita cautela, avalia Newton Marques, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB). “Não há quaisquer sinais que mostrem uma retomada de crescimento da economia”, alertou. (RC)

Cautela
Diante de um cenário de inflação resistente, com tendência a terminar o ano acima do teto da meta, de 6,5%, será prudente os consumidores avaliarem muito bem as condições para consumo. Analistas de mercado avaliam que o Banco Central ainda vai aumentar a taxa básica de juros (Selic) para controlar a alta dos preços, o que provocará o encarecimento do crédito. “Sem o devido planejamento, o resultado disso tende a gerar mais endividamento e inadimplência”, afirmou Newton Marques, professor da UnB.

Diálogo
Para o professor Newton Marques, da UnB, a falta de diálogo entre Executivo e Legislativo dificulta a aprovação de medidas de ajuste, como a CPMF. “A situação fiscal do país é a mais importante a ser solucionada, mas também uma das mais difíceis. O governo federal está diante de um cenário de queda na arrecadação e não conta com muito apoio no Congresso. Sem isso, será difícil controlar o nível de atividade, o que tende a provocar mais desemprego”, analisou.

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59 milhões dão calote

Por: Rodolfo Costa
 
A recessão está aprofundando o calote. O aumento do desemprego, a alta da inflação e a disparada dos juros causaram estragos no orçamento familiar e minaram a possibilidade de honrar compromissos no ano passado, tanto assim que o ano terminou com 59 milhões de consumidores inadimplentes. De acordo com a Serasa Experian,esse é o maior número de pessoas com contas em atraso da série histórica, iniciada em 2012. A estimativa é de que as dívidas não quitadas cheguem a R$ 225 bilhões.

A comparação entre o primeiro e o último mês de 2015 mostra um aumento de quase 5 milhões de devedores, ou seja 9%. No início do ano passado, 54,1 milhões de consumidores estavam com pagamentos pendentes. A principal explicação para isso, segundo a pesquisa divulgada ontem, é a queda da atividade.

De um total de 8.288 pessoas entrevistadas, 26% apontaram o desemprego como fator preponderante para o calote. E não é para menos, a taxa de desocupação medida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), saltou de 5,3%, em janeiro, para 7,5% em novembro.

Cheques

Para 2016, a tendência é que mais pessoas integrem o contingente de consumidores com contas em atraso, avalia o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian. “Não há perspectivas de melhora dos níveis de atividade. Ao que tudo indica, o país continuará mergulhado na recessão”, disse. Ele ressalta que a inadimplência atual é diferente da observada em 2012, quando o calote subia por causa de descontrole financeiro. “As pessoas estão com a renda corroída pela inflação, pagando mais caro por crédito tomado, e os chefes de família estão perdendo o emprego e não conseguem ser realocados no mercado de trabalho”, afirmou.

Além de atrasos em contas, o avanço da inadimplência foi também observado no uso de cheques. Ao longo de 2015, 15,1 milhões de cheques de um total de 672 milhões compensados foram devolvidos pela segunda vez, divulgou ontem a Serasa Experian. Isso significa que 2,25% dos papéis utilizados para pagamentos foram sustados por falta de fundos, o que representou o pior resultado da série histórica, iniciada em 1991.

Somente em dezembro, foram devolvidos pela segunda vez 1,3 milhão de cheques sem fundo, o equivalente a 2,42% do percentual devolvido. O resultado foi abaixo dos 2,61% de novembro, mas acima do índice de 1,94% registrado no mesmo período do ano passado. Os motivos para o aumento nas devoluções é o mesmo, afirma o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian. “As altas taxas de desemprego, inflação e juros estão castigando os brasileiros.”