Correio braziliense, n. 19.233, 22/01/2016. Economia, p. 9

Dólar de R$ 4,166 é recorde na era do real

Mercado reage à falta de independência demonstrada pelo Banco Central ao fixar a taxa de juros. Para analistas, política monetária se perdeu

Por: Simone Kafruni

O mercado deixou claro  que não gostou do atestado de falta de autonomia assinado pelo Banco Central na véspera, ao curvar-se ao Palácio do Planalto e manter os juros básicos em 14,25% ao ano. Ontem, o dólar disparou 1,47% e terminou o dia cotado a R$ 4,166, o maior nível da história do real. No turismo, a moeda chegou a ser negociada acima dos R$ 4,60.

Além disso, as dúvidas sobre a estratégia da política monetária e a expectativa de inflação ainda mais alta, suscitadas pela postura subserviente do BC, levaram os analistas a revisarem as previsões para o câmbio. Na avaliação do economista-chefe da Opus Investimento, José Márcio Camargo, a projeção de dólar a R$ 4,60 no fim deste ano saltou para R$ 4,80. “Com a lambança do BC, uma taxa de R$ 5 é muito provável, dado o aumento de incerteza do que vai ser feito da política monetária”, explicou.

A cotação da divisa superou a marca histórica de R$ 4,1461 registrada em 23 de setembro do ano passado. Na máxima da sessão, a moeda atingiu R$ 4,173, maior valor intradia desde o recorde de R$ 4,249 de 24 de setembro. “O investidor correu para o dólar, com medo da inflação, ao ver que o último bastião na defesa da moeda se perdeu”, assinalou Adriano Gomes, sócio-diretor da Méthode Consultoria.

Gomes disse que a quebra de sigilo causou estranheza. “A autoridade monetária não pode telegrafar ao mercado sua decisão antes de tomá-la”, destacou, referindo-se à nota que o presidente do BC, Alexandre Tombini, divulgou um dia antes de o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciar a Selic. “O mercado mostrou que a taxa real de juros do Brasil, apesar de ser a maior do mundo, de 6,7%, não é suficientemente segura. O que o investidor está dizendo é que esse prêmio ainda é pouco diante do risco que se tornou o Brasil”, lamentou.

Entre 31 moedas, o real foi a segunda que mais se desvalorizou ante o dólar, ontem, atrás apenas da divisa russa, o rublo, que recuou 3,63%. “O BC perdeu credibilidade. Com aversão ao risco, o investidor foi direto para o dólar. O mercado não gosta de falta de independência”, sublinhou Felipe Silveira, analista da Coinvalores. “Da política monetária, restou só a política”, sentenciou Camargo, da Opus.

Ao contrário do real, a Bolsa de Valores de São Paulo não caiu ontem. O Ibovespa chegou a subir mais de 1%, mas perdeu força ao longo do pregão e fechou o dia com leve alta de 0,19%, em 37.717 pontos. Leandro Martins, analista da Corretora Rico, destacou que o fato de não ter ocorrido elevação de juros é bom para a bolsa porque a atratividade da renda fixa não aumenta. “Além disso, os ativos estavam depreciados. Já estava mais do que na hora de um repique, os papéis ficaram baratos. Lógico que ainda não é regressão de tendência”, ressalto

No cenário internacional, o barril do petróleo, que chegou a cair abaixo de US$ 27, aumentou 6,14% e segurou o derretimento dos papéis da Petrobras. As ações ordinárias da estatal subiram 6,07%, cotadas a R$ 6,29, e as preferenciais se valorizaram 1,58%, para R$ 4,50. Felipe Silveira, da Coinvalores, explicou que os indicadores de estoques do óleo nos Estados Unidos foram fracos. “A projeção era de 4,6 milhões de barris e caiu para 3,9 milhões. Mas o excesso de oferta permanece”, observou.

E EU COM ISSO
Cada vez que aumentam as incertezas na economia, os investidores correm para o dólar, provocando a alta da cotação da moeda norte-americana em reais, o que afeta o bolso dos brasileiros. As empresas nacionais perdem valor de mercado e suas dívidas em dólares aumentam, o que leva à redução de investimentos e a demissões de trabalhadores. Além disso, quanto mais alta a cotação da divisa, mais caros ficam os produtos importados ou que levam itens estrangeiros na composição, inclusive alimentos. É o caso do trigo, já que o Brasil importa praticamente tudo que é usado para fazer farinhas, pães, massas e biscoitos. Com isso, aumentam as pressões sobre a inflação. O dólar alto também encarece e inibe as viagens internacionais.

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Fundo acumula perda de 30%

Embora as ações da Petrobras tenham registrado recuperação no pregão de ontem, a rentabilidade dos papéis caiu tanto que até mesmo o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), considerado a aplicação menos rentável do mercado, propiciou maior retorno para os investidores.

Quem colocou parte do FGTS em ações da petroleira, nos chamados Fundos Mútuos de Privatização (FMP), criados pelo governo em agosto 2000, teve rentabilidade de 91,48% até 20 de janeiro de 2016. Nesse mesmo período, o retorno do FGTS, remunerado pela Taxa Referencial (TR), mais 3% ao ano, foi de 110,68%.

O cálculo é da Economática. “Se considerarmos a inflação, o FGTS no período perde 23,08% do poder aquisitivo; já os fundos Petrobras têm queda de 30,09%”, explicou Einar Rivero, gerente institucional da consultoria. Outras aplicações conservadoras tiveram retorno superior ao do FGTS e dos fundos Petrobras.

A aplicação perdeu de longe para investimentos mais conservadores, como aqueles atrelados ao Certificado de Depósitos Interbancários (CDI), que acompanha a taxa de juros do País, hoje em 14,25% ao ano. Até mesmo a poupança acumulou ganhos superiores aos fundos mútuos. De 31 de agosto de 2000 a 31 de janeiro de 2016, a poupança acumula rentabilidade 227,15% com ganho real de poder aquisitivo de 1,2%.Os fundos da Petrobras atingiram seu melhor momento em 21 de maio de 2008, quando o poupador teve rentabilidade de 1.677,6% desde 17 de agosto de 2000. De lá para cá, despencaram. (SK)

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Desconfiança aumenta

Por: Antônio Temóteo

As incertezas em relação ao controle da inflação e  aos rumos da economia estão dificultando o trabalho do Banco Central de controlar o nível de recursos em circulação. A autoridade monetária teve que rolar uma fatura de R$ 880 bilhões em títulos públicos que venciam ontem, mas, devido à desconfiança dos investidores, não conseguiu bons prazos: R$ 594,3 bilhões foram refinanciados em 45 dias — com vencimento exatamente na semana da próxima reunião do Comitê de Política Monetária —, e R$ 284,2 bilhões terão que ser renegociados hoje, como uma operação de overnight.

Esses papéis são colocados no mercado pelo BC para enxugar o excesso de dinheiro em poder dos bancos e evitar alta do custo de vida. As negociações são feitas no fim de cada dia com instituições financeiras. Quando há muito dinheiro no mercado, a instituição coloca papéis públicos à venda, e, quando ocorre o contrário, os resgata. Atualmente, há R$ 1,2 trilhão em títulos nas mãos de aplicadores, com datas de vencimento específicas e juros pré-determinados.

“Os investidores estão receosos. Como não há clareza de como a taxa básica de juros (Selic) terminará o ano, preferem aplicar os recursos em contratos de curto prazo”, observou o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC.

Gomes ressaltou que os juros altos têm levado as instituições financeiras a priorizar aplicações de curto prazo. “O aumento das compromissadas também ocorreu após o governo colocar em dia os pagamentos das pedaladas com os bancos públicos. Após essa medida, o Tesouro foi obrigado a transferir títulos para a carteira do BC a fim de que a autoridade monetária pudesse tirar liquidez do mercado”, explicou.

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Apoio a planos de previdência

Por: Antônio Temóteo

A Secretaria de Políticas de Previdência Complementar incentivará pequenas, médias empresas e entidades representativas, como sindicatos e associações, a criarem planos de benefícios para empregados e filiados. O chefe do órgão, Carlos de Paula, explicou que, por meio de convenções coletivas, os representantes de classe, patrões e trabalhadores poderão instituir fundo de pensão para determinada categoria, ou criar um plano e aderir a uma fundação multipatrocinada.

Na prática, uma associação poderá constituir um fundo para uma categoria específica de trabalhadores ou um plano setorial que será administrado por uma entidade fechada de previdência complementar já existente. As empresas daquele setor poderão ser patrocinadoras tradicionais, com contribuições mensais, ou definir, em convenção coletiva, que farão alguns desembolsos ao longo do ano. Ainda haverá a possibilidade da criação de planos setoriais instituídos, aqueles em que só há aporte de recursos dos trabalhadores.

Os estudos  para incentivar a concepção desses planos serão feitos em parceria com a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), por meio de um acordo de cooperação técnica. “Hoje, 90% das grandes empresas oferecem algum tipo de cobertura previdenciária para os seus colaboradores. As de pequeno e médio portes não têm esses benefícios, mas são um nicho importante, porque oferecem emprego para a maior parte da população”, afirmou Carlos de Paula. (AT)