Correio braziliense, n. 19.235, 24/01/2016. Política, p. 4

Força-tarefa é contra a liberação da jogatina

Proposta em tramitação no Congresso permite bingos e cassinos, mas encontra resistência entre os procuradores que atuam na investigação da Lava-Jato por facilitar a lavagem de dinheiro
Por: EDUARDO MILITÃO

 

Procuradores da Operação Lava-Jato acompanham os movimentos do Congresso pela retomada da legalização dos bingos, considerados por eles um mecanismo perigoso para lavagem de dinheiro. Entre os parlamentares investigados pela força-tarefa, pelo menos quatro apoiam a volta do jogo regularizado no país. Um quinto congressista é filho de um dos suspeitos de atuar no megaesquema de corrupção e desvio de recursos da Petrobras e outras estatais de energia por meio de um cartel de empreiteiras.

Semanas antes de o Senado aprovar o jogo em uma comissão no fim do ano passado, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público do Paraná, Deltan Dallagnol, revirou os arquivos atrás de um artigo acadêmico em que afirmava que a jogatina aumentava a lavagem de dinheiro no país. Ele justificou o motivo de, entre tantos afazeres na maior operação de combate à corrupção do país, resolver republicar um texto de 2010: “Em razão da retomada das discussões no Congresso sobre a legalização dos bingos no Brasil”.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, afirmou ao Correio que a preocupação é séria. E que não há possibilidade de impedir o crime. “A condição é zero de ter qualquer possibilidade de fiscalização, e quem diz isso é a Receita Federal e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)”, sentenciou ele na semana passada. “Os dois órgãos já disseram não ter capacidade de fiscalizar bingos para evitar que sejam usados para lavagem.”

O Instituto Jogo Legal, que contratou o ex-deputado do PSC e ex-deputado Régis de Oliveira, diz que há uma “hipocrisia” em não legalizar a jogatina da forma aprovada Senado, com a inclusão de cassinos, jogo do bicho e caça-níqueis. “Todo mundo joga, só o Brasil e mais um outro país que proíbem”, disse Oliveira. “O projeto está bem amarrado: não tem como lavar.”

 

Máquinas ilegais

No Senado, a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional aprovou projeto do senador Ciro Nogueira (PP-PI), investigado na Lava-Jato, para legalizar os bingos, um dia antes do recesso parlamentar. “Nós não podemos ter 300 mil máquinas aqui, ilegalmente, fingir que não existe esse jogo no país e a sociedade não ter o menor benefício com isso, quando podíamos admitir”, afirmou ele, na ocasião da votação. Ciro Nogueira é apontado como um dos parlamentares do PP que se beneficiaram de propinas em um esquema de desvio de dinheiro na Diretoria de Abastecimento da Petrobras, mantido pelo ex-dirigente Paulo Roberto Costa, indicado ao cargo pelo partido.

Outro que apoia a legalização dos jogos é o senador Benedito de Lira (PP-AL). Ciro disse na comissão que trabalhou na proposta em conjunto com Lira, “que é um lutador antigo já dessa matéria”. Lira foi denunciado por receber R$ 400 mil da UTC-Constram como doação eleitoral oficial do empreiteiro Ricardo Pessoa. No entanto, o Ministério Público sustenta que o valor era propina para a manutenção do esquema na Petrobras. Ciro e Lira não responderam os questionamentos da reportagem.

O projeto foi aprovado pelos senadores em 16 de dezembro, em votação simbólica. Segundo a lista de presença e as notas taquigráficas do Senado, um dos presentes na reunião era o senador Fernando Bezerra (PSB-PE). Um inquérito foi aberto contra ele em março do ano passado. Paulo Roberto Costa disse que lhe pagou R$ 20 milhões em propina, em 2010, quando o senador era secretário do governo de Pernambuco. O objetivo era repassar à campanha eleitoral do então governador Eduardo Campos (PSB), morto em um acidente aéreo durante a campanha presidencial, que concorria à reeleição. Bezerra não prestou esclarecimentos à reportagem.

Antes de ser preso, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) também defendia a legalização. Em setembro, ele disse ao jornal Zero Hora que “os jogos devem ser regulamentados”. “Mas é um assunto a ser amadurecido”, continuou. A assessoria do senador preso não foi localizada pelo Correio.

Se não houver recurso para ser analisado no plenário do Senado, o projeto segue para a Câmara. Lá, uma comissão especial discute a legalização dos jogos. Um dos apoiadores da volta dos bingos é Mário Negromonte Júnior (PP-BA). Ele é filho do ex-ministro e conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia Mário Negromonte. De acordo com a PGR, o pai do deputado recebia pagamentos de propina do esquema da Petrobras. Negromonte pai responde a um inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Negromonte Júnior não prestou esclarecimentos.

Nem todos os investigados são a favor da legalização. A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) resiste à ideia, confirmaram fontes ligadas ao tema. A assessoria disse que ela se absteve nas votações dos bingos exatamente por ser contra a aprovação da proposta. O contrário também é verdadeiro.

 

Investigados a favor do jogo

Parlamentares que defendem a legalização dos bingos e são investigados ou ligados a suspeitos na Operação Lava-Jato

 

Ciro Nogueira (PP-PI)

Benedito Lira (PP-AL)

Fernando Bezerra (PSB-PE)

Delcídio do Amaral (PT-MS)

Mário Negromonte Júnior (PP-BA)*

 

* Não é investigado, mas filho do ex-ministro Mário Negromonte, alvo da Operação.

 

Fontes: Votações do Senado, entrevistas e Instituto Jogo Legal

 

Frase

“A condição é zero de ter qualquer possibilidade de fiscalização, e quem diz isso é a Receita Federal e o Coaf”

José Robalinho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República

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Arrecadação de impostos

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, diz que o histórico da Lei Pelé, que legalizou o bingo por um tempo no país, é desastroso. “Os bingos, praticamente todos, tinham ligação com o crime organizado. O comendador Arcanjo tinha bingo, o (Carlinhos) Cachoeira, tinha vários doleiros na Operação Farol da Colina, todos os bicheiros do Rio... Nada disso era por acaso.” Ele afirma que uma parte dos procuradores concordaria com, no máximo, a criação de cassinos em poucos lugares no país, como forma de tentar uma fiscalização. Mas o controle sobre 80 mil casas de bingo seria impossível.

Robalinho diz que a volta dos caça-níqueis, ligada ao contrabando de peças das máfias internacionais, retomaria “um problema para a economia popular”, já que elas sempre são fraudadas para lesar as pessoas, principalmente as mais pobres. Régis Oliveira entende que o controle é possível. Pelo projeto, o dono do cassino ou da casa de jogo terá que comprovar ter renda lícita suficiente para criar o estabelecimento. Ele destaca que a arrecadação de impostos prevista, de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões, é um atrativo, principalmente em virtude da crise política e econômica. Segundo ele, praticamente “todo mundo” no Senado é a favor, com exceção da bancada religiosa, da senadora Vanessa Graziotin (PCdoB-AM), e dos tucanos Aloysio Nunes e José Serra, ambos de São Paulo.

O ex-deputado Régis de Oliveira, do Instituto Jogo Legal, afirma que a lavagem não vai piorar no Brasil. “Somos um dos piores países em corrupção e não tem jogo. Quem lava dinheiro é partido”, disse Oliveira. (EM)

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