Correio braziliense, n. 19.235, 24/01/2016. Economia, p. 9

Vai viajar? Fique atento

Veja como garantir seus direitos quando a empresa cancela ou remarca voos

Por: VERA BATISTA

 

Os passageiros de companhias aéreas têm, por lei, direitos que os protegem em casos de problemas como extravio de bagagem, alteração, atrasos ou cancelamentos de voos. Apesar disso, não faltam reclamações. A impressão dos brasileiros é de que a crise econômica provocou uma piora significativa na qualidade dos serviços prestados pela empresas, submetidas a uma convivência nefasta com inflação e juros em alta, câmbio desfavorável, demissões de funcionários — às vezes com dispensa de mão de obra qualificada — e pressão por ganhos reais dos trabalhadores.

Débora Menezes, 37, funcionária da Petrobras, passou por dificuldades logo no primeiro dia de férias com a filha Luana, de 4 anos, há menos de duas semanas. Elas saíram de Salvador às 9h15, em um voo da TAM, com a intenção de chegar a Foz do Iguaçu às 15h40, após escala no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. “Mas a partida atrasou em Salvador e, quando pousamos no local onde teríamos que trocar de avião, ele já tinha decolado. Então, nos transferiram para Brasília”, relata.

No Aeroporto Juscelino Kubitschek, mãe e filha enfrentaram mais um transtorno. Débora recebeu vouchers de hotel e almoço. “Só que a hospedagem era em um local e a refeição, em outro. Aí, o hotel não autorizou nossa entrada. Tivemos que retornar ao aeroporto para trocar os documentos. Ela (apontando para a filha) só não passou fome, porque eu trouxe lanche na bolsa. Me deu vontade de chorar quando a Luana disse para mim: ‘mamãe, essa viagem está sendo horrível’”. No mesmo dia, o funcionário administrativo Renato Iguera, 30, sua esposa, Adriana Furlan, 29, representante comercial, que viajavam com a filha Manuela, de 2 anos, também estavam indignados.

Eles compraram passagem pela TAM, de Bauru (SP) para Mato Grosso, com conexão em Brasília pela Passaredo. Ainda teriam que pegar um ônibus até Sinop (MT). “No Distrito Federal, descobrimos que nossas bagagens foram etiquetadas de forma errada. Seguiram direto, como se não houvesse esse trecho”, reclama Adriana. “Demoramos tanto para resolver, que acabamos perdendo o embarque seguinte. Aí, foi um jogo de empurra. A TAM transferia a responsabilidade à Passaredo e a Passaredo dizia que o problema era da TAM”, reforça Renato. O casal e a filha chegaram a Brasília às 9h e deveriam reembarcar às 10h20, mas o fizeram às 17h. “Conseguimos que pagassem as despesas de hotel, por causa do bebê, mas depois de muita briga”, diz Adriana.

 

Riscos

O advogado Igor Marchetti, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que, para evitar transtornos, os passageiros devem tomar precauções antes de escolher a companhia aérea. De acordo com ele, os riscos de atrasos e cancelamentos tendem a se agravar, pois algumas empresas, além de postergarem a recomposição da frota, estão reduzindo destinos por conta da crise. “Verifique antes da compra o índice de atraso.  Em caso de cancelamento de voo, veja se o ícone de aceitação está mesmo disponível. Se não estiver, trata-se de modificação contratual. Procure logo um órgão de defesa do consumidor”, aconselha.

 

Processos

Quando a companhia cobra determinado valor pela passagem, e o cliente não se interessa pela mudança, o valor de ressarcimento terá que ser rigorosamente o mesmo do bilhete. “A regra é devolver imediatamente. Mas nem sempre isso acontece”, salienta Marchetti. Foi o que aconteceu com a funcionária pública Marina Vainstof, 42 anos. Ela abriu dois processos na Justiça contra a Azul e a Avianca. “Em ocasiões diferentes, as duas empresas cancelaram o voo e tentaram me transferir para outro horário e outro dia, o que não me interessava. Pedi o ressarcimento. Mas devolveram bem menos do que paguei, cobrando taxas absurdas”.

Clarissa Varela, especialista em Direito Civil da Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados, reforça que a cobrança de taxas de remarcação e multas abusivas por cancelamento a pedido do passageiro é irregular. “São de, no mínimo, 5% e, no máximo, 10% do total”, diz.

O advogado Daniel Volpe, 37 anos, faz regularmente o trajeto entre Brasília, onde trabalha, e a cidade natal, Ribeirão Preto. Nos úlimos dois anos, teve a bagagem extraviada três vezes. Volpe também foi submetido a mais de uma dúzia de atrasos superiores a quatro horas. “Foram várias reclamações no Juizado Especial do aeroporto pedindo indenização. A Agência Nacional de Aviação (Anac) garante o direito a alimentação e acomodação após quatro horas”, observou.

Volpe enfrentou o caso mais grave há dois anos, em um voo da Gol, de São Paulo para Nova York. “Perdemos as roupas e tudo o que levávamos. Procurei novamente o Juizado Especial. Em três meses, foi marcada a primeira audiência. Levamos dois anos para receber indenização corrigida de R$ 9 mil pelas bagagens, despesas e danos materiais”, assinala.

Depois de ter três malas danificadas, a engenheira do trabalho e diretora da Ramazzini Engenharia, Márcia Ramazzini, descobriu que as empresas aéreas têm à disposição dos clientes um serviço pouco conhecido. “Há um funcionário no aeroporto tratando apenas disso. Ele identifica o problema e despacha a mala por uma van para que ela seja consertada ou substituída. O serviço demora, no mínimo, sete dias. Já recebi três malas novas”, destaca.

 

Frases

"Perdemos as roupas e tudo o que levávamos. Levamos dois anos para receber indenização de R$ 9 mil pelas bagagens, despesas e danos materiais”

Daniel Volpe, advogado

 

 

"É natural o remanejamento de voos e mudança  da malha, desde que o consumidor seja avisado”

Ricardo Bisinotto Catanant, superintendente de Acompanhamento de Serviços Aéreos da Anac

 

Vale o escrito

Estar bem documentado é importante para defender direitos. Segundo o advogado Igor Lodi Marchetti, do Idec, é sempre bom pedir cópias do contrato na compra da passagem. “Às vezes, regras criadas aleatoriamente não são lícitas e podem ser questionadas”, disse. “Toda vez que entrar em contato com a empresa para reclamar ou pedir alteração de dados, junte todos os documentos: e-mails, mensagens gravadas, o nome de quem falou e o número do protocolo”, orienta a advogada Clarissa Varela.

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Com recessão, serviço piora

O superintendente de Acompanhamento de Serviços Aéreos (SAS) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ricardo Bisinotto Catanant, acredita que a sensação de desconforto dos passageiros ocorreu porque não houve preparação para enfrentar o aumento da demanda no setor, que, nos últimos 10 anos, ficou acima do crescimento do país. Ele admite ainda que o desaquecimento da economia vem interferindo no desempenho das empresas.

“É natural o remanejamento de voos e a mudança da malha, desde que o consumidor seja avisado”, pondera Catanant. Segundo ele, a Anac estuda medidas para melhorar a proteção do cidadão e os serviços das aéreas.

A Portaria 6.676/2000, que trata do contrato entre o transportador e o usuário, está sendo submetida a audiência pública e modificações deverão entrar em vigor em março. “São vários itens. Um dos mais importantes trata justamente do ressarcimento e de como apressar as decisões entre as partes, de forma que o usuário não precise entrar com processo e enfrentar a morosidade da Justiça”, diz ele.

Por meio de nota, a Avianca Brasil informou que “ tem como rotina avisar previamente os passageiros em casos de eventuais alterações no plano de operações” e que “a empresa oferece alternativas que melhor atendam as necessidades dos clientes”.

 

Ajustes

A Avianca teve prejuízo líquido de R$ 29,3 milhões de janeiro a setembro de 2015. “Mesmo diante dos desafios que enfrenta o setor, a empresa conseguiu crescer em 2015, renovar a frota e manter seu quadro de pessoal estável”, diz a nota. No entanto, eventuais ajustes de oferta dependerão do comportamento do mercado.

A Azul destacou que estuda constantemente malha para torná-la mais eficiente e rentável e que está revisando algumas rotas por causa do cenário econômico. “A empresa planeja reduzir a oferta para 2016 em cerca de 7%”, informou, em nota. A empresa garantiu que “altera reservas sem custo, ou ressarcindo o valor do bilhete de forma integral”. A Gol ressaltou que continuará mantendo o foco no consumidor. “A companhia acredita que conquistar e fidelizar clientes é uma importante estratégia para atravessar esse período de turbulência na economia do país”.

A TAM reduziu as operações domésticas entre 8% e 10% e cortou o quadro funcional em 2%, mas garante que a crise econômica não interfere no serviço prestado. A empresa afirma que “investe em treinamento das suas equipes de aeroportos para que estejam preparadas para bem atender os clientes em quaisquer circunstâncias, inclusive em caso de contingência”.

 

Sem concorrência

Especialista em gestão de risco, a diretora da Ramazzini Engenharia, Márcia Ramazzini, entende que muitos dos abusos acontecem porque a concorrência no setor aéreo é limitada. O Código Brasileiro de Aeronáutica é de 1986 e restringe a participação estrangeira a 20% do capital das empresas. “Tudo melhoraria com a abertura do mercado: os índices de acidentes cairiam e haveria redução no preço das passagens, apesar da crise econômica”, aposta.