Correio braziliense, n. 19.235, 24/01/2016. Opinião, p. 10
Guerra ao Aedes aegypti
VISÃO DO CORREIO
A proliferação do Aedes aegypti parece fatalidade. Mas não é. Trata-se de mal prevenível. O Brasil teve um dos processos de urbanização mais rápidos e mais desordenados do mundo. Em 60 anos, transferiu dois terços da população do campo para a cidade. Em 1940, 69% dos brasileiros viviam nas zonas rurais. Em 2010, 16%. No Distrito Federal, nada menos de 95% dos moradores vivem em urbes.
Mudança de perfil demográfico implica mudança de políticas públicas. Não foi, porém, o que ocorreu. A vida moderna produz lixo que precisa de destino adequado para manter civilizada a convivência de tanta gente próxima uma da outra em condições muitas vezes precárias. Daí a importância do saneamento básico — abastecimento regular de água e coleta regular de dejetos.
Levantamento do Instituto Trata Brasil mostra números do descaso e da negligência. Um deles: mantido o ritmo de implantação dos serviços de água e esgoto, o país estará longe de alcançar a universalização do sistema nos próximos 20 anos. Outro: nada menos de 38% da população estão privados dos serviços de tratamento e destinação de resíduos sólidos. Vale lembrar que a produção de lixo cresce 6% mais que a população.
Mais um: 41% do descarte de brinquedos, garrafas, pratos, copos, cacos de vidro, casca de ovos, sacos plásticos — criadouros ideais do Aedes aegypti — têm como destino lixões e aterros controlados, locais inadequados que oferecem riscos à saúde e ao meio ambiente. A capital da República convive com lixão a poucos quilômetros da Esplanada dos Ministérios.
Não constitui novidade o perigo que essa realidade representa. Ano após ano, o país contabiliza os casos de dengue que, não raro, atingem cifras epidêmicas. São fruto das chuvas de verão, tão certas quanto dois e dois são quatro. A água que se acumula em poças, sucatas, dejetos ou recipientes domésticos proporciona as condições para a proliferação do mosquito.
A quantidade dos infectados pelo vírus da dengue cresceu 180% em um ano — de 589 mil, em 2014, para 1,6 milhão em 2015. Pior: o mesmo vetor transmite o zika, vírus que responde pela microcefalia em recém-nascidos. A cifra assustadora retrata o salto do problema e projeta a extensão da tragédia que se abateu sobre os brasileiros. Em 2014, registraram-se 147 ocorrências. Em 2015 e começo de 2016, foram inacreditáveis 3.893.
Apesar dos números espantosos e da timidez do resultado das providências oficiais até agora tomadas, só na quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff criou força-tarefa para combater o mosquito com mais eficácia. Na oportunidade, convocou a população para colaborar na guerra, que é de todos. Tardia, a medida, mais uma vez, remedeia em vez de prevenir. Mas é importante evitar que se multipliquem, como vêm ocorrendo, os casos de bebês que nascem com o futuro comprometido.
Impõe-se, além de campanhas mobilizadoras de adultos e crianças para lutarem contra o Aedes, que se criem condições para prestar assistência às crianças que necessitam de atendimento especial. Há que se preparar equipes e hospitais. Deixar para amanhã o que deveria ter sido feito ontem significa comprometer irremediavelmente o futuro de uma geração de brasileiros.
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