Título: Mansão vendida por R$ 3,5 milhões
Autor: Bernardes, Adriana; Calcagno, Luiz
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2011, Cidades, p. 21

Valor arrematado em leilão pelo diretor da construtora mineira Dharma ficou abaixo da avaliação dos peritos judiciais - R$ 4,3 milhões. Segundo especialistas, o fato de o imóvel ter sido construído com dinheiro ilícito pode ter atrapalhado o negócio

A mansão do ex-secretário de Relações Institucionais do GDF Durval Barbosa, construída com dinheiro ilícito na QL 10, Conjunto L, do Lago Sul, foi arrematada na tarde de ontem por R$ 3,5 milhões ¿ uma bagatela, nas palavras do próprio leiloeiro. É a primeira vez que a Justiça do Distrito Federal leiloa uma propriedade obtida, assumidamente, com dinheiro desviado dos cofres públicos. O imóvel foi vendido na segunda tentativa. Na primeira, no último dia 21, os R$ 4,3 milhões calculados como sendo o valor da casa não atraíram compradores. Ontem, o lance inicial foi de R$ 2.580.000, 60% do total avaliado pelos peritos.

A nova proprietária do imóvel é a construtora Dharma, com sede em Lavras (MG). O leilão durou exatos sete minutos, teve nove lances, quatro deles do ganhador da concorrência, o diretor e procurador da empresa, Carlos Evandro de Oliveira. No início da noite de ontem, os R$ 3,5 milhões já estavam depositados em uma conta judicial. O valor ficará em poder da Justiça até que haja uma sentença autorizando o repasse para o tesouro local.

Questionado se a origem do imóvel não o incomodava, o empresário respondeu que, no momento da compra, a casa estava totalmente lícita e era isso o que importava. Ele também disse que não sabia da Operação Caixa de Pandora, que apura o esquema de corrupção denunciado por Durval Barbosa a partir de 2009. "Confesso que li ontem (anteontem)", afirmou.

Entre os interessados na mansão do delator, a maioria fez questão de passar despercebido antes, durante e depois de o leiloeiro bater o martelo. No pátio do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), havia pelo menos 40 pessoas, algumas delas movidas apenas pela curiosidade, registrando tudo em foto e filmagens de celulares e câmeras portáteis. "O valor dessa casa é uma pechincha. Custa pelo menos R$ 9 milhões no mercado", garantiu um dos presentes, que preferiu o anonimato.

Burburinho Conversa ao pé do ouvido nos quatro cantos do pátio do TJ e telefonemas sussurrados deram o tom nos minutos que antecederam o leilão. "Tem de saber se existe algum representante do Ministério Público aqui. Se não, podemos cancelar o leilão", cochichou um homem baixo e forte no ouvido de um outro, de cabelos brancos que estava em pé, rente ao balcão de onde o leiloeiro anuncia os imóveis.

Quando o relógio marcou 14h50, todos se espremeram para ouvir as considerações do leiloeiro Wilson Soares de Sousa. O senhor de cabelos brancos ¿ o mesmo que recebeu o conselho para se informar sobra a presença de representantes do MP ¿ quis saber se o imóvel tinha dívida de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Taxa de Limpeza Pública (TLP). "Oficialmente, não consta nada nos autos. Mas ouvi dizer, extraoficialmente, que sim. Se houver e, se isso inviabilizar a posse do imóvel, o arrematador poderá recorrer ao juiz", explicou Wilson de Sousa.

Uma senhora usando blusa florida, luvas e chapéu pretos e óculos escuros a esconder parte do rosto ¿ mas não os lábios fartamente preenchidos por botox ¿ reclamou com o leiloeiro que não pôde ver o imóvel por dentro. "Neste caso, é preciso procurar o juiz. Não temos tempo para fazer uma visita agora. Que fique a lição para os próximos casos", esclareceu o leiloeiro. A mulher foi a primeira a dar o lance, de R$ 2.580.000.

Fontes ouvidas pelo Correio avaliaram que se a Justiça tivesse providenciado um corretor para vender o imóvel aos interessados em participar do leilão, o valor obtido seria maior. "Confesso que temos tido leilões mais disputados. Talvez a imagem desse bem não seja tão boa", mencionou o leiloeiro. Segundo ele, o novo comprador deve tomar posse da casa em 90 dias, no máximo. "Mas como esse processo é atípico, pode demorar um pouco mais", disse.

Advogado especialista em leilões, Ciro Silvano achou que o valor obtido pelo imóvel ficou abaixo do esperado. "Quando um leilão é muito divulgado, como este foi, aparecem muitos interessados. Eu achei que a casa seria vendida por pelo menos R$ 5 milhões", comentou.

Visitas Nas horas que antecederam o leilão, diversos curiosos e interessados passaram em frente à casa. "Ele (Durval) morou aqui muito tempo, mas depois se mudou e não retornou mais", disse um segurança que trabalha na quadra. O ex-secretário é dono de outra residência ao lado, que está alugada.

A casa vendida ontem é suntuosa. Do lado de fora, o terreno é grande, conta com uma piscina e churrasqueira, mas está com aspecto de abandono. Por dentro, o piso da residência é todo de mármore, o corrimão do primeiro para o segundo andar tem blindex e os espaços são amplos. A cozinha tem armários planejados e, no segundo andar, a sacada possui vista para todo o terreno. A casa fica em frente ao Pontão do Lago Sul.

Colaborou Lilian Tahan

Vazia A casa construída por Durval na QL 10 nunca foi habitada. A área construída é de 862,58 metros quadrados e as obras começaram em 2008. A intenção do delator da Caixa de Pandora, à época, era ampliar a área da residência em que vivia com a família. O próprio ex-secretário assumiu, em depoimentos na Justiça, que o imóvel foi construído com dinheiro público. Quando era presidente da Codeplan, entre 1999 e 2006, Durval movimentou R$ 2,7 bilhões.