Liberação de jogos de azar volta ao debate no governo

Vandson Lima 

11/02/2016

Considerada uma das medidas mais controversas em tramitação no Congresso Nacional, o projeto que legaliza a atividade de jogos de azar, bingos e cassinos, apoiado pelo PMDB no Senado, ganhou agora a adesão do Ministério do Turismo que, sob o comando do ex-presidente da Câmara Henrique Alves (PMDB), está produzindo um amplo estudo sobre o tema.

No Palácio do Planalto, o assunto é tratado com cautela. Autor do projeto e presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) garante que "o governo tem sinalizado positivamente", ainda que a presidente Dilma Rousseff pessoalmente não queira se comprometer. "A cada R$ 3 gastos com loteria no país, R$ 2 são gastos de forma ilegal. O governo poderia arrecadar, calculo, de R$ 18 bilhões a R$ 20 bilhões. É mais de meia CPMF. Isso sem computar o jogo online, que hoje a gente não tem nem como mensurar. Se tributar o online, dá uma CPMF", afirma. O senador levou a questão pessoalmente a Dilma e diz que a possibilidade de arrecadar quantiasvolumosas em impostos fez adeptos no Executivo, mas a legalização da jogatina ainda enfrenta resistências.

Parlamentares confirmam que Alves tem feito contatos na Câmara em favor do texto, que passou no Senado na comissão especial da Agenda Brasil, conjunto de projetos que contam com a simpatia do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). A matéria só irá ao plenário do Senado se algum parlamentar recolher assinaturas até a data final para a interposição de recurso, que é hoje.

Francamente contrários à proposta estão os parlamentares da bancada evangélica na Câmara e o Ministério Público Federal (MPF), que em nota técnica, semana passada, pediu para que o Senado reabra a discussão e propôs que mecanismos mais rigorosos sejam acrescentados ao projeto.

Questionado, o Ministério do Turismo confirmou o posicionamento favorável especificamente em relação aos cassinos. "A proposta do Ministério do Turismo é legalizar a exploração de jogos dentro de cassinos-resort, com regras claras de governança, e para isso está sendo elaborado um estudo de como esse modelo funciona no mundo", diz em nota.

Valor teve acesso exclusivo à prévia do estudo, que aponta que, dos 13 países da América do Sul, o Brasil e a Bolívia são os únicos que não possuem leis regulamentadoras dos jogos. Entre os 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), 75,5% têm o jogo legalizado e regulamentado. Já entre os 156 países que compõem a Organização Mundial do Turismo, 71,1% têm o jogo legalizado e entre os 28,8% que não legalizaram a atividade, 75% são islâmicos.

Com viés bastante favorável à legalização dos jogos, o documento anota que os cassinos são "produto turístico inexplorado no Brasil que atrai milhares de brasileiros para os países vizinhos". Foz do Iguaçu (PR), na tríplice fronteira, é citada como cidade que enfrenta dificuldades para concorrer com os vizinhos, notadamente com Puerto Iguazú, na Argentina, por não oferecer esse "produto turístico". Outro caso citado é o do Uruguai, que recebeu 2,8 milhões de turistas em 2014, sendo 460 mil brasileiros - todos os principais destinos turísticos do Uruguai possuem cassinos. No Conrad Punta del Este Resort & Casino, assinala o texto, "os brasileiros representam 70% do público".

No Brasil, os cassinos foram proibidos pelo Decreto-lei 9215, de 1946, do então presidente Eurico Gaspar Dutra. Já as casas de bingo, que ofereciam o jogo bingo e máquinas caça-níqueis (Slot Machines) voltaram a ser proibidas pela MP 168/2004, no governo Lula, depois de autorizadas pela chamada Lei Zico, de 1993, do tempo de Itamar Franco na Presidência.

Se o Congresso aprovar o projeto e a presidente Dilma sancionar, nos termos do substitutivo elaborado pelo senador Blairo Maggi (PMDB-MT), os jogos de azar serão regulamentados pelo Poder Executivo, mas Estados e o Distrito Federal serão os responsáveis por fiscalizar os estabelecimentos credenciados para a exploração dos jogos de azar. Ao governo federal caberá o controle efiscalização dos cassinos.

A pessoa jurídica interessada em explorar jogos de azar deverá ser constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no país, de acordo com o projeto. Detentores de mandatos eletivos, como deputados e senadores, não podem participar do negócio.

O governo poderá credenciar até 35 cassinos em complexos integrados de lazer - que poderão agregar no espaço spas, áreas para prática de esporte, casas noturnas, museus, galerias de arte, campos de golfe, parques temáticos ou aquáticos, arenas ou auditórios, observando o limite de no mínimo um e no máximo três estabelecimentos por Estado. O credenciamento para aexploração de cassinos se dará pelo período de 30 anos e o espaço físico ocupado pelo cassino deverá corresponder a no máximo 10% da área total construída.

Pelo projeto, entre 50% e 70%, no mínimo, do total de recursos arrecadados com a realização do jogo do bicho, de bingo e de jogos eletrônicos terá de ser destinado para a premiação. Será instituída uma Contribuição Social de 10% sobre a receita bruta obtida com a exploração de jogos em estabelecimentos físicos e de 20% sobre a receita bruta na exploração de jogos online.

Em um de seus últimos artigos, a proposta diz que a União realizará campanhas educativas a fim de conscientizar a população acerca dos riscos relacionados aos jogos de azar e estimulará a formação de grupos de apoio, bem como serão feitas restrições à propaganda comercial de jogos de azar e de estabelecimentos. O texto não especifica, no entanto, como tais medidas seriam tomadas.

 

Valor econômico, v. 16, n. 3940, 11/02/2016. Política, p. A6