O globo, n. 30109, 13/01/2016. País, p. 8

Pesquisa associa zika a outro distúrbio em crianças

Ana Lúcia Azevedo

 Nas gestações de duas mulheres de Juazeirinho, no sertão da Paraíba, pesquisadores encontraram novos males que o vírus zika e a epidemia de microcefalia associada a ele são capazes de causar. São os primeiros diagnósticos comprovados de transmissão intrauterina do vírus. O estudo revelou deformações severas no sistema nervoso. Crianças tão gravemente afetadas que a medicina e a sociedade não lhes podem oferecer um final feliz.

O estudo levou ao sequenciamento genético do zika no Brasil. E à descoberta, na análise de outros seis casos de bebês nascidos com zika de mães com sintomas da doença na gravidez, de um problema ainda não associado ao vírus. Um deles tinha artrogripose severa, uma malformação das articulações. Deforma os membros, impede movimentos. Agora, já são quatro as crianças com artrogripose com suspeita de zika — duas delas em gestação —, todas da Paraíba.

A ESTRUTURA DO ZIKA

 

Alerta em artigo científico 

Publicado este mês numa revista científica internacional, o artigo alerta para novas complicações trazidas pelo zika, na “Ultrasound in Obstetrics & Gynecology”, seção “Physician alert” (“Alerta médico”); o título é “Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg?” (“Infecção intrauterina pelo vírus zika causa anomalia cerebral e microcefalia: a ponta do iceberg?”).

“É possível que os casos reportados de microcefalia representem só as crianças mais severamente afetadas, e que recém-nascidos com doenças menos severas, afetando não somente o cérebro mas outros órgãos, não tenham sido ainda diagnosticados”, diz o artigo assinado por seis cientistas, entre eles Adriana Melo, diretora do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto, em Campina Grande; e Ana Bispo, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Especialistas em microcefalia alertam que esse é o problema mais evidente, mas não o único. A neurocientista Patrícia Garcez é uma das poucas especialistas do Brasil em microcefalia. Quando soube da emergência sanitária devido à microcefalia, não dormiu por dias, de preocupação.

— Toda essa geração de bebês que nasce agora precisa de acompanhamento médico. A microcefalia é um sinal evidente. Mas, se o zika pode afetar o sistema nervoso a ponto de causar algo tão devastador e até então raro, também pode, em tese, provocar uma série de outros distúrbios de desenvolvimento, como surdez, epilepsia, problemas de cognição, de fala, motores, que não são aparentes no recém-nascido. A criança pode não ser microcéfala e ter distúrbios — diz ela, pesquisadora do Laboratório de Neuroplasticidade da UFRJ e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.

Patrícia está preocupada com o tipo de atenção que receberão as crianças nascidas durante a epidemia.

— A maioria dos casos de zika é assintomática. Mães podem não saber que tiveram a doença. Crianças nascidas agora devem ter um acompanhamento atento dos médicos por anos — destaca.

Diagnóstico precoce é vital

Muitos desses distúrbios, como de audição e motricidade, podem ser tratados, com diagnóstico e tratamento precoces.

Como outros cientistas do Instituto D’Or, ela está ansiosa para começar a estudar a ação do zika em minicérebros. Estes são o que a ciência chama de organoides, criações de vanguarda, que se comportam como o sistema nervoso em desenvolvimento. A esperança é que o estudo indique o que o zika realmente faz e se há outros fatores envolvidos.

— Se conseguirmos logo o vírus isolado, estamos prontos para começar. Há três mecanismos pelos quais o zika pode afetar o sistema nervoso e causar microcefalia. Mas não sabemos qual deles ou se todos. Ou sequer se há outros fatores envolvidos — explica ela.

De certo, sabe-se que, quanto mais cedo a infecção na gestação, pior. Se a mãe contrair o zika muito no início da gravidez, pode abortar. Muitas vezes até sem saber que estava grávida.

— As 12 primeiras semanas são críticas. É o pico do desenvolvimento do sistema nervoso. O risco permanece alto até 16 semanas, período importante para a formação dos olhos, do sistema auditivo — diz.

‘Epidemia é uma ameaça para todos’

Adriana Melo

Especialista em desenvolvimento fetal, alerta para outros defeitos congênitos associados ao vírus zika e defende mutirões contra mosquito.

Qual a sua maior preocupação?

Claro que a microcefalia me alarma. Mas estou muito preocupada com casos em que a mãe teve zika, e a criança nasceu aparentemente normal. Temos visto outros defeitos e sabemos que pode haver desde convulsões a surdez. Começamos a suspeitar de complicações cardíacas.

Há indícios para isso?

Sim. Temos um bebê com esse tipo de suspeita aqui. A mãe teve zika, e ele apresenta alterações no coração. Não sabemos ainda o que o zika faz no corpo humano. Só teremos mais certezas quando contarmos com um teste sorológico eficiente.

Por quê?

Porque, quando a criança nasce, o vírus já não está mais presente, mesmo nos bebês microcéfalos. Ele não vive muito tempo. O mesmo acontece com as mães. Muitas ficam sem o vírus após o período da infecção. Uma hipótese é que o zika ataque o feto, mas, caso este sobreviva, seu sistema imunológico destrua o micro-organismo.

A senhora tem alguma hipótese para o surgimento da artrogripose?

Não. Só que o zika deve ter um impacto muito forte sobre o desenvolvimento de todo o corpo. Essa é uma malformação rara. Em 17 anos, tinha visto três casos. Agora, temos quatro de uma vez.

Há outros casos graves?

Estudamos dois casos de possível transmissão vertical (na hora do parto). As mães tinham zika, e as crianças apresentaram convulsões. Um bebê morreu.

E como estão os bebês em gestação cujos casos foram estudados?

Os dois têm microcefalia, mas um deles têm uma malformação cerebral muito severa e um tipo de alteração óssea no rosto nunca vista. Não tem o tálamo (ligado a emoções, motricidade). Tem problemas graves nos olhos. Suas chances de sobreviver são muito pequenas.

O que deve ser feito?

Não sei o que será deste país daqui a cinco, dez anos. Como essas crianças serão atendidas? Não há condições para isso. E não vejo a população comprometida em combater o mosquito, fazer mutirões, coisas assim. E há quem se considere a salvo do zika, mas a epidemia é uma ameaça para todos.

O que pode ser feito pelas gestantes?

De imediato, um programa de acompanhamento pós-nascimento, por pelo menos um ano de vida da criança.

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Malformação rara no início da gestação

Como a microcefalia, a artrogripose é uma malformação rara. E também está associada a distúrbios ocorridos nos primeiros três meses de  gestação. O nome vem do grego e significa "juntas curvadas". A doença causa contraturas nas articulações - algumas em forma de gancho - e rigidez nos tecidos moles. Pode levar ainda à fraqueza muscular e fibroses.

A artrogripose pode também afetar quadris, joelhos, mãos, pés, ombros, cotovelos e punhos. Nas formas mais graves da doença, até mesmo o maxilar e as costas são comprometidos. O tratamento é cirúrgico e fisioterápico. 

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Ministério confirma mais 4 mortes por microcefalia causada pelo vírus

Renata Mariz

Mais quatro mortes por microcefalia relacionada ao vírus zika foram confirmadas pelo Ministério da Saúde, em boletim divulgado nesta terça-feira. Até então, apenas um óbito, de uma criança no Ceará, havia atestado a relação entre a malformação cerebral e o vírus transmitido pelo Aedes aegypti. Os quatro casos ocorreram no Rio Grande do Norte e estavam sob investigação do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), que enviou os resultados positivos ao governo brasileiro. No Brasil, há 46 mortes suspeitas.

Em dois dos quatro óbitos confirmados, houve abortamento. Os outros dois bebês nasceram no tempo normal, sem serem prematuros, mas não resistiram às primeiras 24 horas. As amostras analisadas em teste laboratorial de PCR, que usa biologia molecular, apontaram a presença do vírus zika. O tecido dos dois recém-nascidos passou por um outro exame pelo CDC, com o mesmo resultado.

Segundo as pesquisas epidemiológicas que vinham sendo feitas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), as quatro mães apresentaram febre e exantemas (manchas) durante a gestação. Apesar de os resultados referendados pela instituição dos Estados Unidos reforçarem a ligação da microcefalia com o zika, o Ministério da Saúde destaca a necessidade de prosseguir com as investigações e pesquisas para mapear todas as possíveis causas e interações relacionadas à epidemia de malformação cerebral e outros problemas congênitos.

Em uma semana, o número de casos suspeitos de microcefalia relacionada ao zika subiu de 3.174 para 3.530. O dado engloba todos os registros feitos desde o início das investigações, em 22 de outubro de 2015, até 9 de janeiro deste ano, segundo o Ministério da Saúde. A doença já foi verificada em 724 municípios de 21 unidades da Federação.

Primeiro a identificar a epidemia de microcefalia, Pernambuco continua a ser o estado com o maior número de casos suspeitos: 1.236. Equivale a 35% do total, seguido por Paraíba (569 notificações), Bahia (450), Ceará (192), Rio Grande do Norte (181), Sergipe (155), Alagoas (149), Mato Grosso (129) e Rio de Janeiro (122). No Rio, a quantidade de registros suspeitos da doença, até o boletim divulgado na semana passada, era de 118.

O Ministério da Saúde voltou a orientar as gestantes sobre medidas que possam reduzir a presença de mosquitos transmissores da doença, especialmente a eliminação de criadouros. Outra providência a ser tomada, segundo a pasta, é se proteger da exposição, mantendo portas e janelas fechadas ou com telas, além do uso de repelentes e roupas que cubram grande extensão do corpo.