O globo, n. 30109, 13/01/2016. Economia, p. 19

Uma década perdida

Ramona Ordoñez

Rennan Setti

Uma década perdida para a Petrobras. Afetada pela queda do preço do petróleo, pelos desdobramentos da Operação Lava-Jato e pela alta do dólar, a Petrobras anunciou ontem um corte de US$ 32 bilhões (R$ 130 bilhões) em seu plano de investimentos no período de 2015 a 2019. O montante a ser aplicado foi reduzido em quase 25% e passou de US$ 130,3 bilhões para US$ 98,4 bilhões. Com o novo ajuste de expectativas, o total de investimentos da Petrobras num horizonte de cinco anos volta ao patamar de 2007, quando a companhia previa aplicar US$ 87,1 bilhões.

Com um endividamento total de R$ 506,6 bilhões, de acordo com dados do terceiro trimestre do ano passado, este foi o segundo corte no plano de negócios em pouco mais de dois meses. O mercado reagiu mal às mudanças. As ações preferenciais (sem voto) da estatal fecharam em baixa de 9,2%, a R$ 5,53. Foi o recuo mais intenso desde janeiro do ano passado e a menor cotação para o papel desde maio de 2004. Em Wall Street, os recibos de ações da Petrobras caíram 5,93%, a US$ 3,49. Em relatório, o Credit Suisse avalia que os papéis negociados em Nova York devem fechar o ano a US$ 2.

Para se ter uma ideia da derrocada das ações neste período, em 2007, o valor de mercado da Petrobras somava R$ 230,4 bilhões. Hoje, a companhia é avaliada em R$ 83 bilhões, uma queda de 64%. Somente neste ano, a Petrobras já viu seu valor encolher R$ 18,24 bilhões.

 

PARA MERCADO, ESTATAL PRECISA DE CAPITALIZAÇÃO

De acordo com analistas do mercado financeiro, a dificuldade em vender ativos e a geração de caixa deprimida pelo baixo preço do petróleo aumentam a necessidade de uma capitalização da companhia na Bolsa. Embora o presidente Aldemir Bendine já tenha descartando essa hipótese, economistas de bancos e corretoras acreditam que a estatal está ficando sem alternativa para fazer frente a sua dívida. As estimativas de analistas apontam a necessidade de uma capitalização bilionária da União, com projeções que variam de R$ 100 bilhões a R$ 200 bilhões. Se os números são fator de incerteza entre os analistas, há praticamente um consenso de que seria inviável para o governo injetar recursos na estatal neste momento.

— Caso a situação do petróleo não melhore, ela vai ter que realizar uma capitalização no prazo de um a dois anos. Ninguém sabe ao certo, mas estima-se que o valor teria de ser na casa dos R$ 100 bilhões. O grande problema é que o governo, como acionista majoritário, teria de entrar com a maior parte do dinheiro, o que, pela situação fiscal do país, é muito complicado — afirmou um analista, que pediu para não ser identificado.

Para Flávio Conde, analista da consultoria WhatsCall, a Petrobras poderia precisar de uma capitalização de até R$ 200 bilhões para reduzir a relação entre a dívida líquida e a geração de caixa, mas um aporte dessa magnitude é considerado inviável:

— Difícil encontrar um investidor disposto a aplicar recursos numa companhia que enfrenta o maior caso de corrupção do mundo, num país em crise política.

Ontem, o desempenho das ações da Petrobras levou a Bovespa a fechar em baixa de 1,09%, aos 39.513 pontos, foi o quinto pregão seguido de recuo. O dólar encerrou em queda de 0,14%, a R$ 4,046 acompanhando a tendência global. Um dos principais fatores de preocupação do mercado foi o corte de 26,3% nos investimentos na área de Exploração e Produção, considerada prioritária. O valor previsto para o período de 2015 a 2019 caiu de US$ 108,6 bilhões para US$ 80 bilhões. Mesmo assim, esse montante ainda representa 81% dos investimentos previstos até 2019.

Como consequência, a meta de produção de petróleo para 2020 foi reduzida novamente. Durante a gestão de Maria das Graças Foster — antes da explosão do maior escândalo de corrupção da companhia, revelado na Operação Lava-Jato — a Petrobras planejava alcançar produção de 4,2 milhões de barris por dia em 2020. No ano passado, já tinha projeção mais modesta, de 2,8 milhões de barris por dia. Ontem, o número foi revisto para 2,7 milhões de barris.

A meta de produção para este ano foi revista para baixo e passou de 2,185 milhões de barris por dia para 2,145 milhões. No ano passado, a companhia bateu recorde de produção de petróleo.

Em relatório enviado aos clientes, analistas do BTG Pactual afirmaram que 2015 foi um ano perdido para a estatal.

“À luz da crise atual, acreditamos que esse ajuste é mais que necessário, mas o fato de que a maioria dos cortes foi em Exploração e Produção nos preocupa”, escreveram. “A despeito dos preços praticados estarem acima da paridade (com o mercado internacional) e da redução do plano de investimento, calculamos que as ações tomadas em 2015 são tímidas se comparadas com o tamanho dos problemas da Petrobras”.

 

PROJEÇÕES SUJEITAS A NOVAS REVISÕES

No comunicado enviado ao mercado, a própria Petrobras indica que seus planos podem ser revistos porque ela está sujeita a diversos fatores de risco que podem afetar suas projeções, como alterações no preço do petróleo e na taxa de câmbio, venda de ativos e reestruturações de negócios e alcance das metas de produção de petróleo e gás natural em um cenário de dificuldade com fornecedores no Brasil. Ontem, por exemplo, o barril do Brent, referência do mercado, fechou a US$ 30,68. O barril do WTI, negociado nos EUA, chegou a ser negociado ao longo do dia abaixo de US$ 30. De acordo com os ajustes em seu plano de negócios, a Petrobras prevê um preço médio do barril do Brent a US$ 45. Em outubro, ela trabalhava com previsão de preço a US$ 55. No ano passado, a estimativa da cotação era de US$ 70.

As projeções para o dólar também sofreram uma drástica revisão. Em outubro, a estatal trabalhava com câmbio médio para o ano de R$ 3,80. Agora, prevê que a moeda americana seja cotada a R$ 4,06.

Para se ter uma ideia do impacto da combinação dos efeitos da Lava-Jato com a queda do petróleo, a projeção de investimento anual da empresa passou de US$ 44,1 bilhões em 2014, antes da operação da Polícia Federal, para US$ 19,5 bilhões ao ano.

— O grande problema do corte do investimento é que se trata de uma confissão das dificuldades da empresa para o seu plano de venda de ativos e de geração de caixa. Até pouco tempo atrás, os investidores até veriam com bons olhos o corte de investimentos, resultando em uma empresa mais enxuta. Mas com as previsões de que o petróleo pode chegar a US$ 20, desenha-se um cenário que ratifica um futuro muito ruim para o seu produto e o valor dos seus ativos, além de uma menor atratividade do pré-sal — afirmou Maurício Pedrosa, estrategista da Queluz Asset Management.

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Estatal tem meta de vender US$ 14,4 bi em ativos neste ano

Um dos desafios da Petrobras para este ano é levantar US$ 14,4 bilhões em venda de ativos. A companhia manteve a projeção de US$ 15,1 bilhões em desinvestimentos para os anos de 2015 e 2016. O problema é que, até agora, só conseguiu obter US$ 700 milhões com a venda de 49% do capital da Gaspetro. Com dificuldade para acessar o mercado de capitais depois de perder o grau de investimento por duas das principais agências de classificação de risco — Standard & Poor’s e Moody’s — a “tábua de salvação” para executar investimentos previstos de US$ 20 bilhões este ano é a venda de ativos.

A lista de ativos à venda é abrangente e inclui desde uma fatia de 49% do capital da Petrobras Distribuidora (BR) até fatias de blocos e campos no pré-sal e no pós sal. A empresa está oferecendo participações nos maiores campos produtores, como de Golfinho, na Bacia do Espírito Santo, e de Baúna, na Bacia de Santos.

Em relatório, analistas do BTG afirmam que, fora das áreas de produção, a Petrobras deveria vender unidades inteiras em vez de participações minoritárias a preços abaixo do ideal.

O mercado avalia que a meta está cada vez mais difícil, considerando os cortes nos investimentos das demais petroleiras. E o Brasil concorre com outros ativos à venda pela Pemex, no México, PDVSA, na Venezuela, e Aramco, na Arábia Saudita.

— Pouca coisa foi feita em relação ao desinvestimento. Até que ponto ela vai conseguir levantar caixa com o petróleo nesses níveis?— indaga João Pedro Brugger, da Leme Investimentos. (R.O.)