Correio braziliense, n. 19.234, 23/01/2016. Política, p. 2

Dilma e Ciro entre ataques e afagos

Durante a convenção nacional do PDT, a presidente elogia o ex-ministro e ex-governador do Ceará, que reage com críticas à forma atual de condução da economia. Petista se diz "estarrecida" com relatório do FMI sobre a situação financeira do Brasil
Por: NAIRA TRINDADE

 

Numa relação de idas e vindas, a presidente Dilma Rousseff acabou criticada pelo ex-governador do Ceará e ex-ministro de Integração Nacional Ciro Gomes, minutos após ela ter lançado elogios públicos ao pré-candidato do PDT à presidência da República. Ao deixar a convenção nacional da legenda, em Brasília, Ciro considerou o governo dela “ruim”, mas criticou a possível “escalada golpista” referindo-se ao processo de impeachment que tramita na Câmara dos Deputados.

“Eu tenho queixas graves em relação aos rumos do governo. Estou dizendo que, em tese, há remédios para um governo de que a gente não gosta. Eu não gosto do governo da Dilma, mas compreendo as causas pelas quais tem dificuldades”, declarou. Ciro ainda afirmou que as causas dessa gestão “ruim” não justificam uma “escalada golpista que os derrotados estão perseguindo”, criticou, nos cinco minutos finais, ao deixar o segundo dia de reunião do diretório do PDT.

Antes, ao iniciar o discurso no encontro pedetista, Dilma repetiu os elogios que vem fazendo ao ex-ministro do governo Lula. “Eu já disse isso antes e vou repetir. Eu não brigo com uma pessoa que, ao longo do tempo, mostrou uma imensa lealdade, capacidade de luta”, elogiou a presidente. Na quinta-feira, ao dar início às discussões da legenda, Lupi aproveitou para confirmar que o PDT terá candidatura própria à Presidência da República em 2018. O nome mais provável para a disputa é o do ex-ministro, apesar de Lupi ainda não tê-lo lançado oficialmente.

Crítico à postura do vice-presidente Michel Temer, em relação ao impeachment contra Dilma, Ciro Gomes voltou a atacá-lo publicamente.  “Eu acho que a gente tem que fazer de conta que acredita (numa reaproximação dos dois) porque a política vive também desses balés e falsidades sociais. Mas só um idiota acredita em qualquer boa-fé do senhor Michel Temer, que é e continua sendo o capitão do golpe”, disse. Dilma e Temer se reuniram pela primeira vez no ano esta semana, após ele ter mandado uma carta-desabafo pontuando momentos de isolamento no governo. A assessoria do vice afirmou que Temer só conversa com Ciro na Justiça.

 

“Estarrecida”

Otimista de que a economia do país vai melhorar, a presidente Dilma se disse “estarrecida” com os trechos do relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que mencionou a “situação crítica” como um dos fatores que explicam as dificuldades por que passa a economia mundial. Ao discursar para integrantes do partido que ajudou a fundar, Dilma garantiu que o Brasil vai voltar a crescer e criticou os “golpistas que tentam o impeachment” contra ela, além de ter se comparado ao ex-presidente Getúlio Vargas, que enfrentou crise política em 1954.

Sobre o impeachment, Dilma afirmou não haver base para as acusações contra o mandato dela. “Não tenho nenhuma acusação de uso indevido de dinheiro público. Não tenho dinheiro no exterior e tenho uma reputação ilibada”, afirmou. A insinuação serviu para alfinetar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, responsável por aceitar o pedido de impeachment e que é acusado de manter dinheiro em conta bancária na Suíça.

“Tortura, mortes e exílio foram os que experimentaram as primeiras tentativas de golpe em momentos de tranquilidade democrática”, afirmou a presidente, citando as tentativas de impeachment contra Getúlio Vargas, naquele 1954. “Nem devido a qualquer outra interrupção. Não há nenhuma base para impeachment. Não gostam de ser chamados de golpistas, são formas de golpes”, alegou.

A presidente lembrou uma passagem da época em que esteve presa, em São Paulo, durante a ditadura. “Quando eu entrei na cadeia, em São Paulo, tinha escrito na pintura uma frase que era: ‘feliz do povo que não tem heróis’. Na ditadura, o herói é aquele que morre na tortura e no exílio. Num imenso sofrimento. Eu quero dizer que na democracia nós temos heróis. O Brizola defenderia a soberania e a legalidade desse país. Nós temos essa grande homenagem a ser prestada a dois grandes trabalhistas: Getúlio Vargas e João Goulart”.

No fim, a presidente alfinetou o presidente do partido afirmando que ele já frisou repetidamente as demonstrações de carinho a ela: “você já declarou que me ama muitas vezes. Espero que você mantenha sua palavra! (risos)”.

Eu tenho queixas graves em relação aos rumos do governo. Eu não gosto do governo da Dilma, mas compreendo as causas pelas quais tem dificuldades”

Ciro Gomes, pré-candidato do PDT ao Planalto em 2018

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