Correio braziliense, n. 19.236, 25/01/2016. Política, p. 2
"Sacudidas" da Lava-Jato custam R$ 1,5 milhão
A Polícia Federal, que teve corte de R$ 133 milhões no orçamento deste ano, gastou em metade das fases da Operação Lava-Jato, cujo efetivo empregado foi informado oficialmente pela corporação, entre R$ 1,5 mihão e R$ 1,8 milhão para prender 53 suspeitos preventivamente, 58 temporariamente e conduzir 98 pessoas coercitivamente. Os cálculos foram feitos com base em estimativas da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). Na conta, não entram as despesas com investigação. Em 17 de março de 2014, por exemplo, na 1ª fase, foram consumidos entre R$ 320 mil e R$ 400 mil. As estimativas indicam que uma saída de dezenas ou centenas de agentes e delegados pelas ruas do Brasil atrás da prisão de suspeitos e da apreensão de documentos, telefones e computadores custa, em média, entre R$ 125 mil e R$ 156 mil.
A Polícia Federal não informa oficialmente o valor dos gastos pela dificuldade de levantar os dados. Fontes ouvidas pelo Correio esclareceram que há diversos gastos relacionados a uma ou mais operações contabilizados em setores diferentes, o que dificulta consolidar os custos. O temor da polícia é de que o corte no orçamento atrapalhe as apurações. No ano passado, houve aproximadamente 500 operações, segundo dados apurados pelo jornal. Só no esquema da Petrobras, a estimativa do valor desviado até o momento dos cofres públicos está entre R$ 7 bilhões e R$ 42 bilhões, dos quais R$ 2,8 bilhões já foram recuperados.
Segundo o vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e presidente do Sindicato dos Policiais Federais em Brasília, Flávio Werneck, o custo mínimo de uma operação com 100 homens gira em torno de R$ 80 mil e R$ 100 mil. Só com diárias, são cerca de R$ 22 mil. Materiais saem a R$ 3 mil, aproximadamente. Aluguel de viaturas descaracterizadas consome R$ 25 mil. Despesas com combustível, incluindo gasolina para aviões, e o deslocamento de pilotos completam a planilha de gastos de uma ação coordenada com o objetivo de surpreender os suspeitos dos crimes investigados e impedir a continuidade dos delitos e a destruição das provas. Os valores não incluem despesas com membros da Receita Federal e do Ministério Público, que costumam participar da execução das operações.
A Lava-Jato teve 21 fases na Justiça de primeira instância e mais três no Supremo Tribunal Federal (STF). Não foi possível estimar as despesas em 12 fases, em que o número de policiais federais não foi informado oficialmente. Isso inclui a prisão do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, em janeiro do ano passado, a detenção do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), em novembro, a Operação “Politeia”, que fez buscas em endereços de senadores como Fernando Collor (PTB-AL) e Ciro Nogueira (PP-AL), e a fase “Catilinárias”, que atingiu figuras como o ministro Henrique Alves (Turismo) e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
17 cidades
Levando em consideração os cálculos da Fenapef, a primeira fase da Lava-Jato teve o maior gasto. Em 17 de março de 2014, foram despendidos entre R$ 320 mil e R$ 400 mil — o maior efetivo já empregado até agora. Nesse dia, 400 policiais federais cumpriram 128 mandados judiciais. Foram 81 ordens de busca e apreensão, 28, de prisão preventiva, 18, de detenção temporária e 19 para conduzirem suspeitos a prestar depoimento. As despesas foram mais altas porque os policiais se dividiram em 17 cidades de seis estados.
Conflito
As dificuldades financeiras da PF não vêm de hoje. Um agente da Polícia Federal que participou de várias fases da Lava-Jato, ouvido reservadamente pelo Correio, afirma que, em alguns casos, os policiais chegaram a fazer cota para gasolina. O delegado Eduardo Mauat declarou, em entrevista no ano passado, que diárias eram bancadas com recursos próprios da equipe de investigação até que recebessem o dinheiro posteriormente.
Para Flávio Werneck, é preciso preservar os recursos das operações em andamento, mas também melhorar a gestão da Polícia Federal, para se contornar a falta dos R$ 133 milhões no orçamento. A assessoria da PF não comentou as estimativas de custo levantadas e as críticas do vice-presidente da Fenapef à administração.
Policiais federais e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, entraram em conflito no início deste ano, após o anúncio de corte no orçamento. Policiais classificaram os ajustes de “desmonte da instituição”. O momento mais crítico ocorreu após a divulgação de que investigadores da Lava-Jato tinham pedido ajuda ao juiz federal Sérgio Moro para o pagamento de consertos de viaturas e contas de energia da Superintendência da PF em Curitiba.
Moro chegou a autorizar a liberação de R$ 172 mil que tinham sido recuperados pela Justiça. Na ocasião, ele disse que o trabalho investigativo não poderia “ser interrompido por falta de dinheiro para despesas básicas”. Cardozo rebateu e afirmou que não faltava dinheiro para a Lava-Jato. Após manifestos contra a tesourada, o governo decidiu montar uma estratégia para repor o que havia sido cortado no orçamento com o objetivo de não prejudicar as investigações.
Em 2015, o orçamento da PF foi de R$ 5,6 bilhões empenhados. Desse valor, R$ 5,2 bilhões foram efetivamente pagos. Entretanto, dos R$ 90 milhões destinados para investimentos, só R$ 20 milhões foram gastos.
Frase
"É uma previsão anual orçamentária de operações em andamento para que não se corte verbas daquelas operações”
Flávio Werneck, vice-presidente da Fenapef
Quatro perguntas para
Flávio Werneck, vice-presidente da Fenapef
Quantas operações se perdem com um corte de R$ 133 milhões?
Ele não é o principal problema. Todo ano temos contingenciamento de verba. O problema maior é de gestão, principalmente nesses últimos quatro, cinco anos.
Esses R$ 133 milhões não vão atrapalhar a PF e a Lava-Jato?
Vão. Qualquer corte atrapalha e é problema. Mas não é o principal. Hoje, 70%, 80% do orçamento são pagamentos de policiais. Se você tiver uma gestão orçamentária competente, você consegue minimizar e manter todas as operações em funcionamento. Em vez de utilizar 10 policiais de Brasília no Paraná, usa cinco de Brasília e cinco do Paraná. Você não vai precisar pagar diária.
O corte pode ser contornado?
Exatamente. O contrato do Tetrapol, um radiocomunicador comprado pela PF com tecnologia francesa, custou R$ 40 milhões. E até hoje não funciona. Só em um local no Brasil inteiro funciona: a DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) de Brasília. Não tem contrato de manutenção, as baterias estão todas vencidas... Outro exemplo é o das remoções. Temos remoções que giram em torno de R$ 5 milhões por ano. É para trocar o delegado que está em Tocantins para ele ir para Goiás; para o de Goiás ir para o DF e o do DF ir para o Tocantins. Todo mundo ganhando R$ 80 mil (de auxílio-mudança) para fazer essa gracinha.
O que é preciso fazer?
O ideal seria ter autonomia investigativa. Uma previsão anual orçamentária de operações em andamento para que não se corte verbas daquelas operações. Exemplo: na Lava-Jato, eu preciso de 40 ou 50 policiais lá. Isso constaria como autonomia e não se poderia cortar a verba para manutenção daqueles policiais ali. Isso é que é importante.
O preço do arrocho
Confira cálculos estimados apenas do dia da operação para cumprir os mandados em relação à PF, sem considerar despesas do Ministério Público e da Receita.
Supremo Tribunal Federal
3ª fase — Catilinárias*
53 mandados de busca e apreensão
2ª fase — prisão de Delcídio*
2 prisões preventivas
2 prisões temporárias
13 mandados de busca e apreensão
1ª fase — Politéia*
53 mandados de busca e apreensão
Primeira instância
21ª fase — Passe Livre
140 policiais
25 mandados de busca e apreensão cumpridos
1 de prisão preventiva
6 conduções coercitivas
Custo: entre R$ 112 mil e R$ 140 mil
20ª fase — Corrosão*
11 mandados de busca e apreensão
2 de prisão temporária
5 de condução coercitiva
19ª fase — Nessum Dorma
35 policiais
7 mandados de busca e apreensão
1 de prisão preventiva
1 de prisão temporária
2 de condução coercitiva.
Custo: entre R$ 28 mil e R$ 35 mil
18ª fase — Pixuleco II
70 policiais
10 mandados de busca e apreensão
1 de prisão temporária
Custo: entre R$ 56 mil e R$ 112 mil
17ª fase — Pixuleco
200 policiais
26 mandados de busca e apreensão
3 de prisão preventiva
5 de prisão temporária
6 conduções coercitivas
Custo: entre R$ 160 mil e R$ 200 mil
16ª fase — Radioatividade
180 policiais federais
23 mandados de busca e apreensão
2 de prisão preventiva
2 de prisão temporária
5 de condução coercitiva
Custo: entre R$ 144 mil e R$ 180 mil
15ª fase — Conexão Mônaco*
4 mandados de busca e apreensão
1 mandado de prisão preventiva
14ª fase — Erga Omnes
220 policiais
38 mandados de busca e apreensão
8 de prisão preventiva
4 de prisão temporária
9 conduções coercitivas
Custo: R$ 176 mil a R$ 220 mil
13ª fase — sem nome
16 policiais
4 de busca e apreensão
1 de prisão preventiva
1 de condução coercitiva
Custo: R$ 12 mil a R$ 16 mil
12ª fase — sem nome
1 mandado de busca e apreensão
1 de prisão preventiva
1 de prisão temporária
1 condução coercitiva
11ª fase — A Origem
80 policiais federais
16 mandados de busca e apreensão
7 de prisão preventiva
9 conduções coercitivas
Custo: R$ 64 mil a R$ 80 mil
10ª fase — Que país é esse?
40 policiais federais
12 mandados de busca e apreensão
2 de prisão preventiva
4 de prisão temporária
Custo: R$ 32 mil a R$ 40 mil
9ª fase — My Way
200 policiais federais
40 mandados de busca e apreensão
1 de prisão preventiva
3 de prisão temporária
18 conduções coercitivas
Custo: R$ 160 mil a R$ 200 mil
8ª fase — prisão de Cerveró*
13 mandados cumpridos
7ª fase — Juízo Final
300 policiais federais
49 mandados de busca e apreensão
6 de prisão preventiva
21 de prisão temporária
9 conduções coercitivas
Custo: R$ 240 mil a R$ 300 mil
6ª fase — sem nome*
11 mandados de busca e apreensão
1 condução coercitiva
5ª fase — sem nome*
7 mandados de busca e apreensão
1 de prisão temporária
1 de condução coercitiva
4ª fase — prisão de Paulo Roberto*
1 mandado de prisão preventiva cumprido
3ª fase — sem nome*
15 mandados de busca e apreensão
2 de prisão temporária
6 conduções coercitivas
2ª fase — sem nome*
6 mandados de busca e apreensão
1 de prisão temporária
1ª fase — Lava Jato, Bidone,
Casa Blanca e Dolce Vita
400 policiais federais
18 mandados de prisão preventiva
10 de prisão temporária
19 conduções coercitivas
Custo: R$ 320 mil a R$ 400 mil
Total: de R$ 1,5 milhão a R$ 1,8 milhão
Média por fase: de R$ 125 mil a R$ 156 mil
* Custo não estimado por falta de informação do número de policiais.
Fonte: Correio Braziliense, com base em dados da PF, da PGR e estimativas da Fenapef