Correio braziliense, n. 19.236, 25/01/2016. Economia, p. 6

Horizonte incerto

Evolução do quadro ruim da economia dependerá das decisões do governo daqui para a frente. Indícios de interferência política no Banco Central tornam os prognósticos mais pessimistas
Por: Paulo Silva Pinto

 

A deterioração do quadro político e econômico reaviva para muitos brasileiros a experiência das crises do século 20. Embora a situação e o contexto sejam diversos, a queda aguda do Produto Interno Bruto (PIB) e a inflação fazem lembrar outras épocas. A Tendências Consultoria conta com recuo de 3% na atividade econômica e inflação de 7% neste ano. No próximo, a carestia deve ceder um pouco, para 6,2%, e o PIB, ter variação positiva de 0,1%, o que, se não chega a ser crescimento de fato, pelo menos marcará o fim da recessão. Mas, esse cenário é só o mais provável, com 45% de chances de se realizar.
Há um quadro bem pior, com 30% de probabilidiade, em que a inflação dispara, atingindo 12,6%, e a produção despenca 5,7%. “Isso ocorrerá se o governo adotar medidas populistas”, diz o economista Silvio Campos Neto, da Tendências. A lista de artifícios possíveis inclui medidas de expansão do crédito e outras que possam deteriorar ainda mais as contas públicas. “Os sinais de que essas medidas podem ser tomadas já apareceram”, alerta Campos. Ele se refere aos indícios de interferência política no Banco Central (BC), que manteve inalterada a taxa básica de juros (Selic) na semana passada. O episódio, que resultou na alta da cotação do dólar, deverá elevar as previsões de inflação do mercado.
Agora, os analistas estão preocupados com a nova política econômica, a ser anunciada pelo governo na próxima quinta-feira, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. “Só o fato de Nelson Barbosa ter ido para a Fazenda já mudou para baixo o viés do PIB e para cima o da inflação”, afirma o economista Evandro Buccini, da Rio Bravo Investimentos. “Ele é alinhado com a presidente Dilma Rousseff e com as políticas equivocadas do primeiro mandato.”.

Expectativas
Uma das prováveis medidas a serem anunciadas é a expansão do crédito. Embora a intenção seja a retomada dos investimentos, analistas ortodoxos apontam para o risco de que ela agrave ainda mais a recessão, ao elevar gastos públicos e provocar a piora da expectativas. Para Buccini, essas medidas  tendem a ser comedidas, limitando-se ao aumento da oferta de financiamento por bancos estatais com o capital de que já dispõem. “O problema é que, com a inadimplência que se vê hoje na economia, os bancos públicos tendem a ter prejuízo se forem forçados a fazer mais operações de crédito, o que exigirá que sejam capitalizados mais tarde. Isso aumentará o deficit público nos próximos anos”, vaticina Buccini. A consequência dessa insistência nas políticas do passado será levar  a relação entre a dívida pública e o PIB a 90% nos próximos anos.
Campos também vê chances de um quadro mais otimista se concretizar — o menos provável dos três cenários. Isso só ocorreria com algo que revertesse as expectativas negativas dos empresários e consumidores. O impeachment de Dilma poderia ter esse efeito, diz o economista, se Michel Temer enviar projetos de reformas constitucionais ao Congresso, principalmente a tributária e a previdenciária. “Essas reformas não serão aprovadas em breve. Mas , com a perspectiva de que se concretizem, haverá a retomada dos ânimos”, diz. Mesmo assim, o país terá recessão. Apenas será menor:  queda do PIB em  torno de 1,8%.
O economista-chefe da Itaim Asset Management, Ivo Chermont, acha que qualquer cenário otimista beira o impossível, ainda que o impeachment seja iniciado. “As chances de mudança de governo são menores do que até pouco tempo atrás e, mesmo que ocorra, não será antes do fim do primeiro semestre, sem tempo para influenciar o resultado do ano.”
Buccini, da Rio Bravo, vê grandes possibilidades de agravamento do quadro, mesmo que o governo não opte por medidas heterodoxas mais radicais. O maior risco é de que não sejam aprovadas propostas de aumento de tributos, sobretudo a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). Ele prevê deficit primário de 1% do PIB caso haja medidas para aumentar a receita. Sem isso, o rombo pode ser o dobro do esperado.
A variação do PIB do ano passado deve ter ficado negativa em quase 4%, na estimativa de Buccini, levando em consideração números ruins do varejo no quarto trimestre — o resultado consolidado da economia ainda não foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só o carregamento da queda do resultado de 2015 provocará redução de 2% do PIB neste ano, independentemente do que mais ocorra. “Qualquer que seja o número deste ano, será muito ruim, porque já estamos em uma situação bastante negativa”, argumenta Buccini.
“O que estamos vivendo não é uma recessão. É uma depressão, já que a renda per capita cairá em 2016 pelo terceiro ano seguido”, nota o economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB). O PIB cairá por dois anos, o que não ocorre desde 1930 e 1931, quando o mundo estava mergulhado na crise provocada pela queda da Bolsa de Nova York, em 1929.

Retorno
Para o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC, as semelhanças dessa situação com as agruras do passado são cada vez mais claras. “Não estamos ainda nos anos 1980, mas já chegamos nos anos 1970”, compara ele, com bom humor. Freitas dirigiu a área externa do BC durante o governo Sarney e, na administração de Fernando Henrique Cardoso, a área responsável pela privatização de bancos estaduais.
Apesar de a queda atual do PIB ser mais acentuada, a inflação ainda não chega ao patamar da virada dos anos 1980 para 1990. “Meu salário chegou a 10 milhões”, lembra-se o filósofo Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A tensão social se acentuava com a inflação. “Chegamos perto da situação da República de Weimar”, diz ele, em referência à década de 1920, quando os preços explodiram na Alemanha, levando à crise política que resultou na ascensão do nazismo.
Para Romano, não é surpresa que o Brasil tenha chegado à situação em que está hoje. “No fundo, vivemos uma grande crise. Há concentração de poderes e recursos no governo federal e a compra de apoio por meio de verbas e da corrupção. Isso vem desde os tempos do Império. Tudo sempre foi centralizado no Brasil, para evitar a fragmentação do país em várias nações, como ocorreu no restante da América Latina”, considera.

Derrapada
O presidente da instituição, Alexandre Tombini, se encontrou com a presidente Dilma Rousseff na segunda-feira e, no dia seguinte, antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), disse estar preocupado com o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontando a permanência das dificuldades globais e queda acentuada do PIB brasileiro neste ano, de 3,5%. Isso foi considerado pelo mercado antecipação do voto que manteve os juros em 14,25%.

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