O globo, n. 30.127, 31/01/2016. Economia, p. 29

Novos cortes na Petrobras

Estatal fará 3 ª redução de investimentos na gestão de Bendine. Queda pode chegar a 20%

Por: 

BRUNO ROSA bruno. rosa@ oglobo.com. br

RAMONA ORDOÑEZ ramona@ oglobo.com. br

 
 

Um ano após ter recebido do governo a missão de resgatar a Petrobras do fundo do poço, Aldemir Bendine se prepara para conduzir a terceira leva de cortes de investimentos da estatal enfrentando resistências por todos os lados — inclusive em Brasília. O processo tem sido marcado por embates entre os interesses do governo, do Conselho de Administração, hoje independente, e da diretoria, composta em sua maioria por funcionários de carreira. No novo Plano de Negócios para o período de 2016 a 2020, em elaboração, a empresa prepara um pacote de investimentos em torno dos US$ 93 bilhões, diz uma fonte a par das negociações, o que representaria queda de 5% em relação à última versão do plano (2015-2019), de US$ 98,4 bilhões.

Mas a redução dos investimentos pode ser maior se a Petrobras conseguir pôr em prática seus planos de venda de ativos, que envolvem áreas de serviços em campos de petróleo, fábricas de fertilizantes, BR Distribuidora e Braskem. Não há modelo fixo. A estatal poderá vender empresas inteiras ou fatias no capital, mas quer que os sócios antecipem a parte da Petrobras nos investimentos em projetos. Nesse cenário, diz a fonte, o corte de investimentos poderia oscilar de 15% a 20%, o que levaria o valor total a algo entre US$ 78 bilhões e US$ 83 bilhões.

 

RISCO ESTRATÉGICO COM QUEDA DE RESERVAS

Será a terceira redução dos investimentos da Petrobras em menos de um ano. Em junho de 2015, a estatal havia anunciado um volume de recursos de US$ 130,3 bilhões para os anos de 2015 a 2019. Em outubro, reduziu os aportes para os anos de 2015 e 2016 em US$ 11 bilhões. E, em meados deste mês, um novo corte: o plano 2015-2019 caiu a US$ 98,4 bilhões, no menor patamar desde 2007. Na prática, a Petrobras tende a se tornar uma empresa focada exclusivamente em petróleo, com ênfase no pré-sal, e deixará para trás a ambição de ser uma estatal com atuação em todo o setor de energia.

— As conversas estão acontecendo e há discussões acaloradas entre empresa e governo. E tudo pode mudar, até porque ainda não há uma data para anunciar os novos investimentos. Na última revisão do Plano de Negócios, a Petrobras queria investimentos entre US$ 15 bilhões e US$ 16 bilhões em 2016, mas venceu o governo, que conseguiu elevar para US$ 20 bilhões. Houve pressão do governo — diz a fonte, que não quis se identificar.

Segundo outra fonte a par das negociações do plano 2016-2020, as premissas para os próximos anos já indicam queda nos investimentos futuros. Quando o plano atual, de 2015 a 2019, foi elaborado, o câmbio e a cotação do petróleo estavam em patamar mais favorável para a empresa. A expectativa da estatal para o preço do barril este ano caiu de US$ 70 para US$ 45 — ainda alto em relação ao patamar atual, pouco acima dos US$ 30. Já o câmbio esse ano subiu de R$ 3,26 para R$ 4,06 — mas, com a instabilidade dos mercados, o dólar já chegou a bater R$ 4,24. Além disso, diz um executivo do setor, o novo plano buscará gestão mais eficiente, redução de custos e disciplina de capital.

— Desde que o plano foi feito, as premissas pioraram. Os investimentos vão cair mais. O viés é de queda. Mas é cedo para dizer quanto exatamente — destaca a fonte, que participa das discussões. — Bendine veio do mercado financeiro e busca retorno a curto prazo, o que é prejudicial para a companhia. Ele foca no plano de quatro anos, não olha o longo prazo. A diretoria apoia o plano de desmonte da Petrobras, mas isso não é o correto. No conselho, há embates sobre isso. A Petrobras não pode voltar a ser apenas uma empresa de óleo e gás.

E é por isso que o plano de venda de ativos vem rendendo discussões acaloradas entre a diretoria e seu Conselho de Administração, afirmaram outras duas fontes do setor. No Planalto, a avaliação é que a gestão de Bendine vem garantindo a melhora da credibilidade da empresa. Na busca por caixa e na tentativa de reduzir seu nível de endividamento total, que está em R$ 506 bilhões, Bendine e os diretores querem vender participações de campos de petróleo, como os do pré-sal — os mais produtivos da estatal —, mas vêm esbarrando na negativa dos conselheiros, que alegam que uma queda do volume de reservas provocaria um “problema estratégico”. Na última sexta-feira, a estatal anunciou redução de 20% em suas reservas provadas, para 13,279 bilhões de barris de óleo equivalente.

Por isso, a diretoria decidiu focar na venda de projetos que eles chamam de ativos não essenciais, ou seja, que não estão ligados diretamente à produção de petróleo. Após se desfazer de parte da Gaspetro e anunciar a busca de sócios para a BR Distribuidora e a Transpetro, a estatal quer também vender o que se classifica internamente como “área de serviços”: a logística em campos de petróleo. Fazem parte ainda da lista as três unidades de fertilizantes nitrogenados (Sergipe, Bahia e Paraná), a Liquigás e o Parque Eólico Mangue Seco (no Rio Grande do Norte). Ao todo, há 30 projetos em análise pelas áreas técnicas, como a Petrobras Argentina e a fatia na Braskem, que a companhia espera vender até março. O objetivo é vender ativos no valor de US$ 14,4 bilhões até dezembro, meta que os analistas consideram ousada e quase impossível de cumprir.

— A venda de qualquer campo de petróleo será exaustivamente debatida entre os conselheiros. Se o nível de reserva da companhia cair, vai virar um problema estratégico. Talvez seja mais fácil vender parte das participações em alguns campos para o sócio daquela área. O problema é que hoje os ativos estão depreciados. Bendine é a pessoa necessária porque defende a Petrobras do governo e vice-versa. São embates produtivos.

Para especialistas do setor, a venda de ativos não será tão fácil. Por isso, a solução será reduzir ainda mais os investimentos, afirma Flavio Conde, analista da consultoria Whatscall. Mas, ressalta ele, o governo não vai autorizar nova redução drástica dos aportes. Para Helder Queiroz, do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), as ações feitas, como a redução dos investimentos, visam a reduzir o tamanho da empresa, que vem perdendo valor de mercado. Em um ano, caiu 60% para R$ 78,69 bilhões:

— É certo que a empresa será menor do que se imaginava cinco anos atrás. Era uma empresa que dobraria de tamanho até 2020. Acabou. A Petrobras será uma empresa bem menor. Falta ainda uma comunicação mais objetiva para o mercado de quais serão os investimentos que serão privilegiados em exploração e produção e no refino e distribuição.

 

SÓ PRÉ-SAL FOI MANTIDO, DIZ FORNECEDOR

O presidente de um dos principais fornecedores no país de equipamentos submarinos para a Petrobras detalha o que está sendo feito:

— A Petrobras decidiu manter as encomendas apenas para o pré-sal. Mas mudou todo o cronograma. Por isso, o que antes seria para 2016 pulou para 2018 e 2019. O resto foi cancelado. E aí tivemos de demitir quase 50% de nossos funcionários para nos adequarmos a esse novo cenário.

É assim que Bendine — com salário de cerca de R$ 100 mil mensais — vem lidando com os desafios entre a relação de caixa e o endividamento para os próximos anos, enquanto acaba de aprovar um plano de reestruturação interno que vai permitir economia de R$ 1,8 bilhão por ano. A companhia tem hoje US$ 127,459 bilhões em financiamentos, dos quais US$ 66,794 bilhões vencem até 2019. O prazo médio de vencimento dos financiamentos é de 7,49 anos. Segundo uma fonte, o caixa da companhia está equacionado completamente até 2017.

— Depois, em 2018, já temos de 50% a 70% equacionado. O objetivo é melhorar o risco de crédito da companhia — explicou a fonte.

De acordo com um executivo, a Petrobras busca desenvolver um modelo de negócios que não passa somente pela venda de ativos. O objetivo é conseguir sócios para fazer os investimentos da própria Petrobras. Isso, segundo o executivo, permitiria à estatal desenvolver projetos, como alguns campos ou poços de baixa produtividade, que atualmente não estão sendo tocados pela escassez de recursos, destinados prioritariamente ao pré-sal:

— Um poço que hoje não tem prioridade como investimento, considerando a relação entre custo e benefício, pode ser vantajoso a uma determinada empresa produtora, de menor porte.

Procurada, a Petrobras não comentou a redução nos investimentos.

 

QUAIS SÃO OS PROJETOS?
 
 

• Área de serviços: A Petrobras pretende vender o seu sistema de logística nos campos de petróleo, que envolve a movimentação de embarcações

• Parque eólico Mangue Seco: É composto pelas usinas de Potiguar, Cabugi, Juriti e Mangue Seco, que estão localizadas no Rio Grande do Norte. Tem capacidade total de 104 megawatts (MW)

• Fertilizantes: A empresa quer vender três unidades de fertilizantes nitrogenados em Sergipe, Bahia e Paraná. As fábricas produzem amônia e ureia

• Liquigás:  Atua no engarrafamento, distribuição e comercialização de botijão de gás de cozinha (GLP) em todo o país

• BR Distribuidora: A Petrobras pretende vender até 49% das ações da subsidiária, dona da maior rede de postos de combustíveis do Brasil

• Braskem: A estatal pretende se desfazer de suas ações na gigante do setor petroquímico até março

• Transpetro:  A subsidiária, que opera 49 terminais, 54 navios-petroleiros e mais de 14 mil quilômetros de oleodutos e gasodutos

• Petrobras Argentina: A estatal já está em negociações para a alienação de sua participação na companhia

• Campos de petróleo: A companhia tenta se desfazer de poços de petróleo em terra e em alto-mar (pós-sal e pré-sal)