OMS prevê 4 milhões de casos de zika nas Américas em um ano

ANA LUCIA AZEVEDO ala@ oglobo. com. br

 

A Organização Mundial da Saúde ( OMS) previu ontem que, em um ano, o número de casos de zika deve chegar a 1,5 milhão no Brasil, o país mais atingido, e a até 4 milhões nas Américas. No centro da preocupação da OMS está a ainda não comprovada associação entre o zika e a microcefalia, a síndrome de Guillain- Barré e uma série de outras malformações. Se uma emergência internacional de saúde pública ( Pheic, na sigla em inglês) for declarada na próxima segunda- feira, pesquisas sobre isso serão mundialmente intensificadas.

— Uma relação causal entre o zika e esses problemas não foi ainda estabelecida, mas há uma forte suspeita. E isso mudou rapidamente o perfil de risco do zika, de leve ameaça para uma de proporções alarmantes. Temos de tomar medidas agora — afirmou a diretora da OMS, Margaret Chan.

No Brasil, no entanto, o Ministério da Saúde diz já ter confirmado em seis casos a relação entre o vírus zika e os bebês com microcefalia. Outros 270 casos de microcefalia foram confirmados, mas ainda sem certeza da ligação com o zika, e 3.448 casos estão sob investigação.

A virologista Clarissa Damaso, do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da UFRJ, observa que uma emergência internacional poderá trazer benefícios para o Brasil.

— A propaganda negativa para a imagem do Brasil já existe. E não acho que a emergência irá aumentá- la. Ao contrário, vejo como algo que vai nos ajudar. Num caso desses, é preciso uma solução global. Ao estabelecer regras, a OMS padroniza o controle. Se os Estados Unidos desenvolverem uma vacina ou teste rápido primeiro, a OMS pode requisitar que sejam compartilhados com os demais países — afirma Clarissa, que integra o comitê da OMS de controle dos últimos estoques de varíola ( a única doença erradicada no mundo) e faz estudos de biodefesa no Brasil.

Ela observa que de nada adiantará, por exemplo, o Brasil controlar o mosquito se os países vizinhos não fizeram o mesmo. Nos anos 1960, o Brasil erradicou o Aedes aegypti, mas Venezuela e EUA não o fizeram, e o mosquito voltou. Uma Pheic pode evitar que isso volte a ocorrer, segundo Clarissa. Países mais pobres, sem condições de atuar sozinhos, poderão receber auxílio internacional.

— A Pheic estabelece prioridades e ações conjuntas dos países. Ela não tira a autonomia de ninguém. A OMS está certa de agir assim — diz Clarissa, esclarecendo que é pouco provável que, no caso do zika, medidas como fechamento de fronteiras e quarentenas sejam recomendadas:

— Isso aconteceu no caso do ebola devido à forma de contágio. O zika é um arbovírus, transmitido por mosquito, e para isso não é preciso quarentena nem isolamento de áreas. Mosquito não respeita fronteira. DEMORA EM AGIR CONTRA O EBOLA Em 2014, no caso do ebola, a OMS foi duramente criticada por demorar a agir e o fazer sem determinação. Isso foi destacado ontem na revista “Journal of American Medical Association” ( Jama), uma das mais importantes publicações médicas do mundo. Segundo a Jama, a dimensão da epidemia de zika e a realização das Olimpíadas no Rio tornam uma ação enérgica e rápida da OMS essencial. A Jama elogiou o Brasil e a Organização Panamericana de Saúde pela rápida resposta.

A posição da Jama repercutiu na imprensa internacional. Em editorial, o “New York Times” disse que “é imperativo que a OMS não repita a lenta e fraca resposta à crise do ebola e aja urgentemente para mobilização internacional”. O jornal lembrou que a OMS tem burocracia pesada, que dificulta sua atuação.