O Estado de São Paulo, n. 44.673, 08/02/2016. Política, p. A4

Em 2015, 8 dos 9 principais programas sociais do governo perderam recursos

Com forte impacto da inflação, símbolos das gestões Lula e Dilma contaram com menos verbas no ano passado do que em 2014; cenário de 2016 também é de restrição orçamentária; oposição vê governo vulnerável e pretende fazer embate político na área

Por: Isabela Bonfim

 

Oito dos nove principais programas sociais que entraram em vigor ou tiveram seu auge nos governos Lula e Dilma perderam recursos em 2015, mostra levantamento do Estado com base em dados do Orçamento da União. O cenário para 2016 aponta mais retração de programas que são símbolo do governo. Para a oposição, a situação fortalece a sua estratégia de fazer embate político com os petistas na área social.

Dos oito programas sociais afetados, quatro tiveram corte nominal e outros quatro perderam verba por causa da inflação, que alcançou os dois dígitos em dezembro e registrou a maior alta acumulada desde 2002.

Ou seja, até programas que tiveram mais orçamento em termos nominais viram seu valor ser corroído e, na prática, registraram perda real em relação a 2014. O Bolsa Família, por exemplo, recebeu R$ 1 bilhão a mais em 2015.

Corrigido pela inflação, entretanto, o valor é 4,7% menor do que em 2014. Este também é o caso dos programas Brasil Sorridente, Pronaf e Luz Para Todos.

Para este ano, o cenário é também de restrição. No Orçamento aprovado em dezembro, o Pronatec caiu 44% em relação ao ano anterior. O Minha Casa Minha Vida sofreu corte de 58%.

Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff assumiu pela primeira vez que não será possível atingir a meta de entregar 3 milhões de residências na terceira fase do programa.

O governo pretende revisar os programas sociais e já admite interromper alguns deles. O contingenciamento com cortes definitivos para o Orçamento de 2016 será anunciado depois do carnaval. Ao Estado, integrantes da equipe econômica asseguraram, contudo, que Bolsa Família, Fies e Minha Casa Minha Vida serão poupados.

 

Base. Além de potencial combustível para a impopularidade do governo em ano de eleições municipais, os cortes tendem a dificultar a relação com partidos aliados, entre eles o próprio PT, que tenta manter sua base de apoio social em meio à crise econômica. As legendas resistem em encampar medidas impopulares no Congresso, como a recriação da CPMF e a reforma da Previdência, temendo a repercussão perante o eleitor. Com a redução de recursos para a área social, o cenário para o governo se torna ainda mais adverso.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), sustenta que o impacto dos cortes em 2016 não será tão expressivo quanto o de 2015. "Os programas sociais são a alma de nossos governos e não serão fragilizados. Neste ano, começamos com uma nova agenda", disse. Ele não teme que os cortes gerem uma ação pró-impeachment. "A população sabe que a sua vida melhorou nos últimos anos, portanto, não temos que temer mobilização social."

A oposição, por outro lado, vê sua estratégia fortalecida. Para rivalizar com os petistas, o PSDB pretende lançar em março uma pauta própria com foco no segmento social.

"O PT está lidando hoje com três flagelos: os escândalos, o desemprego com queda de renda e agora a deterioração das políticas sociais”, afirmou o senador tucano José Serra (PSDB-SP). Para ele, a situação deixa o governo "mais vulnerável", especialmente nas eleições municipais. "Isso leva a uma insatisfação geral e vai ter reflexo nas eleições. De modo geral, é muito negativo eleitoralmente."

 

Creches. O caso mais grave é o do programa Brasil Carinhoso, vitrine da campanha de Dilma, que repassa verba para creches que recebem crianças beneficiadas pelo Bolsa Família. Em 2015, o programa sofreu perda superior a 51% em seu orçamento (já descontada a inflação), a maior registrada no levantamento do Estado.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, não houve corte, mas um desconto do saldo graças a repasses anteriores. Como nem todo o recurso repassado anteriormente havia sido usado pelos municípios, o governo federal optou por apenas "completar" o valor. O ministério destaca que, no mesmo período, o número de crianças atendidas subiu quase 22%.

No Ministério da Educação, a situação não é diferente. Os programas Prouni e Pronatec, que oferecem bolsas de estudo para ensino superior e técnico, aparecem em seguida na lista de maiores perdas orçamentárias. "O MEC, diante da situação fiscal pela qual passa o país, tem que fazer mais com menos, com maior foco na gestão e na eficiência para economizar recursos", afirmou a pasta.

O programa Minha Casa Minha Vida, outro carro-chefe do governo Dilma, registrou corte bruto de quase R$ 200 milhões em 2015. O Ministério das Cidades admitiu, em nota, o impacto da recessão econômica e a necessidade de cortes. "O programa Minha Casa Minha Vida sofreu com o quadro recessivo mundial que atingiu a economia brasileira recentemente e impôs restrição orçamentária aos programas de governo."

O programa Luz Para Todos é um caso à parte. Com o objetivo de levar luz elétrica para regiões remotas, o programa alcançou seus objetivos ao longo de anos e hoje enfrenta uma redução natural nos serviços prestados. Outra exceção é o Fies, programa de financiamento estudantil, o único do levantamento que não sofreu cortes. Em contrapartida, o programa registrou a maior queda em número de atendidos, reduzindo à metade os novos contratos assinados em 2015 - o MEC diz que este ainda não é o dado final.

 

Metodologia. A reportagem utilizou dados orçamentários oferecidos pelos ministérios responsáveis por cada programa avaliado. Os valores foram corrigidos pela média anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do País, tendo como referência os preços médios de 2015. Os cálculos foram acompanhados por consultores de Orçamento do Congresso Nacional.

 

‘Alma’ e ‘flagelo’

“Os programas sociais são a alma de nossos governos e não serão fragilizados. A população sabe que a sua vida melhorou nos últimos anos, portanto, não temos que temer mobilização social”

José Guimarães

(PT-CE)

LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA

 

“O PT está lidando hoje com três flagelos: os escândalos, o desemprego com queda de renda e agora deterioração das políticas sociais. Isso leva a uma insatisfação geral e vai ter reflexo nas eleições”

José Serra

(PSDB-SP)

SENADOR DA REPÚBLICA

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Enxugamento ocorre na pior hora para a presidente

Por: Adriana Fernandes / Ricardo Brito

 

Tema tabu no governo, o enxugamento dos programas sociais é uma realidade que já começou. Numa economia que não cresce e com baixa chance de retomada mais forte, a realidade de queda da arrecadação está impondo cortes e mudanças nas regras de acesso dos programas mais caros para a gestão petista.

O programa não acaba, mas vai mudando de cara para reduzir os gastos do governo.

É o que já aconteceu com o Fies, o seguro- desemprego, o seguro-defeso dos pescadores e também com o programa Minha Casa Minha Vida.

É um movimento muito parecido com o que ocorreu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Se antes era livre de cortes e suas dificuldades maiores eram ligadas à capacidade do governo de tocar os projetos, o PAC passou nos últimos anos a sofrer com tesoura mais forte do Ministério da Fazenda para mitigar os efeitos da queda da arrecadação e ajudar a melhorar o resultado das contas públicas.

O problema aumentou agora porque o rombo das contas do governo chegou a proporções inimagináveis até há pouco tempo – no ano passado, o déficit foi de R$ 115 bilhões – e não há solução à vista sem afetar esses principais programas.

O governo criou no ano passado um grupo de trabalho para passar um pente fino neles. O Tesouro Nacional também intensificou a força-tarefa de avaliação da eficiência dos programas, o que já antecipa uma “guerra” dentro da Esplanada dos Ministérios para evitar perdas e cortes.

Como risco de corte no ano passado pelo Congresso, mas preservado em troca da redução da meta fiscal de 2016, o Bolsa Família também não ficará livre de um debate mais aprofundado para revisar as regras de acesso e de permanência.

O enxugamento dos programas ocorre no momento em que a presidente Dilma Rousseff mais precisa deles: como um aceno para os mais desfavorecidos e para a militância aliada enquanto a ameaça de impeachment ainda não passou. Algum dos dois lados – os programas ou os aliados – terá de perder.

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