O Estado de São Paulo, n. 44.682, 17/02/2016. Política, p. A4

Janot aponta 'agressividade' de Cunha; deputado busca prazo contra cassação

Procurador-geral da República diz que presidente da Câmara ‘sempre se mostrou extremamente agressivo e dado a retaliações’; peemedebista recorre ao STF em busca de mais tempo para evitar avanço da ação contra ele por quebra de decoro no Conselho de Ética
Por: Beatriz Bulla / Daiene Cardoso / Gustavo Aguiar

 

Em manifestação contundente ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), “sempre se mostrou extremamente agressivo e dado a retaliações”. A peça foi encaminhada por Janot como resposta à defesa apresentada pelo peemedebista à denúncia oferecida pela PGR em agosto. Cunha foi acusado formalmente ao tribunal pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os advogados do peemedebista tentam paralisar o processo na Corte e anular depoimentos do lobista Júlio Camargo na Lava Jato.

A manifestação de Janot, encaminhada no fim de janeiro ao STF, foi tornada pública ontem. No texto, o procurador-geral rebate os argumentos da defesa de Cunha e reitera a acusação, segundo a qual o parlamentar recebeu US$ 5 milhões em propina. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato na Corte, pretende liberar o caso para julgamento no plenário ainda no mês de fevereiro.

As outras duas frentes abertas contra Cunha pela PGR no STF também tiveram avanços. Ontem, o peemedebista foi notificado do pedido de afastamento feito por Janot e terá dez dias para encaminhar resposta ao tribunal. No final do dia, Janot encaminhou mais um parecer contrário aos interesses do parlamentar, no qual pede para que a investigação sobre as contas na Suíça que têm como beneficiários Cunha e sua família seja mantida pública.

Segundo o procurador, o caso é de “nítido interesse público” e “inequívoco interesse social”. Por isso, diz Janot, é preciso manter a publicidade “ampla e total” dos documentos relativos à apuração. Em outubro, Teori negou pedido da defesa de Cunha para determinar sigilo da investigação.

Na contraofensiva, Cunha recorreu ao Supremo para tentar protelar o seu julgamento em outro campo de batalha: o Conselho de Ética. Os advogados do peemedebista entraram com um mandado de segurança no STF alegando cerceamento de defesa no processo que corre no legislativo por quebra de decoro parlamentar.

O pedido ao Supremo é para que haja novo prazo para o peemedebista se defender no colegiado ou o efeito suspensivo da ação até o julgamento pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do recurso contra o trâmite processual no conselho. As comissões da Casa estão paralisadas, por decisão de Cunha, à espera do julgamento dos embargos de declaração pelo STF sobre o rito de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O advogado Marcelo Nobre argumenta na petição que, logo após a substituição do relator Fausto Pinato (PRB-SP) por Marcos Rogério (PDT-RO), Cunha deveria ter sido notificado a apresentar a defesa prévia num prazo de dez dias úteis, o que não ocorreu. Essa é a mesma tese que embasa o recurso do presidente da Câmara na CCJ. O pedido ao STF será apreciado pelo ministro Luís Roberto Barroso. “Quero novo prazo. Tenho de ter o direito de defesa”, disse Cunha.

 

Intimidação. O documento em que Janot reforça os argumentos da acusação contra Cunha traz avaliações sobre a postura do peemedebista e críticas às teses usadas pela defesa do deputado. O procurador-geral da República rebate a alegação de que os depoimentos do lobista Júlio Camargo, que teve delação homologada pelo juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, devam ser anulados.  Em julho de 2015, meses depois de fechar o acordo de delação, o lobista prestou depoimento no qual citou Cunha. Só após essa menção ao parlamentar o caso foi remetido por Moro ao STF. Para Janot, a omissão do nome de Cunha inicialmente pelo lobista é justificada pela intimidação gerada pelo peemedebista.

“Realmente, embora censurável de um lado e passível de sanções, a colaboração de Júlio Camargo foi e está sendo efetiva, não justificando sua rescisão”, escreveu Janot. “A omissão do nome de Eduardo Cunha também foi justificável, à luz das circunstâncias concretas e, ainda, da especial circunstância de que Eduardo Cunha sempre se mostrou - não apenas enquanto na Presidência da Câmara - extremamente agressivo e dado a retaliações a todos aqueles que se colocam em seu caminho a contrariar seus interesses”, argumentou o procurador-geral, ao dizer que “não houve qualquer ilegalidade” na homologação feita na primeira instância.

Camargo disse em depoimento que o suposto operador do PMDB no esquema de corrupção na Petrobras, Fernando “Baiano” Soares, disse estar sendo pressionado por Cunha para pagamento de propina. Segundo Camargo, o deputado exigia US$ 5 milhões.

Na defesa ao Supremo, Cunha também pediu a paralisação do processo até sua saída da presidência da Câmara. O argumento é de que, à frente da Casa, está na linha sucessória presidencial e, pela Constituição, o presidente da República não é responsabilizada durante o mandato por atos estranhos às suas funções.

Na manifestação ao STF, Janot diz que o argumento sobre a linha sucessória “alça patamares realmente criativos” e fora de “lógica”.

 

Perfil

“Cunha sempre se mostrou agressivo e dado a retaliações a todos que se colocam em seu caminho a contrariar seus interesses”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

PONTOS-CHAVE

Bate-bocas, tapas e sessões interrompidas

24 de novembro

Relatório de Fausto Pinato (PRB-SP) é lido, mas Sérgio Brito (PSD-BA), aliado de Cunha, pede vista e para sessão.

 

9 de dezembro

Vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), também aliado de Cunha, tira Pinato da relatoria. Há novo sorteio e sessão é encerrada.

 

 

10 de dezembro

Deputados batem boca e trocam tapas. Marcos Rogério (PDT-RO) é escolhido o novo relator do processo contra Eduardo Cunha.

Órgãos relacionados:

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OAB recomenda afastamento do presidente da Câmara

Documento foi entregue ontem ao presidente do Conselho de Ética da Câmara e ao relator de pedido de cassação
Por: Beatriz Bulla / Daiene Cardoso / Gustavo Aguiar

 

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recomendou ontem ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados o afastamento imediato de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de presidente da Casa. Um documento foi entregue pelo novo presidente da entidade, Claudio Lamachia, ao presidente da comissão, José Carlos Araújo (PSD-BA), e ao relator do pedido de cassação do parlamentar, Marcos Rogério (PDT-RO).

Segundo Lamachia, a manifestação da entidade tem como objetivo garantir o respeito do devido processo legal da ação que tramita contra o peemedebista no Conselho. “A permanência de Cunha na presidência da Câmara dos Deputados, no nosso entendimento, está ferindo o devido processo legal, porque ele tem condições de influenciar e vem demonstrando isso”, alegou o presidente da OAB.

O documento destaca “a gravidade dos fatos que chegaram ao conhecimento público e que vêm desgastando a imagem do referido parlamentar e a credibilidade institucional da Câmara dos Deputados”.

A manifestação também seria enviada ao ministro Teori Zavascki, relator no Supremo Tribunal Federal dos inquéritos contra o peemedebista no âmbito da Lava Jato e do pedido de afastamento dele encaminhado à Suprema Corte pela Procuradoria-Geral da República.

A entidade, no entanto, não pretende endossar a ação da PGR, que tem como base uma ação criminal, e inclui o pedido para que Cunha seja afastado também do cargo de deputado.

“Nós não faremos juízo de valor sobre a ação criminal, já que não atuamos no processo. Nós estamos fazendo juízo de valor sobre a questão ética. Eu, particularmente, entendo que nós não podemos ter um presidente da Câmara dos Deputados, com todas essas acusações, podendo ainda interferir no seu processo, continuando no cargo”, defendeu Lamachia.

À tarde, durante o encontro com Lamachia, o presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), fez um apelo para que a entidade colabore com o colegiado na tentativa de afastar Cunha. Araújo reafirmou que o conselho busca um caminho jurídico - que pode ser um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal - para garantir o andamento do processo disciplinar contra o peemedebista.  / B.B.,D.C. e G.A.

 

Ética

“Não faremos juízo de valor sobre a ação criminal, já que não atuamos no processo. Estamos fazendo juízo de valor sobre a questão ética”

Claudio Lamachia

PRESIDENTE DA OAB

Órgãos relacionados:

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PTB indica para colegiado deputada alvo de investigação

Por: Daiene Cardoso

 

A deputada Jozi Araújo (PTB-AP) foi indicada ontem pela bancada de seu partido na Câmara para substituir Nilton Capixaba (PTB-RO) como membro titular no Conselho de Ética. Aliada do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a parlamentar é alvo de inquérito que tramita desde novembro no Supremo Tribunal Federal.

Um dia após a divulgação de que substituiria Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) no colegiado, Capixaba renunciou à vaga alegando que não dispunha de tempo para participar das reuniões.

Jozi é investigada pelo STF por suposta prática de crime eleitoral contra a honra do também deputado federal Marcos Reategui (PSC-AP). Os dois foram adversários eleitorais na disputa por uma cadeira na Câmara em 2014.

A investigação está sob relatoria do ministro Luiz Fux no STF. No início do mês, a Procuradoria-Geral da República pediu o arquivamento da investigação.

 

 

Manobra. Capixaba tinha sido indicado para o Conselho de Ética por Jovair Arantes, após Faria de Sá renunciar à vaga de titular, em troca da promessa de ser indicado por Arantes para a presidência da Comissão de Seguridade Social da Casa. A manobra visava a beneficiar Cunha, que é alvo de processo por quebra de decoro parlamentar no colegiado.

Cunha seria favorecido com a mudança porque Faria de Sá foi um dos 11 deputados que declararam voto a favor da continuidade do processo contra o peemedebista, enquanto a expectativa era de que Capixaba seguisse orientação do líder do PTB e votasse a favor do presidente da Câmara no caso.

Cunha, no entanto, rechaçou que esteja manobrando em parceria com o PTB para se favorecer no conselho. Segundo ele, manobra está sendo realizada pelo PMDB do Rio de Janeiro, que está nomeando deputados titulares do PTB e PSD para abrir vagas para suplentes do PMDB e, assim, favorecer a reeleição de Leonardo Picciani (RJ) para líder do PMDB na Câmara.

A assessoria da deputada afirmou que a parlamentar já foi absolvida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amapá e que não responde a nenhum processo judicial atualmente.

 

Adiamento. O Conselho de Ética da Câmara adiou para hoje a análise do processo contra Cunha. O relatório seria analisado ontem, mas o relator, Marcos Rogério (PDT-RO), pediu mais tempo para apreciar o aditamento à representação feito por PSOL e Rede. / D.C.

Órgãos relacionados:

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