O globo, n. 30123 , 27/01/2016. País, p. 3

PT na mira de Dirceu

Cleide Carvalho

O ex- ministro José Dirceu decidiu se defender abertamente das acusações contra ele na Operação Lava- Jato, estratégia que poderá atingir o PT. Segundo sua defesa, ele deverá confirmar ao juiz Sérgio Moro, em audiência marcada para sexta- feira, que a indicação de Renato Duque para a Diretoria de Serviços da Petrobras partiu do diretório estadual do PT de São Paulo, e não dele. Essa versão, que compromete a cúpula petista, foi dada pelo lobista Fernando Moura em depoimento a Moro semana passada.

Quem teria articulado a nomeação de Duque teria sido o então secretário- geral do partido, Sílvio Pereira. Em depoimento à Justiça na última sexta- feira, Moura disse que Dirceu só foi chamado à reunião onde foram decididos os nomes que comandariam a Petrobras para desempatar a disputa entre Duque e Irani Varella, que já era diretor de Serviços da Petrobras no governo Fernando Henrique.

— Ele não vai denunciar ninguém. Vai se defender e contestar. O que pode acontecer é surgirem nomes. Milton Pascowitch mentiu. Ele usava o nome do Zé ( José Dirceu). Quem estava com milhões e teve de devolver foi ele. Com o Zé não foi encontrado dinheiro nenhum. Se o Dirceu não tinha dinheiro, onde está o dinheiro que dizem que foi para ele? Ele prestou serviços de consultoria e recebeu. O resto foi ajuda dada pelo Milton, que nunca falou que era dinheiro de propina — disse Odel Antun, advogado do ex- ministro.

 

DEFESA DIZ QUE MILTON PASCOWITCH MENTIU

Segundo o advogado, ao contrário de outros acusados na Lava- Jato, Dirceu se defenderá de todas as acusações que lhe são feitas, principalmente pelo delator Milton Pascowitch. O advogado afirmou que há contradições nos depoimentos dos delatores que envolvem o ex- ministro nas irregularidades da Petrobras e que a defesa usará o depoimento de Moura, que, segundo ele, “mostra claramente que Dirceu não participou da indicação”.

— Toda a denúncia é fundada na informação de que Dirceu indicou Duque para o cargo, e que isso permitiu que fosse feito o gerenciamento de propina. Mas o depoimento do Fernando Moura, um dos delatores, mostra que não foi ele quem indicou. Ele não conhecia nenhum dos indicados, todos lhe eram desconhecidos. Foi o diretório do PT de São Paulo que indicou — afirmou Antun.

Na última sexta- feira, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, Moura afirmou que Sílvio Pereira e Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, sonhavam com cargos altos. Sílvio, com a presidência dos Correios; Delúbio, com a do BNDES.

Ao juiz, Moura disse que no final de 2002, após a vitória do PT nas eleições presidenciais, havia dois indicados à Diretoria de Serviços da Petrobras. Duque, levado por Silvio, por sugestão do empresário Licínio de Oliveira Machado Filho, da Etesco; e Varella, indicado por Delúbio, por recomendação de Dimas Toledo, que foi diretor de Furnas no governo FH e seria ligado ao senador Aécio Neves ( PSDB- MG).

Nas escolhas dos nomes, segundo teria relatado Sílvio a Moura, estavam presentes o próprio Sílvio; Delúbio; José Eduardo Dutra ( falecido em 2014), que assumiu a presidência da Petrobras em 2003; Luiz Gushiken, ex- secretário de Comunicação ( também já falecido); e a presidente Dilma Rousseff, na época integrante da equipe de transição.

O lobista disse que o impasse só foi resolvido após Dirceu saber quem indicara Duque eVarella. Moura contou que Delúbio não queria dizer que a indicação de Varella era dele e a atribuiu a Aécio Neves. Chamado a opinar entre os dois e a desempatar a decisão, Dirceu teria decidido por Duque, argumentado que Aécio já havia sido favorecido: “O Aécio já foi contemplado com a indicação do Dimas. Então, fica o Duque”, teria dito Dirceu segundo depoimento do lobista.

Dimas Toledo havia sido mantido no cargo pelo PT e só deixou Furnas no governo Lula, envolvido no escândalo conhecido como “a lista de Furnas”, pagamento de propina para beneficiar políticos.

Perguntado se Dirceu está disposto a denunciar outros nomes do PT e quem no diretório de São Paulo estaria aliado a Sílvio Pereira, o advogado afirmou que não conversou com seu cliente após o depoimento de Moura. Por isso, afirmou, não sabe dizer se Dirceu citará outros nomes

Paulo Frateschi, que presidia o Diretório do PT em São Paulo em 2002, negou ter participado da escolha de Duque:

— Nem conheço o Duque, nunca vi. Não fui eu, não participei de nada disso — disse.

Segundo o petista, a direção paulista indicou, na época, nomes apenas para cargos de representação do governo federal no estado.

— Tinha alguns cargos que eram do governo federal em São Paulo. Fazíamos sugestões para esses cargos. Algumas foram acatadas, outras não.

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Falcão: 'Cada um será responsável por sua campanha'

Leticia Fernandes

Após reunião da Executiva Nacional do PT, reunida ontem em Brasília, o presidente do partido, Rui Falcão, disse que cada candidato às eleições municipais deste ano será responsável pelo financiamento de sua campanha, e frisou que o PT não será responsabilizado por problemas ou eventuais deslizes cometidos. Ele negou que desconfie dos quadros do partido, mas reiterou que é preciso proteger o PT. A nova cláusula será incluída na carta de compromisso entregue aos candidatos a prefeitos e vereadores.

— Cada candidato estará ciente das normas eleitorais, principalmente quanto ao financiamento das campanhas, cada um se considerando plenamente responsável por elas. Não é desconfiança de ninguém, mas, como muitas vezes há um erro, um deslize, não queremos que haja nenhuma responsabilização do partido. Serão milhares de candidatos — disse Falcão, acrescentando que a cartilha para as eleições deste ano será apresentada na reunião do diretório nacional do partido, em 26 de fevereiro.

VITÓRIA EM ELEIÇÕES SUPLEMENTARES

Falcão exaltou a vitória em cinco das nove eleições suplementares para prefeito, ano passado, mesmo “no meio do tsunami”, como definiu a atual crise. Ele admitiu que a eleição deste ano será diferente e defendeu a “criatividade” dos quadros para financiar as campanhas:

— É diferente ( a eleição deste ano) porque não tem mais financiamento empresarial, não tem mais fundo público, só isso. Vamos fiscalizar toda a campanha para evitar que o financiamento empresarial continue. Nossa expectativa é muito positiva. Não estamos vendo nenhuma relutância em estabelecer alianças. Perdemos menos prefeituras do que o PMDB e outros partidos e, em termos de militância, tivemos mais de 40 mil novos filiados.

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Nas asas do lobista, quase duas voltas e meia à Terra

Renato Onofre

Thiago Herdy

O ex- ministro José Dirceu usou parte das viagens pagas a ele pelo lobista Julio Camargo para participar de encontros em que discutiu estratégias políticas do PT. Anteontem, a defesa de Camargo entregou uma planilha com 113 voos feitos pelo petista nos jatos Citation Mustang ( PP- EVG) e Citation Excel ( PT- XIB). As viagens foram usadas para quitar dívida de cerca de R$ 1 milhão em propina do lobista com o ex- ministro, segundo disse Camargo em delação premiada. No total, foram 105 mil quilômetros percorridos, o equivalente a duas voltas e meia em torno da Terra.

Desde que surgiram os primeiros indícios de sua participação no esquema de corrupção na Petrobras, Dirceu afirma, segundo sua defesa, que recursos recebidos de envolvidos eram fruto do seu trabalho de consultor. Para os investigadores da Lava- Jato, porém, os pagamentos eram propina usada para alimentar um projeto partidário.

A lista enumera viagens realizadas de novembro de 2010 a julho de 2011. O cruzamento de informações da agenda pública de Dirceu com os voos listados por Camargo mostra que os compromissos do “consultor” se misturam aos do “político” em pelo menos cinco oportunidades.

Em 19 de novembro de 2010, Dirceu viajou no jato de Camargo até Brasília para um encontro do Diretório Nacional do PT, quando defendeu a aliança com o PMDB. “PT e PMDB estão condenados a se entenderem e a governar juntos”, disse, na ocasião. Em maio de 2011, ele foi a Belo Horizonte para defender em encontro interno a manutenção da aliança com o PSB e Márcio Lacerda, apesar da proximidade do candidato com o tucano Aécio Neves. Há registro de voos em datas de encontros partidários em Belém e São Paulo.

— Acreditamos que a tabela contenha equívocos, vamos inclusive buscar a lista de passageiros dos voos junto a Infraero. Ele não nega que tenha usado o avião. Mas estamos checando se todos os voos colocados são dele mesmo — afirmou Roberto Podval, advogado do ex- ministro.

O defensor afirmou acreditar que o petista tenha descontado os valores dos voos de dívidas de quem contratou sua consultoria:

— Ele vai explicar na sexta- feira o que foi pago, todas as questões serão respondidas por ele.