O Estado de São Paulo, n. 44.681, 16/02/2016. Economia, p. B3

Shell defende fim do limite a grupos privados no pré-sal

Presidente global da petroleira disse que Brasil será principal destino de investimentos do grupo, após a fusão com a britânica BG
Por: Antonio Pita, Fernanda Nunes e Bernardo Caram

 

Principal parceira da Petrobrás na exploração do pré-sal, a Shell defendeu ontem mudanças na legislação brasileira para permitir que outras petroleiras, além da estatal, liderem projetos na região. No Rio de Janeiro para lançar a megaempresa que surge da fusão com a britânica BG – anunciada em abril do ano passado e formalizada em janeiro –, o presidente mundial da Shell, Ben van Beurden, falou que o Brasil será o país número um em investimentos da empresa “até o fim da década” e que, se o acesso ao pré-sal for flexibilizado, quer “ter um papel nesse processo”.

Pela legislação atual, a liderança do pré-sal cabe exclusivamente à Petrobrás, que deve ter participação mínima de 30% em cada projeto, além de operar todas as áreas. Mas, com o agravamento da crise econômica, em parte provocada pela derrocada da estatal, e a retração do pagamento dos royalties do petróleo, o governo dá sinais de que vai flexibilizar as regras.

“(A abertura) disseminaria o risco e traria mais capacidade de investimento. Se fosse consultado, diria que é uma boa ideia. Se vier a acontecer, estamos em posição de querer um papel nesse contexto”, afirmou Beurden, ressaltando, porém, que as mudanças dependem do governo e do Congresso.

O principal executivo da Shell disse ter apresentado à presidente Dilma Rousseff a estratégia da empresa para o País logo após o anúncio da fusão, no ano passado. Desde então, os dois se reuniram pelo menos três vezes no Planalto – a última, em janeiro. “A presidente não precisa que eu lembre que esse setor é muito importante para o Brasil”, disse.

À frente da Shell no Brasil, André Araújo avaliou que a empresa tem atuação “ativa” na discussão regulatória do País. Ele foi recebido pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, algumas vezes nos últimos meses, assim como Jorge Camargo, do Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (IBP), que representa as grandes produtoras com atuação local.

A presidente já sinalizou que aceita mudanças graduais na política para o setor de petróleo, desde que seja mantido o direito de preferência da Petrobrás sobre as áreas do pré-sal. “O regime de partilha tem função macroeconômica e é fundamental para viabilizar o fundo social”, afirmou ontem o ministro Eduardo Braga, em Brasília.

A avaliação é que a Petrobrás, em crise, não tem condições de arcar com os investimentos em todas as áreas e que cadeia de fornecedores não poderia esperar por sua retomada.

Fontes da própria estatal sinalizam que a companhia está focada na disciplina de capital e não entraria em investimentos que não correspondessem ao seu esforço de reestruturação. Oficialmente, a empresa não comenta as discussões sobre o marco regulatório.

“Todas as empresas no mundo gostariam de ter uma posição como os ativos do pré-sal. Essa riqueza é tão grande que nem mesmo se as duas maiores operadoras do mundo se juntassem, seriam capazes de explorar tudo. Independentemente do preço do petróleo, as empresas têm interesse no pré-sal e no Brasil”, avalia Antonio Guimarães, secretário executivo do IBP.

Dimensão. A estratégia da Shell é ser líder em projetos de águas ultraprofundas, como o pré-sal, e no mercado de gás natural liquefeito (GNL). Com a aquisição da BG, a empresa espera economizar US$ 3,5 bilhões por ano em custos e demitir 2,8 mil funcionários nos 40 países onde atua. A empresa diz não ter foco na produção, apenas objetivos financeiros. Mas, já num primeiro momento, apenas no Brasil, terá um salto de produçãomédiade35 mil barris de óleo equivalente por dia, para mais de 240 mil barris. Quase a metade desse total, 110 mil barris, vem do campo de Lula – o principal campo produtor do País, localizado no pré-sal da Bacia de Santos. No mundo todo, a meta é quadruplicar a produção até 2020.

A Shell ainda detém 25% da área de Libra, a maior do pré-sal leiloada sob o regime de partilha, que tem a Petrobrás como operadora. Para Beurden, a estatal passa por um “momento difícil” mas será uma empresa “forte no futuro”. Ele avalia que o projeto tem duração de “três ou quatro décadas”, período em que o investimento deve ser compensado. Mas evitou mencionar um preço mínimo de viabilidade da operação:  “Os investimentos no pré-sal no Brasil se manterão firmes e sólidos.” A avaliação é compartilhada por Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e professor da UFRJ. Segundo ele, a operação do pré-sal tem alto custo de instalação da infraestrutura, por serem reservas localizadas em águas ultraprofundas e a quilômetros da costa. Ainda assim, as descobertas gigantescas no pré-sal são viáveis, “porque ninguém acredita que a crise do petróleo vai durar para sempre”. A avaliação é que, em algumas décadas, quando a produção atingir volumes máximos, o preço já não seja uma limitação.

 

FICHA TÉCNICA

Dados da Shell

Funcionários

No mundo: 92 mil

No Brasil: 1 mil

Produção global

1,5 milhão de barris/dia

Projetos no Brasil

Exploração e produção de óleo e gás no Parque das Conchas, na Bacia de Campos, e na área de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos; distribuição de combustíveis e lubrificantes; produção de açúcar, etanol e energia elétrica pela Raízen

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