O Estado de São Paulo, n. 44.681, 16/02/2016. Opinião, p. A4

Moro afirma ao TSE que há provas do uso de propinas nas campanhas do PT

Juiz da Lava Jato informa o Tribunal Superior Eleitoral, que analisa ações contra a chapa da presidente Dilma em 2014, sobre o ‘comprovado direcionamento’ de recursos ilegais para doações registradas; ofício do magistrado aquece debate entre governo e oposição
Por: Fausto Macedo / Ricardo Brandt / Vera Rosa

 

O juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos em primeira instância da Operação Lava Jato, informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, em sentença da 13.ª Vara Federal, em Curitiba, ficou “comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobrás para doações eleitorais registradas”.

O comunicado foi feito em ofício, atendendo à solicitação da corte, que tem quatro procedimentos abertos a pedido do PSDB para apurar irregularidades na campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2014.

“Reputou-se comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobrás para doações eleitorais registradas”, informou Moro sobre sentença do processo envolvendo executivos da empreiteira Mendes Júnior e Setal Óleo e Gás.

O caso envolve o suposto repasse de R$ 4 milhões ao PT por meio do ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, preso desde março do ano passado, em Curitiba. “Por ora, é a única sentença prolatada que teve fato da espécie como objeto.”

O governo tentou se desvencilhar da nova crise ontem, sob a alegação de que o ofício de Moro não cita a campanha de Dilma em nenhum momento. No Palácio do Planalto, auxiliares da presidente faziam questão de destacar que até mesmo os tesoureiros do PT e do comitê da reeleição eram diferentes. Quem cuidou das contas da campanha de Dilma foi Edinho Silva, hoje ministro da Secretaria de Comunicação Social.

“A campanha da presidenta recebeu doações legais e sem nenhuma vinculação com qualquer origem ilícita”, disse ao Estado o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo o coordenador da defesa de Dilma no TSE, Flávio Caetano, o ofício do juiz não guarda qualquer relação com as eleições de 2014 nem envolve a chapa petista.

Para o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), o ofício de Moro confirma que recursos da Petrobrás foram desviados pelo PT durante muito tempo. “O PT utilizou o TSE como lavanderia. Aproveitou o processo eleitoral e lavou a propina do petrolão a título de despesa de campanha”, afirmou Imbassahy. Com a avaliação de que o processo de impeachment de Dilma está enfraquecido no Congresso, o PSDB redesenha a estratégia para desgastar a presidente. “A oposição vai acender um holofote sobre o TSE”, resumiu o deputado.

 

Delatores.  No ofício, Moro destacou que seis “criminosos colaboradores” - entre eles o dono da UTC, Ricardo Pessoa, e dois ex-executivos da Petrobrás - confirmaram em juízo que “recursos acertados no esquema” eram destinados a doações eleitorais “registradas e não registradas”. São eles o doleiro Alberto Youssef, o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, o ex-gerente de Engenharia Pedro José Barusco Filho, o empresário do grupo Setal Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, o operador de propinas Milton Pascowitch e o empreiteiro Ricardo Pessoa.

“(Os delatores) declararam que parte dos recursos acertados no esquema criminoso da Petrobrás era destinada a doações eleitorais registradas e não registradas. Como os depoimentos abrangem diversos assuntos, seria talvez oportuno que fossem ouvidos diretamente pelo Tribunal Superior Eleitoral, a fim de verificar se têm informações pertinentes ao objeto da requisição”, argumentou Moro.

 

‘Dois pesos’. No Planalto, assessores de Dilma diziam ontem haver “dois pesos e duas medidas” na interpretação dos fatos relacionados à Lava Jato. Muitos não escondiam a indignação e perguntavam por que se supõe que toda a doação ao PT é propina e ao PSDB é contribuição.

“O Tribunal Superior Eleitoral nunca foi nem será parcial e, se há uma investigação, deve ser sobre todos”, afirmou o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE). “O risco que corre o pau corre o machado. O que me espanta é que o mesmo delator que fez doação para a campanha do PT fez também para a do Aécio e isso não é citado”, insistiu ele, numa referência ao senador Aécio Neves (MG), candidato derrotado à Presidência.

O despacho de Moro, do dia 6, foi enviado ao TSE em resposta a solicitações feitas pelo ministro João Otávio de Noronha, corregedor-geral da Justiça Eleitoral. O primeiro pedido foi encaminhado a Curitiba em 28 de agosto de 2015. Nele, foram solicitados dados e os depoimentos de três delatores: Pessoa, Costa e Youssef. Outros dois pedidos solicitavam compartilhamento de provas da Lava Jato.

“É tecnicamente inviável disponibilizar a esta Egrégia Corte cópia de todos os inquéritos e ações penais relativas à Operação Lava Jato, já que se tratam de centenas de processos. Não há condições, pelo volume, de extrair cópia em papel ou eletrônica”, disse Moro no ofício. /COLABORARAM ISADORA PERON e ISABELA BONFIM

 

Juízo

“Reputou-se comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobrás para doações eleitorais registradas”

Sérgio Moro

JUIZ RESPONSÁVEL PELA LAVA JATO

 

FRENTES DE APURAÇÃO

Lava Jato

Delatores

Investigados que fecharam acordo de delação relataram repasses de propina do esquema de corrupção na Petrobrás ocultados por meio de doações oficiais e não oficiais a campanhas.

 

Ministério Público Federal

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao denunciar o deputado Nelson Meurer (PP-PR) ao Supremo Tribunal Federal, afirmou que doações oficiais à legenda ocultaram propina.

 

Sérgio Moro

O juiz informou ao TSE que, em sentença da Lava Jato, ficou “comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobrás para doações eleitorais registradas”.

 

Sentença

A sentença a que Moro se refere condenou o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto a 15 anos de prisão. Segundo o juiz, Vaccari arrecadou, para o PT, ao menos R$ 4 milhões de propinas.

 

TSE

Abuso de poder

A campanha eleitoral da chapa Dilma Rousseff/Michel Temer, reeleita em 2014, é alvo de pelo menos quatro ações no Tribunal Superior Eleitoral – todas apresentadas pelo PSDB e pela coligação Muda Brasil, do candidato derrotado do partido, senador Aécio Neves (MG). As quatro ações apontam abuso de poder político e econômico cometido na campanha.

 

Doações eleitorais

Uma das ações em curso na corte eleitoral contra a chapa da presidente e do vice menciona, além de convocação da rede nacional de TV de forma inadequada e publicidade em período proibido, o financiamento de campanha da dupla mediante doações oficiais de grandes empreiteiras contratadas pela Petrobrás como parte da distribuição de propinas investigada na Operação Lava Jato. Dilma e Temer não são investigados na operação.

 

Defesas

Em resposta à ação que pede a cassação da chapa formada por Dilma e Temer, o vice busca desqualificar os argumentos do PSDB e acusa a oposição de querer “demonizar” doações legais de campanha. A defesa do peemedebista entregue ao TSE ressalta que o PSDB também se beneficiou de doações feitas por empresas investigadas no esquema na Petrobrás. Dilma deve entregar sua defesa ao TSE nesta semana.

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

________________________________________________________________________________________________

Em Agosto, Janot não viu gravidade na ação

Procurador-geral disse não estar ‘convencido’ da gravidade necessária para imputar a perda do mandato de Dilma
Por: Beatriz Bulla

 

Em manifestação encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, avaliou que, para determinar a cassação de mandato da presidente da República, são exigidas “condutas, já à primeira vista, gravíssimas”. No parecer, Janot pede que a corte julgue improcedente um dos pedidos do PSDB de impugnação de mandato da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer, por não vislumbrar a “gravidade necessária” para adoção de tal medida.

A manifestação data de agosto de 2015 e foi encaminhada em uma das quatro ações propostas pelos tucanos na corte eleitoral que pode gerar a cassação do mandato de Dilma e Temer. Na peça, o PSDB alega que houve abuso de poder político e econômico na campanha eleitoral. Para o procurador, as condutas apontadas pelo PSDB como irregularmente praticadas durante a campanha presidencial do PT de 2014 “ou não tiveram o grau de ilicitudes atribuídos, ou não os beneficiaram diretamente ou tiveram pouquíssimos desdobramentos”.

“Pois bem! No caso em preço, é preciso sempre se considerar que as eleições disputadas pelos candidatos representados foi a presidencial, na qual se disputou os votos de quase 142 milhões de eleitores. Nesse cenário, não se vislumbra tenham os fatos narrados na peça inicial aptidão para comprometer a legitimidade e a normalidade do pleito eleitoral”, escreveu o procurador-geral da República.

Janot aponta, no entanto, não ter se “convencido” da gravidade necessária para imputar a sanção de perda de mandato à presidente, fato que “seria inédito na história republicana deste País em se tratando de eleições presidenciais”. “Não há como se admitir que as condutas acima analisadas possam ter influenciado negativamente uma eleição com tamanho contingente de eleitores”, escreveu o procurador-geral da República. O procurador-geral da República analisa também os outros fatos apontados pelo PSDB como situações de abuso na campanha eleitoral.