A capital da dengue

PAULA FERREIRA paula.ferreira@infoglobo.com.br

 

Com pouco mais de 20 mil habitantes, Cordeiro, na Região Serrana, é a capital fluminense da dengue. A cidade é recordista em casos: são 589 confirmados este mês. O

GABRIEL DE PAIVARisco. Grávida de sete meses, Ana Paula Batista mora em frente a um posto de saúde, no bairro Retiro Poético: apesar da infestação de dengue na cidade, ela não passa repelente

Aedes aegypti é assunto em ruas e igrejas. Ainda assim, os focos do mosquito se espalham a olhos vistos, deixando o único hospital local lotado de vítimas do Aedes, conta Os sermões das missas e dos cultos da pequena Cordeiro, na Região Serrana, não são mais os mesmos. Antes, as referências a Jesus tomavam todo o tempo das celebrações religiosas. Agora, durante as pregações de padres e pastores do município, parte dos discursos é dedicada ao mosquito Aedes aegypti. A cidade de pouco mais de 20 mil moradores já tem, segundo a Vigilância Ambiental do município, 809 notificações de casos suspeitos somente este mês. A prefeitura confirma 589, o que, no padrão comparativo usado na área de saúde, corresponde a um índice de 2.796 registros a cada cem mil habitantes.

PREFEITURA PODE DECRETAR EMERGÊNCIA A estatística de Cordeiro, cidade com maior número absoluto de notificações no estado, é extremamente alta: para se ter uma ideia, o município do Rio, que também trava uma difícil luta contra a doença, apresenta 535 ocorrências e uma taxa de oito notificações para cada cem mil habitantes ( são 6,4 milhões na capital). Diante do quadro aterrador, a doença, o mosquito e outros assuntos relacionados, como a zika e a microcefalia, não saem da boca dos moradores da pacata cidade. Devido à gravidade da situação, a prefeitura pensa em decretar estado de emergência.

— Só estamos esperando a confirmação de outros casos que foram enviados a um laboratório no Rio. Segundo o estado, a partir de 238 exames confirmados, fica caracterizada uma epidemia — disse o secretário interino de Saúde, Alberto Henry, que comanda a pasta enquanto Márcio Brabas tira férias.

O Hospital Antônio Castro, o único de Cordeiro, está lotado, o que levou a Secretaria municipal de Saúde a enviar para igrejas uma circular na qual solicita que padres e pastores façam um trabalho de conscientização. O pedido é prova de que o poder público local tem lançado mão de qualquer aliado para tentar impedir que a dengue se alastre ainda mais.

— O padre Alexandre vem falando muito sobre a doença. Nas últimas três missas, o mosquito da dengue tomou boa parte do sermão. O padre ensina que combater focos de proliferação é uma responsabilidade de todos. Cuidando de nós mesmos também estamos cuidando do próximo — contou uma fiel.

O sermão com ares de palestra sobre saúde pública também é ministrado nos templos evangélicos de Cordeiro, conforme relato do pastor Gilmar Pacheco, líder da Igreja Shalom.

— Temos abordado a questão. Cada um deve cuidar direitinho de seu quintal. Também estamos dando orientações às grávidas; alertamos que precisam passar repelente o tempo todo e usar roupas que cubram braços e pernas — disse Pacheco.

No entanto, Ana Paula Batista, que está grávida de sete meses e frequenta a Igreja Shalom, não se preocupa com as doenças que o Aedes Aegypti pode transmitir. Moradora do bairro Retiro Poético, campeão em notificações de casos suspeitos de dengue ( 285), ela recebeu a equipe de reportagem com um vestido e sem usar repelente. A gestante revelou não acreditar na associação entre os casos de zika e microcefalia.

— Se isso estivesse confirmado mesmo, se me dissessem com toda a certeza que zika causa microcefalia, eu usaria repelente. O que eu ouvi dizer é que o problema com os bebês pode ter relação com o lote de uma vacina dada um tempo atrás ( hipótese nunca levantada por autoridades). Eu não sei, mas, como não gosto de repelente, não uso — revelou Ana Paula, que mora em frente a uma Unidade de Saúde da Família, onde há vários informes sobre zika e microcefalia no quadro de avisos.

Aos seis meses de gravidez, Pamela Bonifácio tem uma postura diferente. Preocupada com a doença que vem afligindo seus parentes e vizinhos, ela passa repelente pelo menos três vezes por dia e vive uma rotina de apreensão. O temor é de que a zika também ganhe contornos de epidemia em Cordeiro.

— Todos da minha família já tiveram dengue, menos eu. Passo repelente o tempo todo, e meu marido me cobra muito. Ele tem muito medo, e eu também — afirmou Pamela.

Segundo a mãe da gestante, Luciana Bonifácio, que mora no bairro Pirazzo e estava com dengue até a semana passada, o genro chega a chorar quando fala sobre os riscos:

— Ele não pode ver nada na televisão sobre zika e microcefalia que começa a chorar. Dá pena. Os agentes do município até passam nas casas para combater o mosquito, mas a verdade é que os moradores da cidade não cuidam do próprio quintal.

UMA RUA CHEIA DE MORADORES DOENTES Retiro Poético é um dos bairros de Cordeiro com maior índice de infestação. Ali, a Rua Dez passou a ser chamada de Rua da Dengue. O motivo? Todas as casas têm moradores com a doença. Entre eles, as vizinhas Eli Mariano e Jaziele Carvalho.

— Não adianta passar o fumacê e receber visitas de agentes de saúde. Muita gente aqui não toma os cuidados necessários. Tenho um filho portador de deficiência e temo que ele pegue dengue. Ele sofre convulsões, não pode ter febre alta — disse Eli, que caminha com dificuldade devido à dor nas articulações.

Mãe de dois meninos, Jaziele quer evitar que os filhos passem pelo mesmo transtorno.

— É difícil suportar as dores, não imagino ver meus filhos sofrendo assim. Limpo tudo em meu quintal, mas, infelizmente, basta um não fazer o mesmo para a rua toda pagar por isso — lamentou Jaziele.

Repleta de áreas verdes e cortada pelo Rio Macuco, Cordeiro é uma cidade com ruas limpas, mas tem um grande número de terrenos baldios. Um deles fica na mesma rua da Secretaria municipal de Saúde, no bairro Rodolfo Gonçalves, e quase ao lado do prédio da Vigilância Ambiental.— Já estivemos no local e está sob controle. Colocamos inseticida no entulho — informou o secretário interino, Alberto Henry.