O globo, n. 30123, 27/01/2016. País, p. 8

País tem mais de 4 mil casos de microcefalia

Júnia Gama

André de Souza

Um novo boletim que será divulgado hoje pelo Ministério da Saúde informa que o país já tem mais de 4 mil casos suspeitos de microcefalia relacionados ao vírus zika desde 2015. Cerca de 200 novos casos suspeitos estão sendo registrados todas as semanas. Os dados foram adiantados ontem por um ministro. O governo decidiu que Rio de Janeiro será o centro da estratégia de combate à doença até agosto, quando terão início as Olimpíadas.

O governo também prepara uma nova campanha de esclarecimento sobre a transmissão da doença, e vai trabalhar nesse material com o conceito de guerra ao Aedes aegypti. O slogan já está escolhido: “Um mosquito não é mais forte que um país inteiro”. A ideia é veicular a propaganda nos meios de comunicação de maior alcance — rádio e televisão — e nas redes sociais. Uma das ideias é dar exemplos de ações preventivas em programas de grande audiência na TV.

O mais recente boletim do ministério, apresentado na quarta- feira passada, apontava 3.893 casos suspeitos de microcefalia, entre confirmados, em investigação e até mesmo descartados. Desses, estavam confirmados seis casos de microcefalia com presença do vírus zika; Em 224, foi confirmada a microcefalia, mas apenas com a indicação de infecção pelo vírus. Outros 3.381 ainda estavam em investigação. Por fim, já havia 282 casos descartados. Em todo o ano de 2014, antes da epidemia atual, tinham sido registrados 147 casos.

 

PLANALTO TEME REDUÇÃO DO NÚMERO DE TURISTAS

O governo está muito apreensivo com o impacto da epidemia sobre as Olimpíadas, uma vez que alguns dos bebês nascidos com microcefalia nos Estados Unidos e na Europa, até agora, são de mães que passaram pelo Brasil. Até por isso, o combate intensivo no Rio é fundamental. É preciso ainda, segundo assessores da presidente Dilma Rousseff, evitar a redução do número de turistas e até mesmo de atletas no evento, já que agências internacionais de controle de doenças estão recomendado que somente se deve viajar ao Brasil em caso de extrema necessidade, o que resultaria em um fracasso para o governo e para a imagem do país.

Além do trabalho de exterminação e prevenção de criadouros do mosquito, seja em residências, prédios públicos ou demais áreas de convivência, o governo investirá em campanhas publicitárias para passar uma mensagem “forte e direta” sobre a necessidade de combater o zika, com destaque para as consequências que a propagação do Aedes pode trazer.

— A fotografia do zika serão os milhares de bebês com sequelas que poderiam ter nascido completamente saudáveis. Isso deve ser mostrado para que as pessoas tenham a dimensão do problema. O Brasil agora está em guerra — disse ontem um ministro.

O Ministério da Educação ficará responsável por uma campanha de conscientização das crianças em idade escolar. O Ministério do Planejamento cuidará dos prédios públicos de praticamente todos os municípios, como agências dos Correios e da Previdência Social, além de edifícios abandonados e terrenos baldios que possam acumular água e ser foco do mosquito.

Além da ação focada no Rio de Janeiro devido à estratégia de comunicação, o governo também decidiu que dará prioridade a uma relação de cerca de 110 municípios onde os casos têm crescido exponencialmente.

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Cinco países recomendam que mulheres evitem gravidez

Na batalha contra a zika, cinco governos de países do continente americano — Colômbia, Jamaica, República Dominicana, Equador e El Salvador — recomendaram em comunicados oficiais que mulheres em idade reprodutiva evitem engravidar nos próximos meses. Desde que o vírus se espalhou pela região, esses países lançaram mão de orientações rigorosas para a prevenção de casos de microcefalia em bebês. O alerta parte da comprovação de que há relação entre a microcefalia e o surto de zika, especialmente no Brasil.

Em El Salvador, o Ministério da Saúde sugeriu às mulheres adiar a gravidez por pelo menos dois anos. No país, 5.397 casos de contaminação foram registrados desde o ano passado. Ao todo, 96 grávidas podem ter contraído o vírus, mas até agora nenhuma teve bebê com microcefalia. Na Colômbia, onde há 560 confirmações de gestantes com a doença, o tempo recomendado de espera para engravidar foi de seis a oito meses.

Equador e República Dominicana alertaram para os riscos associados à microcefalia sem indicar prazos específicos. A Jamaica não registrou ainda ocorrências da zika, mas o governo também pediu que as mulheres atrasem a gravidez, já que é só uma questão de tempo para que o vírus chegue ao país. A Organização Mundial da Saúde ( OMS) afirmou, na segunda- feira, que todo o continente americano deve ser atingido, com exceção de Chile e Canadá.

Os pedidos para se evitar a gravidez provocaram críticas nas redes sociais e meios de comunicação, principalmente na Colômbia e em El Salvador. Movimentos pelos direitos das mulheres destacaram o alto índice de gestações não planejadas na região. Em meio à reação da opinião pública, a ministra da Saúde salvadorenha, Violenta Menjívar, amenizou o tom alarmista e disse que não defende um “controle de natalidade”, mas um alerta sobre os perigos.

 

NO BRASIL, MINISTRO PEDIU CAUTELA

Na última sexta- feira, o ministro da Saúde da Colômbia, Alejandro Gaviria, deixou aberta a possibilidade de que sejam permitidos abortos legais a gestantes que contraíram o vírus zika. Embora tenha afirmado que a mulher “deve decidir”, Gaviria disse que o aborto “não pode ser uma recomendação explícita do ministério”. Em El Salvador, a recomendação de autoridades da área da Saúde também reacenderam o debate sobre a legislação no país, que proíbe o aborto em todos os casos e prevê pena de 40 anos de prisão para quem realizá- lo.

No Brasil, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, disse em novembro que mulheres que desejam engravidar devem ter cautela. O diretor do Departamento de Vigilância Epidemiológica do ministério, Cláudio Maierovitch, também aconselhou que mulheres pernambucanas não engravidem. Em nota, o ministério diz que “considera que a gravidez é uma decisão pessoal, que deve ser avaliada e ponderada pela própria mulher, juntamente à sua família”.

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Derrota na guerra

EM MAIS um rasgo de sinceridade ( ou “sincericídio”?), o ministro da Saúde, Marcelo Castro, reconheceu que o país está “perdendo feio” a luta contra o mosquito Aedes aegypti. E não é de agora.

NA TENTATIVA de virar esta guerra, 220 mil soldados das Forças Armadas, em um determinado dia do mês que vem, visitarão todos os domicílios do país para instruir as pessoas sobre como eliminar focos do mosquito, e distribuir repelentes para as 400 mil grávidas inscritas no Bolsa Família.

VALE COMO ação de catequese, de mobilização, mas não passará disso se governadores, prefeitos e o próprio Executivo federal não derem sequência à campanha com ações concretas e constantes.

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Planalto manifesta apoio a ministro da Saúde após falas ‘ inconvenientes’

Júnia Gama

Simone Iglesias

Renata Mariz

Preocupada com notícias de que as falas “desastradas” do ministro da Saúde, Marcelo Castro, sobre a propagação do vírus zika no Brasil pudessem levar à sua demissão, a presidente Dilma Rousseff incumbiu ontem seus auxiliares de desmentir que o peemedebista está em risco. Declarações do ministro consideradas “inconvenientes” causaram incômodo no governo. Mas o Palácio do Planalto quer cuidar para que Castro não se sinta desprestigiado, para evitar atritos com a ala governista do PMDB que bancou sua indicação.

Como Castro foi indicado pela bancada do PMDB na Câmara, no fim do ano passado, para consolidar a maioria contrária ao impeachment, qualquer conflito poderia contribuir para o acirramento da disputa interna no PMDB, o que terminaria respingando no governo, dizem assessores do Planalto. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, ligou ontem para Castro e assegurou que ele ficará no cargo e que tem apoio do governo.

Ao sair em defesa do ministro ontem, o presidente da Frente Parlamentar da Saúde, Osmar Terra ( PMDB- RS), fez críticas ao governo, afirmando que ele, como um todo, não deu a atenção devida ao mosquito Aedes aegypti.

— Podem até criticar alguma fala do ministro, mas ele fez o que tinha de ser feito: decretou emergência nacional, disse que não podia resolver o problema sozinho, colocou a equipe do ministério para trabalhar. Marcelo Castro está aí há três meses. O governo Dilma está há cinco anos e não combateu o mosquito como devia — criticou.

Para Terra, a única maneira de minimizar a “tragédia” da microcefalia é investir pesado contra o Aedes:

— Se não colocar o gabinete de crise dentro da Casa Civil de verdade, e não só para sair na fotografia, as coisas não vão melhorar. É preciso retroescavadeira para enterrar o lixo, drone para mapear áreas de risco, milhões de homens na rua, e não 200 mil militares como foi anunciado. O governo está muito lento, tem obrigação de dar uma resposta melhor.

Castro é autor de frases polêmicas e seu estilo foge totalmente ao preferido pela presidente: o do ministro discreto e que fale o mínimo possível. Há uma constatação de que o ministro não lida bem com falas públicas. Mas que se cercou de bons técnicos e que não foi possível, ainda, medir propriamente seu desempenho à frente do ministério.

Em uma reunião no Palácio do Planalto, segunda- feira, na presença de toda a cúpula organizada para combater a proliferação da doença, Castro foi alertado por colegas de Esplanada de que não deveria ter dito que o Brasil “perde feio” a batalha contra o Aedes aegypti. Em sua declaração seguinte, o ministro suavizou a fala. Um ministro contemporizou, dizendo que todos falam "impropriedades" ocasionalmente.

— Ele está firme e forte. Não há hipótese de ser demitido.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), também defendeu o ministro.

— O mosquito não tem quatro meses. Querer culpar o Marcelo pela epidemia do mosquito é querer transferir um problema que não é dele. Com isso eu não concordo.