Com a crise, emprego doméstico é alternativa

 Antonio Temóteo, Marla Sabino e Isabella Alvim

A recessão em que o país está mergulhado tem levado milhões de brasileiros a perder as conquistas acumuladas nos anos de bonança econômica. Vera Lúcia Pereira, 35 anos, trabalhou oito anos como empregada doméstica até conseguir, em 2012, uma vaga como atendente de telemarketing. Como milhares de trabalhadores, ela ascendeu socialmente, beneficiada pelo aumento do consumo e da oferta de empregos. Com a crise, tudo mudou. A empresa na qual trabalhava cortou funcionários e ela foi dispensada. Para piorar, o marido, Cleidisson Silva, 27, que era vendedor, também foi demitido. A renda familiar, que chegava a R$ 2 mil, minguou para menos da metade de um salário-mínimo. 
Com as contas de água, de luz e de aluguel atrasadas, Vera passou a fazer bicos como faxineira e Cleidisson, a buscar uma vaga como caseiro. Sem renda, ela quer voltar a ser uma trabalhadora doméstica com carteira assinada. Prefere ser cozinheira ou arrumadeira. O marido quer ser caseiro para morar na casa dos patrões e tentar fugir da crise. “Com o aluguel alto do jeito que está, não sobra dinheiro pra mais nada. Não conseguimos comprar nem construir uma casa”, afirma. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o aumento da desocupação tem sido acompanhado pela elevação da quantidade de pessoas que trabalham como caseiros, motoristas, babás, jardineiros e faxineiros.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-Contínua) mostra que, em dezembro de 2012, a quantidade de domésticos começou a cair. Naquele mês, 6,1 milhões de brasileiros declararam que tinham uma ocupação em casas de família. Em março de 2013, o número encolheu para 6 milhões, e, em setembro de 2014, para 5,9 milhões. A queda tinha uma explicação. Diante da grande oferta de vagas no comércio, em empresas de serviços ou na construção civil, muitos trabalhadores puderam optar por empregos de maior qualificação. É o oposto do que acontece agora. Com a deterioração do mercado de trabalho, muitas pessoas estão fazendo o cominho de volta, e o número de empregados domésticos voltou a subir. Em 2015, ano que 1,5 milhão de pessoas ficaram desempregadas, a quantidade de domésticos chegou a 6 milhões, em junho, e a 6,2 milhões, em outubro.  

Contraste
A piauiense Aurineide Bastos de Negreiros Cardoso, 38 anos, migrou do sertão nordestino para Brasília com o marido em 2008 em busca de melhores condições de vida. Em São Raimundo Nonato (PI), ela trabalhou como doméstica, vendedora de roupas e balconista em uma farmácia, mas tinha uma renda que não ultrapassava R$ 411, o piso salarial da época. Na capital federal, conseguiu uma vaga no comércio e o salário mais que dobrou. Além dos R$ 880 fixos, Aurineide recebia uma comissão sobre as vendas. Em média, garantia R$ 1 mil por mês. 
A crise, porém, enfraqueceu as vendas. “Era muito complicado manter a família com salários incertos, porque as comissões diminuíram. Sem contar que isso gerava muita rivalidade entre os colegas de trabalho”, relembra. Aurineide trocou o emprego no comércio por uma vaga como doméstica. A piauiense passou por várias casas até se fixar em uma residência e garantir uma remuneração mensal de R$ 2 mil. “A situação está melhor. Agora tenho a segurança de saber que, se ficar desempregada, vou ter um dinheiro para receber”, diz. 
O economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), explica que a criação de vagas para faxineiros, caseiros, cozinheiras, babás e arrumadeiras contrasta com a realidade brasileira. Ele destaca duas hipóteses para explicar o aumento do número de domésticos. A categoria passou a ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores, como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), jornada de trabalho com garantia de horas extras e adicional noturno. Além disso, em muitos casos os empregados garantem alimentação e moradia. “A criação de empregos domésticos é positiva em um ambiente de alta desocupação. Se não houvessem patrões dispostos a contratar, a situação seria pior”, ressalta.
 
"Meu sonho era ser técnica de enfermagem, mas nunca consegui trabalhar na área
 
Correio braziliense, n. 19257, 15/02/2016. Economia, p. 06