O globo, n. 30123, 27/01/2016. Economia, p. 23

Alívio nas contas externas

Gabriela Valente

Daiane Costa

A alta do dólar e a recessão levaram as contas externas brasileiras, que abrangem todas as trocas de serviços, comerciais e financeiras do país com o resto do mundo, a apresentar déficit de US$ 58,9 bilhões em 2015, ou 3,32% do PIB, o mais baixo desde 2010, quando o Banco Central (BC) passou a registrar os dados. A queda foi de 43% em relação a 2014, quando o rombo chegou a US$ 104,18 bilhões ou 4,31% do PIB. O resultado foi ainda melhor que a expectativa do Banco Central (US$ 62 bilhões). De acordo com o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, o ajuste nas contas externas foi um dos mais relevantes desde 1947. Economistas ponderam, no entanto, que o ajuste externo, por enquanto, ocorreu graças principalmente a uma queda nas importações, reflexo do dólar alto e da recessão. Mas acreditam que uma provável retomada das exportações este ano deverá ajudar o país a sair da recessão.

— O melhor tipo de composição desse ajuste seria uma melhora das exportações com queda não muito grande das importações. E o que aconteceu foi as exportações com um desempenho menos pior do que as importações. A médio prazo, a queda da corrente de comércio, que é a soma das importações com as exportações, é ruim. Isso mostra que o país não está conseguindo conquistar mercado externo. As importações são importantes para você melhorar o investimento e a economia — analisa o economista- chefe do Banco ABC, Luis Otávio Leal

 

‘ GATILHO DA RETOMADA’

O setor externo ajudou a diminuir o tombo da economia brasileira no ano passado. Segundo Leal, o PIB poderia recuar 6,3%, em vez dos 3,8% previstos pelo banco e pelo mercado:

— Apesar do setor externo ser pequeno em relação ao tamanho da economia brasileira, é a esperança de ser o gatilho da retomada. Seja através do aumento das exportações por causa do câmbio mais favorável, seja pela queda das importações, que leva à substituição por insumos nacionais.

Para Leal, a Argentina pode ajudar a aumentar as exportações brasileiras, por ser um dos principais destinos das vendas de bens industriais brasileiros. Lia Valls, professora da Uerj e pesquisadora do Ibre/ FGV, diz que o Brasil também precisa investir mais nos mercados americano e de outros países vizinhos:

— A desvalorização cambial ajuda, mas só ela não é suficiente. É preciso melhorar a oferta competitiva dos produtos brasileiros. Não é viável que se faça o ajuste só na base da recessão. É preciso ganhar mais espaço no mercado americano que perdemos e nos vizinhos, com os quais temos acordo.

Mas o Brasil continua atrativo. No ano passado, o Brasil recebeu US$ 75,1 bilhões de investimento estrangeiro direto: 23% a menos que em 2014. Apesar de ser um resultado pior que o do ano anterior, o desempenho de dezembro surpreendeu. O BC esperava US$ 6 bilhões, mas entraram US$ 15,2 bilhões. Desses recursos, US$ 2 bilhões são para o setor elétrico. Com esse resultado, os investimentos que ingressaram no país cobriram todo o rombo das contas externas.

A tendência é que o ajuste continue em 2016. A projeção do BC é de um déficit de US$ 41 bilhões. O economista Paulo Eduardo Nogueira Gomes, da Azimut Brasil Wealth Management, acredita que o déficit pode ser ainda menor, caindo pela metade em relação a 2015, ficando em torno de US$ 30 bilhões. Para o Itaú, a combinação de fraqueza na atividade doméstica e câmbio mais depreciado deve fazer o déficit zerar em 2017. Na avaliação da economista chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, não fosse a inflação alta, o ajuste poderia ter sido ainda maior:

— A inflação alta reduz de alguma forma o poder da taxa de câmbio de ajustar as contas externas. Essa balança ainda vai crescer mais porque temos um processo recessivo ainda em curso.

Recessão que também fez as viagens internacionais caírem 32%. Foi a primeira queda em cinco anos. O gasto lá foi de US$ 17,4 bilhões.

— Este ano vai continuar caindo, mas não na mesma proporção de 2015. Um ajuste desse tamanho não deve se repetir neste ano — previu Maciel.

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Petróleo vai recuar 27% este ano, prevê Banco Mundial

Henrique Gomes Batista

Os preços das matérias primas continuarão em queda este ano e vão acentuar a desaceleração de países emergentes como o Brasil, alerta o Banco Mundial (Bird). Em seu relatório, “Perspectivas para os mercados de commodities”, divulgado ontem, o Bird prevê que as cotações do petróleo e do minério de ferro cairão pelo terceiro ano seguido. O documento aponta que o preço médio do barril do petróleo será de US$ 37 este ano, desvalorização de 27% em relação aos US$ 50,80 de 2015.

Ontem, a cotação do petróleo do tipo Brent fechou a US$ 31,80, alta de 4,26%. O banco Credit Suisse, em relatório distribuído a clientes ontem, estima que a cotação vai recuar para US$ 29,25 ainda neste primeiro trimestre. Antes, o banco estimava preço de US$ 51,25 no início de 2016.

O valor do petróleo afeta a arrecadação do governo federal e, de maneira ainda mais intensa, as finanças do Rio. A queda também pode comprometer a viabilidade do pré- sal, embora, a curto prazo, possa beneficiar a Petrobras, que mantém preços elevados na gasolina.

A projeção do Bird inclui a volta do Irã ao mercado de petróleo, após o fim dos embargos contra o país. O banco considera que o inverno no Hemisfério Norte foi ameno, reduzindo o consumo de óleo, e que há uma perspectiva de crescimento mais fraco em grandes mercados emergentes, incluindo o Brasil, que, diz o documento, sofre com o “aumento das incertezas políticas”.

“Os preços do petróleo caíram 47% em 2015 e deverão cair, na média anual, outros 27% em 2016”, afirma o relatório. “Há uma expectativa de recuperação gradual dos preços do petróleo durante o ano, pois a queda acentuada dos preços no início de 2016 não parece estar totalmente garantida pela demanda de petróleo, e a oferta pode sofrer uma pequena queda”. Os valores devem subir lentamente até chegar aos US$ 58,80 em 2020.

“Os preços do petróleo e das commodities tendem a ficar baixos por algum tempo”, ressaltou John Baffes, economista autor do relatório.

O preço do minério de ferro, um dos principais produtos exportados pelo país, terá a mesma tendência: era de US$ 55,80, em média, em 2015 e deverá ficar na casa dos US$ 42 neste ano. Depois, espera- se lenta recuperação, chegando a US$ 51 a tonelada em 2020.

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Dilma defende cooperação para vencer crise latino-americana

Fernanda Krakovics

No momento em que a região está sob o impacto da queda do preço das commodities e da desaceleração da China, a presidente Dilma Rousseff deve defender, hoje, em seu discurso na Cúpula da Comunidade de Estados LatinoAmericanos e Caribenhos (Celac), na capital do Equador, que os 33 países membro discutam saídas comuns para a crise econômica.

Dilma também deve defender a integração de projetos de infraestrutura e a cooperação para implementação e aperfeiçoamento de programas sociais. Escaldada com a dificuldade de obter resultados práticos no Mercosul, que reúne bem menos países, apenas seis, a presidente deve pregar que as nações que formam a Celac foquem no que as une, e não nas divergências.

— A questão do chamado super ciclo das commodities é uma realidade, e todos os países da região são afetados, assim como outras partes do mundo. Aqui (na Celac), o que estamos fazendo é discutir a situação do mundo hoje e criar, estreitar mecanismos de cooperação que nos ajude a crescer, a desenvolver, a incluir e superar as crises — disse o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que está participando de reuniões preparatórias do encontro.

O documento final da cúpula deve pedir que o Haiti conclua, o mais breve possível, suas eleições presidenciais e que isso seja feito em clima de tranquilidade. Na última sexta- feira, o conselho eleitoral haitiano adiou, pela terceira vez, o segundo turno das eleições, na tentativa de amenizar a escalada da violência.

 

BRASIL DEFENDE QUE CLIMA FIQUE DE FORA

O desacerto político entre a oposição e o governo desencadeou consecutivas manifestações populares na última semana. Durante os protestos, manifestantes lançaram pedras e incendiaram pneus, e a polícia respondeu com bombas de gás.

O Equador tenta incluir na declaração política da Celac uma agenda para 2020 com metas de redução da pobreza, erradicação do analfabetismo, compromissos climáticos, entre outros assuntos, mas diplomatas brasileiros afirmam que não há consenso e que isso não deve prosperar. Eles argumentam que já há metas estabelecidas pelas Nações Unidas e fixar novos compromissos no âmbito da Celac não faria sentido. Quanto aos compromissos climáticos, há dificuldade, especialmente, com a Nicarágua, que se opôs ao acordo firmado na Convenção do Clima em Paris, no fim do ano passado.

— As Nações Unidas acabaram de aprovar, em dezembro, e a presidente Dilma esteve na assembleia especial, os objetivos do desenvolvimento sustentável, que é Agenda 2030. E o primeiro item é justamente o combate à fome e à pobreza extrema — disse Vieira.