O globo, n. 30124, 28/01/2016. Opinião, p. 19

Desafios da microcefalia

Isabel Rey Madeira

A questão envolvendo a febre zika é crítica. As consequências em filhos de grávidas que tiveram a infecção justificam o alarme — está comprovado que o vírus provoca sequelas neurológicas nestes bebês. Não aprendemos com a dengue. A população tem sua parcela de culpa, mas os gestores públicos, em várias instâncias, são os grandes responsáveis pelas condições de insalubridade de nossas cidades. O controle dos focos do mosquito vetor é imperativo.

A microcefalia é o extremo do acometimento encefálico pelo vírus. O prejuízo da formação do cérebro durante o período intrauterino tem consequências futuras. A intervenção precoce promoverá o desenvolvimento neurocognitivo no máximo de suas potencialidades e, para tal, não se pode perder tempo.

Infelizmente, o sistema de saúde não está preparado para receber o volume de crianças comprometidas e que demandam cuidados específicos. Mesmo antes da epidemia, o enorme grupo de crianças com necessidades especiais por outros acometimentos já não recebia a devida assistência, havendo inclusive desmantelamento de serviços públicos especializados.

Há necessidade de equipes multidisciplinares, a exemplo das que cuidam de recém- nascidos de alto risco por outras causas, mas estas já eram em número insuficiente para o panorama anterior. Existe a máxima urgência de se mobilizar pediatras, os únicos aptos a detectar pequenos e precoces desvios da normalidade. Pois é também importante o seguimento dos bebes que a principio se mostrarem normais.

Os bebês normais nascidos das gestantes que foram expostas a esse período epidêmico devem ser poupados de procedimentos desnecessários e nocivos. A questão é que esses pediatras, por opção de política pública, não fazem mais parte de muitas das equipes de cuidados primários à criança. Cursos relâmpagos de capacitação de profissionais que não sejam pediatras não surtirão efeito, tamanha a complexidade. Cabe a esse profissional, junto à equipe multidisciplinar: realizar história, exame físico; fazer diagnóstico funcional; relacionar a causa orgânica com a falta de aquisição de funções; contraindicar procedimentos em algumas condições; indicar exames; encaminhar para outras especialidades médicas; indicar muletas, andador, cadeira de rodas, órteses; definir quais setores atenderão à criança; discutir medidas para minimizar complicações; indicar procedimentos cirúrgicos que propiciem ganho funcional.

A grande diferença deste especialista para qualquer outro profissional está na sua formação. Seis anos de Medicina seguidos de, no mínimo, dois anos de especialização em pediatria.

A lição para os próximos anos é que crianças têm de ser assistidas por profissionais capacitados para tal: os pediatras. Esta situação não pode ser mais uma abafada por outros problemas que surgirão, e a substituirão na ordem do dia.