O Estado de São Paulo, n. 44.681, 16/02/2016. Metrópole, p. A14

Zika e microcefalia têm ligação, diz Castro

Ministro afirmou que governo ‘não tem nenhuma dúvida’ da relação, mas não sabe se há fatores contribuintes; ‘bolsa repelente’ não tem prazo

Por: Isadora Peron/ Carla Araújo

 

O ministro da Saúde, Marcelo Castro, afirmou ontem que o governo não tem “nenhuma dúvida” sobre a relação entre a epidemia do vírus da zika e o aumento do número de casos de bebês com microcefalia no País.

“Não há nenhuma dúvida de que a epidemia de microcefalia que nós estamos vivendo hoje tem como causa direta a epidemia do vírus zika. Onde é que está havendo epidemia de microcefalia hoje no Brasil? Onde teve epidemia de zika”, afirmou

Nas últimas semanas, têm aumentado os questionamentos sobre se os casos de má-formação craniana em recém-nascidos teriam relação com o vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. Surgiram teorias como a de que o surto poderia ter sido causado pelo larvicida Pyriproxyfen, aprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o que foi negado pelo ministério.

Para o ministro, o único ponto que não está completamente explicado é se há algum fator contribuinte, além do vírus da zika, que ajude a desencadear a microcefalia nos bebês. “Como é a primeira vez que está acontecendo na história da humanidade, nenhum cientista, de nenhuma parte do mundo, tem ainda a resposta para isso”, afirmou.

Em novembro do ano passado, o Ministério da Saúde confirmou, pela primeira vez, a relação entre a epidemia de microcefalia e a infecção pelo zika. O Instituto Evandro Chagas, do Pará, identificou a presença do vírus em exames feitos em uma criança do Ceará que nasceu com a má-formação e outras doenças congênitas.

Segundo o último boletim epidemiológico divulgado pelo governo, foram confirmados 462 casos de microcefalia no Brasil desde outubro. Dentro desse total, 41 têm relação com o vírus da zika. No boletim anterior, do dia 2, eram 17, o que representa aumento de 141%.

 

Repelentes. Apesar da certeza manifestada pelo ministro da Saúde sobre a relação entre o vírus e a microcefalia, Castro não deu um prazo sobre quando o governo vai começar a distribuir repelentes às grávidas inscritas no Bolsa Família.

Segundo ele, o acordo já foi fechado com os fabricantes dos produtos, mas só será colocado em prática quando as empresas tiveram capacidade de fornecer grande quantidade de repelentes sem que isso provoque desabastecimento no País.

___________________________________________________________________________________________________

Novo teste detecta presença do vírus em10 minutos

Por: Luísa Martins
Um teste que detecta quase instantaneamente a presença do vírus zika no organismo teve registro concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De acordo com a fabricante, a empresa canadense Biocan Diagnostics INC, o resultado desse exame é conhecido 10 minutos após a aplicação.
Voltado para a triagem rápida de pacientes, o teste mostra se o sangue contém os anticorpos IgG. Em caso positivo, é possível concluir que a pessoa teve a doença, ainda que o vírus já tenha sido eliminado. O exame também identifica os anticorpos IgM, que sinalizam a fase aguda da doença. Este é o quarto produto autorizado pela Anvisa para o diagnóstico da zika e o terceiro capaz de, mesmo após a eliminação do vírus, concluir se o paciente foi infectado. Em nota, a Biocan não informou o valor do produto nem quando passará a vendê-lo no País. /LUÍSA MARTINS
_________________________________________________________________________________________

ENTREVISTA - Jorge Osorio

pesquisador da Universidade de Wisconsin-Madison
Por: Giovana Girardi
 
‘Surto ainda é muito recente na Colômbia’

Especialista no combate à dengue naquele país diz que é cedo para descartar microcefalia e pede estudos com Brasil

Giovana Girardi

 

Segundo país com mais casos de infecção por zika nas Américas, a Colômbia anunciou, no fim da semana passada, que pelo menos 5 mil grávidas estão infectadas, mas nenhum caso de microcefalia relacionado à infecção foi relatado até o momento. A situação vem alimentando suspeitas de que o problema possa ser localizado no Brasil e, desse modo, a causa talvez possa ser outra que não o vírus que assusta o País.

Para o pesquisador colombiano Jorge Osório, da Universidade de Wisconsin-Madison, dos Estados Unidos, e um dos especialistas no combate à dengue em seu país, ainda é muito cedo para descartar que o problema também possa aparecer por lá. Ele defende que sejam feitos estudos cruzados, comparando gestantes brasileiras e colombianas, para tentar esclarecer essas questões. De todo modo, disse, é preciso cautela para tirar qualquer conclusão, porque a epidemia ainda é muito recente e não há informações suficientes.

 

Depois do Brasil, a Colômbia é o país com mais casos de zika na América, com 31.555 pessoas infectadas até sexta-feira. Por que se acredita que aqui tenhamos microcefalia e lá não?

Há várias hipóteses que podemos considerar, mas todas ainda estão em investigação. A primeira é que as infecções na Colômbia são mais recentes que no Brasil. No País, os registros começaram a ser feitos em maio de 2015, mas possivelmente as primeiras infecções sejam de antes disso. E os casos de microcefalia no Brasil não foram reportados imediatamente, mas pelo menos seis meses depois. Na Colômbia acredita-se que a epidemia começou somente em outubro. É provável que o pico de infecção esteja acontecendo agora. Então pode aparecer mais para frente. Acredita-se também que é provável que a microcefalia tenha a ver com o período de gestação em que acontece a infecção por zika. A suspeita é de que o risco maior seja no primeiro trimestre de gestação. Então talvez parte das mulheres colombianas tenha sido infectada depois do primeiro trimestre e já estivesse com a gestação avançada quando pegou zika.

 

Na semana passada, foi relatado o caso de uma europeia que teve zika e só viu no ultrassom da 29ª semana de gestação traços de que o bebê tinha algum problema. Só na 32ª semana se constatou a microcefalia. Com base nisso, pode ser que seja cedo para detectar o problema nas grávidas da Colômbia?

Exatamente. Temos de ser cautelosos porque ainda não temos informações suficientes na Colômbia e temos de esperar porque é provável que só saberemos com certeza quando essas mulheres tiverem os seus bebês. É importante fazer um monitoramento de perto dessas mulheres para saber se está acontecendo algo.

 

Isso já está sendo feito pelo governo colombiano?

O governo tem um programa de monitoramento de zika e está em contato com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) para fazer isso (especialistas do CDC chegaram ao país na semana passada). Nosso grupo está fazendo um estudo na cidade de Sincelejo, onde até agora temos cerca de 50 mulheres grávidas infectadas com zika que estão sendo monitoradas mensalmente com ultrassom. Há outros estudos sendo feitos também com mulheres nessa situação.

 

E quais o senhor acredita que são as outras possibilidades para não haver microcefalia lá? Também pode haver fatores ambientais do Brasil ou outras infecções que tenham algo a ver com os casos de microcefalia. É importante investigar esses outros fatores.

 

Como é possível checar isso?

Seria muito valioso e importante fazer um estudo comparativo de monitoramento de grupos de mulheres grávidas infectadas pelo zika no Brasil e na Colômbia para ver como elas se desenvolvem e se pode haver um fator único que resulte na microcefalia. São estudos que precisam ser propostos para ver se conseguimos levantar fundos para realizá-los.

 

O senhor acredita que existe alguma possibilidade de esse ser um problema somente do Brasil?
Simplesmente não temos como saber isso agora. É uma infecção muito recente e demanda muitos mais estudos para entender melhor o problema. Mas temos de considerar todas as possibilidades.
_______________________________________________________________________________________________________

EUA transferem funcionários de áreas com vírus

Por: Cláudia Trevisan
Seis funcionários de embaixadas dos EUA em países que registram epidemia de zika pediram para deixar seus postos em razão de temor dos efeitos da doença em grávidas de suas famílias. O Departamento de Estado não revelou se o Brasil está entre os países afetados pela decisão, que também abrange 14 familiares dos servidores.

Segundo o governo americano, os pedidos de transferência foram registrados em países para os quais o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) emitiu alertas de viagem. A instituição recomenda que mulheres grávidas evitem nove países da América do Sul: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai, Suriname e Venezuela.

Segundo reportagem do jornal The New York Times, o Departamento de Defesa dos EUA também ofereceu a seus funcionários civis e militares a possibilidade de serem transferidos se houver grávidas entre seus familiares. O CDC sugere que as pessoas que viajarem para áreas afetadas pelo zika usem repelentes e roupas que cubram braços e pernas. Os homens casados com mulheres grávidas devem usar preservativos nas relações sexuais se viajarem para uma das regiões onde o vírus se propaga.

Cerca de 40 milhões de pessoas transitam por ano entre os Estados Unidos e os países que registram o vírus zika. Além do elevado número, a maioria dos infectados não tem sintomas da doença, o que torna ineficaz a verificação de saúde nos aeroportos. / CLÁUDIA TREVISAN

_______________________________________________________________________________________________________

Pesquisa sequencia genoma e vê síndrome congênita ligada a vírus

Grupo encontra o zika em cérebro de 2 crianças que morreram na Paraíba; estudo do PR também vê relação
Por: Clarissa Tomé

 

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciaram que fizeram pela primeira vez no Brasil o sequenciamento completo do genoma do vírus da zika encontrado no líquido amniótico de grávidas de Campina Grande, na Paraíba. O estudo será publicado na revista científica Lancet. A pesquisa abre caminho para o entendimento do comportamento do vírus no organismo e para o desenvolvimento de vacinas e terapias.

Dois dos oito bebês acompanhados em Campina Grande depois que exames revelaram má-formação cerebral morreram. No cérebro das crianças, os cientistas isolaram o vírus. A descoberta foi feita no sábado e revelada pelo jornal O Globo. “O que causou maior surpresa foi a permanência a longo prazo do vírus no organismo da criança, durante a gestação inteira, em contraste com casos que já tínhamos visto no Recife, em que não se conseguiu isolar o vírus após o nascimento”, afirmou o pesquisador Amílcar Tanuri, do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, que fez o sequenciamento do genoma do zika no líquido amniótico. “Agora vamos analisar o perfil da expressão dos genes das células nervosas alteradas pelos vírus.”

Na próxima etapa, os cientistas vão também sequenciar o genoma do vírus encontrado no cérebro para comparar com o achado no líquido amniótico. “É mais uma pecinha que de encaixa nesse quebra-cabeça”, diz o virologista Rodrigo Brindeiro, também da UFRJ.

O grupo do qual Brindeiro e Tanuri fazem parte quer agora sistematizar os dados para descrever o que eles chamam por ora de síndrome congênita da zika. Nessa síndrome, a microcefalia é apenas um dos sintomas. Os bebês que passaram por necropsia, por exemplo, tinham perímetro encefálico considerado normal.

 

Paraná. Outro estudo, realizado por cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), também identificou a presença do vírus da zika no cérebro de dois bebês que nasceram com microcefalia. As análises foram feitas com base em amostras de tecidos de fetos que morreram em 2015.

_______________________________________________________________________________________________________

Estudo sugere que microcefalia pré-zika foi subnotificada

Os casos de microcefalia ocorridos antes da chegada do vírus zika ao Brasil podem ter sido muito mais numerosos do que as ocorrências notificadas pelo Ministério da Saúde, de acordo com um estudo feito na Paraíba e publicado há 10 dias em um boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O estudo, feito ao longo de quatro anos por cientistas do Círculo do Coração de Pernambuco, em parceria com a Secretaria de Saúde da Paraíba, avaliou bases de dados oficiais com informações de mais de 100 mil bebês nascidos naquele Estado. No entanto, os registros de apenas 16 mil bebês incluíam dados sobre o peso e a circunferência do crânio - o principal indicador para a microcefalia. Os dados foram divulgados pelo jornal Folha de S.Paulo.

De acordo com o estudo, coordenado por Sandra Mattos, a equipe esperava encontrar três ou quatro casos de microcefalia por ano, antes da chegada do vírus. Mas ao fazer uma revisão minuciosa da circunferência da cabeça dos bebês, descobriram que os números podem ser até mil vezes maiores.

Pelo estudo, até 8% dos bebês nascidos entre 2012 e 2015 se encaixavam nos critérios de diagnóstico de microcefalia. Projetando esse porcentual para todos os bebês nascidos na Paraíba, o estudo conclui que o Estado pode ter até 4 mil casos de microcefalia por ano. “Essas descobertas levantam questionamentos sobre diagnóstico e notificação”, diz o estudo.