Valor econômico, v. 16, n. 3968, 22/03/2016. Política, p. A5

PF PREVÊ INTERFERÊNCIA DE ARAGÃO NA LAVA-JATO

Por André Guilherme Vieira e Letícia Casado | De Curitiba e Brasília

 

O ministro da Justiça, Eugênio Aragão, sinalizou que vai afastar da Operação Lava-Jato delegados que atuam na linha de frente da operação em Curitiba, base das investigações que tramitam na primeira instância da Justiça Federal do Paraná, sob a responsabilidade do juiz Sergio Moro. A informação foi apurada pelo Valorcom fontes a par das conversas iniciadas com a direção da Polícia Federal (PF) assim que o novo ministro assumiu a Pasta.

Há divergências dentro da PF sobre o significado das mudanças. Parte dos integrantes da corporação acredita que a troca dos investigadores pode comprometer o andamento da Operação. Outros apostam que não haveráeste tipo de interferência.

Aragão já conversou com uma série de delegados executivos, que respondem pela administração das superintendências regionais da PF nos Estados.

Uma das cabeças pedidas por Aragão seria a do diretor de Combate ao Crime Organizado da PF paranaense, o delegado Igor Romário de Paula. As críticas feitas por governistas ao polical se ampliaram à medida em que a Lava-Jato avançou sobre acusados de operar propinas para o PT, como o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, já condenado a 15 anos e 4 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro com recursos da Petrobras. Integrantes do governo costumam se referir ao delegado como "aquele policial tucano"- atribuindo motivações de ordem política à atuação da PF.

O ministro da Justiça também quer a transferência do superintendente regional da PF no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco. Chefe da PF paranaense, o delegado é descrito por investigadores como um dos principaisresponsáveis pelo sucesso obtido pela Lava-Jato até agora. A ele é atribuída a melhora da estrutura humana e de material para o trabalho de investigação, da qual dependem delegados e agentes da PF. A Lava-Jato conta com milhares de documentos que precisam ser submetidos à perícia técnica para que sejam validados como provas nos autos.

Aragão, que foi nomeado à Pasta em substituição a José Eduardo Cardozo, indicou ao diretor-geral da Polícia Federal (PF), Leandro Daiello Coimbra, que defende ainda a troca de outros delegados que atuam nas investigações sobre corrupção e lavagem de dinheiro desde a deflagração da Lava-Jato, ocorrida em março de 2014. O argumento é que os investigadores estariam à frente dos procedimentos há muito tempo e que isso estaria "interferindo" na formação de juízo sobre as evidências encontradas nas apurações.

A própria permanência do atual diretor-geral no cargo já não é dada como certa. A transferência de Daiello para a missão diplomática de adido policial na Itália - prevista para ocorrer após o fim das Olimpíadas no Brasil - poderá ser antecipada.

Alguns nomes já aparecem como candidatos a suceder Daiello no comando da PF. O do superintendente regional em São Paulo, Disney Rosseti e o do diretor-executivo da PF nacional, Rogério Augusto Viana Galloro - atual número 2 na instituição. Ambos são vistos como delegados de perfil discreto. Também foi citado Roberto Troncon, que foi superintendente da PF em São Paulo, diretor de Combate ao Crime Organizado e que atualmente atua como adido policial em Londres.

A ingerência direta na base policial que conduz a Lava-Jato é avaliada como uma medida efetiva para barrar ou, ao menos, reduzir consideravelmente o ritmo das investigações, que chegaram ao coração dos Poderes Legislativo e Executivo e expuseram Dilma Rousseff. A presidente foi flagrada em escuta telefônica de Lula demonstrando preocupação em empossar seu antecessor no Ministério da Casa Civil - investindo-o de privilégio de foro e permitindo que fique imune à atuação da Lava-Jato na primeira instância, segundo investigadores.

A PF é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça, a quem cabe a escolha do diretor-geral da instituição. Ao contrário dos membros do Ministério Público, que contam com Lei Orgânica e garantias constitucionais, como a de não ser transferido de cidade, policiais e delegados da PF estão sujeitos a decisões de cunho político.

Três fontes da PF, contudo, dizem apostar que eventuais mudanças no comando da operação não afetarão o desenrolar da Lava-Jato, pois os delegados do caso, mesmo se trocados, terão de atuar em conjunto com oMPF e estarão sujeitos às decisões de Moro. "Um novo delegado faria o que? Sumiria com os papéis dos inquéritos?", ironizou um dos interlocutores.

Em Brasília, as declarações do novo ministro da Justica foram interpretadas como um recado aos investigadores: ou Daiello coloca um freio na superexposição que a operação ganhou será afastado.

Um eventual enfraquecimento da Lava-Jato é do interesse do mundo político - governo e oposição, ambos sob investigação, ainda que em medidas diferentes - e não apenas do PT. A condução coercitiva de Lula no começo do mês e o levantamento do sigilo das conversas grampeadas do ex-presidente na semana passada criaram a sensação de que, cedo ou tarde, todos serão atingidos.

Em nota, o Ministério da Justiça informou que Daiello "continua gozando de plena confiança por parte do ministro da Justiça e não há nenhuma decisão sobre a sua substituição".

A vigília feita nesta madrugada em frente à casa de Lula por militantes petistas foi vista como outro recado para os investigadores da Lava-Jato de que tampouco será fácil manter o aspecto a politizado que a operação ganhou nas últimas duas semanas. "Para cumprir um eventual mandado de busca e /ou prisão a PF precisaria levar o choque para entrar no prédio do Lula", diz uma fonte da PF, para quem "na prática, a mudança de delegados não é definitiva para influenciar a Lava-Jato", mas sim o momento para se discutir a autonomia da instituição".