O Estado de São Paulo, n. 44.683, 18/02/2016. Metrópole, p. A4

Para defender Lula, petistas entram em conflito nas ruas e com promotor

Após PT conseguir suspender depoimento do ex-presidente, militantes e grupos contrários ao líder do partido se enfrentam em São Paulo; procurador-geral de Justiça contesta decisão e responsável pela investigação do tríplex diz que Lula não está acima da lei
Por: Ricardo Galhardo / Ana Fernandes

 

O PT saiu ontem em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em várias frentes com ações nas ruas, redes sociais, por meio das bancadas do partido no Congresso e na Justiça.

O partido conseguiu no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) suspender o depoimento de Lula para explicar o caso do tríplex no Guarujá marcado para ontem e partiu para o confronto contra o promotor Cassio Conserino, responsável pela investigação.

Em contrapartida, o PT enfrentou a reação institucional do procurador de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, que, em nota, defendeu o promotor e contestou a decisão do CNMP.

A suspensão do depoimento de Lula e de sua mulher, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, foi determinada em caráter liminar pelo conselheiro do CNMP Valter Shuenquener de Araújo atendendo a um requerimento do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), vice presidente nacional do PT. Teixeira argumenta que Conserino deveria ter enviado o caso para distribuição em vez de assumir a investigação.

Na ação, o deputado acusa o promotor de “perseguição política” contra Lula.

Conserino virou alvo do PT desde que disse em entrevista à Veja que vai oferecer denúncia contra Lula antes mesmo de ouvir a defesa do ex-presidente. “Esse promotor saiu desmoralizado”, disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) em um vídeo publicado no Facebook.

Ontem, Teixeira capitaneou excursão de 22 deputados federais petistas ao Instituto Lula, em São Paulo. Eles deveriam escoltar o ex-presidente no depoimento, mas, com a decisão do CNMP, foram apenas prestar solidariedade ao petista.

Uma ação coordenada do PT nas redes sociais levou a hashtag #PovoComLula ao topo do Twitter no Brasil.

O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, convocou a militância petista a participar de “comitês de resistência e esclarecimento” sobre as investigações contra Lula nas suas respectivas comunidades.

Mais de 2 mil pessoas, segundo a organização, foram à porta do Fórum Criminal da Barra Funda, onde deveria ocorrer o depoimento, para defender o ex-presidente. A manifestação terminou em pancadaria com militantes de grupos antipetistas e a Polícia Militar. A mobilização atende à convocação feita pelo presidente do PT, Rui Falcão, na segunda-feira.

Quase todas as falas e manifestações apontavam Conserino como responsável por um ataque à democracia e ao estado democrático de direito por supostamente prejulgar Lula.

A reação veio em um pronunciamento de sete minutos feito pelo promotor no auditório do Ministério Público e de uma nota de 23 linhas escrita por Elias Rosa. No texto, o procurador de Justiça afirma que “confia nos acertos de atuação” do promotor, chama atenção para a “singularidade” da decisão do CNMP, afirma que a Constituição restringe o poder do conselho quanto à “interferência nas funções de execução” do Ministério Público e reafirma que a investigação contra o ex-presidente Lula vai prosseguir.

Petistas, em conversas reservadas, interpretam a reação de Elias Rosa como mais um lance na disputa pela sua sucessão. Em abril o Ministério Público do Estado vai escolher no novo procurador de Justiça.

Já Conserino, que se limitou a ler um documento, disse que “ninguém está acima da lei”.

Segundo Paulo Teixeira, o mesmo raciocínio vale para o promotor. “Entendo as circunstâncias que o procurador de Justiça vive dentro do MP. Minha intenção é fazer prevalecer a Constituição. O presidente Lula não está acima da lei, mas o promotor também não está”, disse o deputado.

Segundo Teixeira, o objetivo da ação não foi trancar a ação, mas apenas redistribuí-la. O mérito será julgado pelo plenário do CNMP.

 

Resposta. Na conversa com os deputados que foram ao instituto, Lula ensaiou uma resposta para o caso do sítio que frequente em Atibaia, pertencente a sócios de seus filhos, alvo de investigação da Operação Lava Jato.

Segundo relatos, ele disse que não vê “mal algum” em usar o local e se queixou de que agora “não pode mais ir na casa de ninguém”. O PT ainda aguarda uma resposta mais consistente.

O sítio em Atibaia entrou no alvo da Lava Jato por causa de suspeitas de que empreiteiras envolvidas no esquema de desvios na Petrobras tenham bancado a reforma do imóvel.

Já a investigação do apartamento no Guarujá é desdobramento de um inquérito aberto pelo MPE em 2010 para investigar a Bancoop, responsável pela construção do prédio. O MP investiga suposta ocultação de patrimônio do ex-presidente. Lula nega ser dono do tríplex.

 

IMBRÓGLIO

Inquérito

A investigação sobre o tríplex no condomínio Solaris, no Guarujá (SP), tem origem em um inquérito aberto em 2010 no âmbito da Promotoria paulista para apurar suspeitas de desvios de recursos da Cooperativa Habitacional dos Bancários do Estado de São Paulo (Bancoop). Depois desse inquérito, que resultou em denúncia criminal, a Promotoria paulista abriu outra investigação sobre oito empreendimentos da Bancoop assumidos pela empreiteira OAS. Um desses empreendimentos é o condomínio Solaris.

 

Opção de compra

Em 2005, a mulher de Lula, Marisa Letícia, adquiriu a opção de compra de uma unidade do condomínio, mas, segundo o Instituto Lula, desistiu de ficar com o tríplex. Em 2014, conforme o instituto, quando o edifício estava concluído, Lula e Marisa, acompanhados de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, visitaram o apartamento, mas não aprovaram o imóvel no estado em que estava. Em novembro de 2015, Marisa assinou o termo da Bancoop requerendo sua “demissão” do empreendimento, de acordo com o Instituto Lula.

 

 

Intimação

No fim de janeiro, o promotor de Justiça Cássio Conserino, do Ministério Público de São Paulo, intimou o ex-presidente Lula e Marisa Letícia para prestarem depoimento, como investigados, sobre o tríplex no condomínio Solaris. A Promotoria, que investiga quem é o real dono do apartamento na praia, suspeita que o imóvel pertença a Lula.

 

Representação

O deputado Paulo Teixeira (PTSP), em representação ao Ministério Público de São Paulo, afirmou que Conserino violou regras de atribuição e distribuição de processo de investigação. O deputado cita entrevista do promotor na qual ele anuncia, antes de ouvir Lula e Marisa, que ambos “serão denunciados”.

 

Depoimento suspenso

O conselheiro do Ministério Público Valter Shuenquener de Araújo suspendeu a audiência marcada pelo promotor Cassio Conserino para ouvir o ex-presidente Lula, que ocorreria ontem. Em seu despacho, o conselheiro deferiu parcialmente o pedido de liminar apresentado por Paulo Teixeira.

 

Reação

Cássio Conserino informou que vai ao Conselho Nacional do Ministério Público para obter revisão urgente da liminar que suspendeu audiência de Lula. Segundo o promotor, “ninguém está acima e à margem da lei”.

 

Ministério Público paulista

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, defendeu a atuação dos promotores que investigam o ex-presidente Lula. Ele alertou que a Constituição não autoriza o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a interferir nas “funções de execução” dos promotores de Justiça.

 

Prazo

O conselheiro Valter Shuenquener de Araújo, que decretou a suspensão do depoimento do ex-presidente Lula no inquérito sobre o tríplex, deu prazo de 15 dias para que a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo preste informações sobre a investigação. Com os dados do Ministério Público paulista em mãos, o conselheiro levará o caso à apreciação do Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público.

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Conselheiro diz que não agiu para ‘blindar’ ex-presidente

Por: Luisa Martins

 

Conselheiro responsável por suspender o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Ministério Público de São Paulo, o juiz federal Valter Shuenquener de Araújo, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), disse ontem que atuou para “evitar problemas futuros e uma eventual alegação de nulidade do processo”. E rejeitou ter agido motivado para “blindar” o petista de prestar esclarecimentos.

“Se há uma indefinição sobre qual órgão do MP deve investigar o caso, penso que entre agir de forma afobada e esperar, na pior das hipóteses, um mês para que se tenha uma definição mais precisa, é mais prudente esperar”, afirmou ao Estado.

Ele admitiu que já imaginava a repercussão do caso, uma vez que “a sociedade espera ansiosamente pelo pronunciamento do ex-presidente”. Acrescentou ainda que sua decisão não teve teor político. “Não fui e não sou do PT. E nunca tive relação nenhuma com o PT, nem com o PSDB. Nunca tive vinculação partidária na minha vida.”

“Há uma controvérsia jurídica que gera dúvidas. Por um lado, o CNMP tem uma resolução que legitima a adoção do procedimento por eles adotado. Por outro, a lei orgânica do MP paulista, junto a um posicionamento do Supremo, leva a uma conclusão de que toda e qualquer investigação deve estar submetida à livre distribuição, de modo que não haja direcionamentos.”

Em setembro do ano passado, depois de ser sabatinado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, teve, por unanimidade dos 26 votos, o nome aprovado para compor o CNMP. Elogiado por membros da oposição ao governo Dilma Rousseff, teve apoio de senadores de PMDB, PR, PRB, PSC, PSDB e PT.

Shuenquener afirmou que na próxima terça-feira a liminar será apreciada em plenário no CNMP. Os conselheiros devem decidir se o promotor Cassio Conserino, responsável pela investigação, poderá ou não seguir à frente do caso. Segundo o juiz, o mérito deverá ser julgado, no máximo, até 15 de março.

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