O Estado de São Paulo, n. 44.686, 21/02/2016. Economia, p. B8

Para governo, teto de gasto público será um marco

Na avaliação da Fazenda, limitar as despesas da União é mais eficiente no Brasil do que a fixação de um teto para a dívida pública
Por: Adriana Fernandes

 

A fixação de uma barreira legal para a expansão do gasto público, conforme anunciado na sexta-feira pelo governo, é fundamental na estratégia desenhada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para tentar trazer de volta o equilíbrio das contas do governo nos próximos anos e afastar a desconfiança que ronda o País e ameaça a retomada do crescimento econômico.

Se aprovado pelo Congresso, a introdução de um teto para as despesas do Orçamento da União, no arcabouço regulatório da política fiscal brasileira, representará a primeira grande reforma no controle das despesas desde a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), há quase 16 anos.

A LRF representou um marco nas contas públicas, mas não foi capaz de barrar o rombo histórico das finanças da União, Estados e municípios, o que recolocou novamente dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública do País.

O teto de gastos proposto pela Fazenda virá acompanhado de uma banda de flutuação da meta fiscal, medida que sofre grande resistência do mercado financeiro, que vê na mudança mais uma tentativa de afrouxamento fiscal do governo da presidente Dilma Rousseff.

Mas a aposta do ministro e de sua equipe é de que, com “muita explicação e paciência”, será possível mostrar que esse é o melhor caminho para colocar os gastos nos trilhos.

O argumento é de que outros países em situação de estresse econômico, como o vivido hoje pelo Brasil, adotaram uma flexibilidade para acomodar a queda de receitas. “O problema seria fazer e não ter uma solução duradoura com medidas estruturais”, disse um integrante da equipe econômica.

O modelo não chega a ser totalmente semelhante ao sistema de metas de inflação, no qual há uma margem de tolerância para baixo e para cima em relação ao centro da meta para o IPCA – o índice oficial de inflação. Na banda fiscal, se a receita for maior que o projetado no Orçamento, o superávit primário será maior. Já se a arrecadação frustrar, como tem ocorrido recorrentemente nos últimos três anos, o resultado fiscal poderá ser menor.

O sistema de teto para o gasto é adotado por vários países, entre eles Estados Unidos e países europeus. Muitos não adotam uma meta de resultado primário – a economia para o pagamento de juros da dívida, mas têm o teto como regra fiscal.

No Brasil, o governo vai manter a fixação de uma meta central porque o nível de endividamento é muito elevado. “Quando se fixa a despesa e deixa a receita flutuar, já se tem um sistema anticíclico de saída”, disse o representante da equipe econômica. “Tem de ter a meta de resultado primário com uma meta de gastos.”

 

Sinal. O efeito do teto não será imediato, mas a aposta do governo é de que a sinalização de trajetória trará impacto nas expectativas no curto prazo. O Ministério da Fazenda avalia que o foco só na meta de superávit primário não cabe mais no quadro brasileiro.

Um dos problemas da meta é que o Congresso acaba elevando a previsão de receita para acomodar a criação de novas despesas. Dessa forma, a discussão sobre o gasto acaba ficando solta. “Sempre tem uma receita que justifica um gasto”, disse a fonte. Com teto fixo para as despesas, a receita pode aumentar que o gasto não poderá ser expandido.

Por razões federativas dos Estados, a intenção inicial é que o teto entre em vigor apenas para as contas da União.

O ministro considera o teto do gasto mais eficiente no Brasil do que a fixação de um limite para a dívida pública, como prevê proposta em tramitação no Congresso do senador José Serra (PSDB-SP). Isso porque, num País como o Brasil, a dívida pode flutuar muito rapidamente no curto prazo por motivos alheios à decisão fiscal, como variação de taxa de câmbio, taxa de juros e até mesmo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que pode criar “esqueletos”, como são chamados passivos fiscais.

Na hipótese de um furo do teto, quando o gasto for excessivo, automaticamente será acionada uma cláusula de redução dos gastos para o ano seguinte, para operar numa sequência, como a suspensão de novas desonerações, de aumento de despesas de custeio e discricionárias, concursos públicos, e alta real do salário do funcionalismo.

 

PRESTE ATENÇÃO

1. Modelo não é totalmente semelhante ao do sistema de metas de inflação, onde há margem de tolerância para cima e para baixo em relação ao centro da meta. Na banda fiscal, se a receita for maior que o projetado no Orçamento, o superávit será maior, e se for frustrante, o superávit será menor.

2. Com o teto fixo para as despesas, a receita pode aumentar que o gasto não poderá ser expandido.

 

TRABALHO DURO

● Orçamento para este ano prevê cortes emergenciais e a proposta de reformas estruturais de médio e longo prazos

 

Medidas emergenciais

Corte é o menor desde 2010 -  R$ 23,408 bilhões

PAC - R$ 4,2 bilhões

EMENDAS PARLAMENTARES - R$ 8,1 bilhões

DESPESAS NÃO OBRIGATÓRIAS - R$ 11 bilhões

 

Medidas estruturais

Reforma da Previdência

Sete pontos para debater e formular uma proposta em 60 dias

1. Demografia e idade média das aposentadorias

2. Financiamento da Previdência Social: receitas, renúncias e recuperação de créditos

3. Diferença de regras entre homens e mulheres 4. Pensões por morte

5. Previdência rural: financiamento e regras de acesso

6. Regimes Próprios de Previdência

7. Convergência dos sistemas previdenciários

 

Criação de um teto para os gastos públicos

● A cada ano, será fixado um limite máximo para o crescimento da despesa

● Se a tendência for de descumprimento, o governo pode fazer novo corte de gastos

● Se isso for insuficiente, serão disparadas medidas de ajuste para o ano seguinte, na seguinte  ordem

 

Primeiro estágio

1. Suspender concessão de novas desonerações

2. Suspender aumento real das despesas de custeio

3. Suspender aumento real das discricionárias

4. Suspender realização de concursos, contratação e criação de cargos

5. Suspender aumento real de salário para servidores públicos

 

Segundo estágio

1. Suspender ampliação de subsídios

2. Suspender aumento nominal de despesas de custeio

3. Suspender aumento nominal de despesas discricionárias

4. Suspender reajuste nominal dos servidores públicos

 

Terceiro estágio

1. Reduzir despesa de benefícios aos servidores

2. Redução da despesa com servidores não estáveis

3. Suspensão do aumento real do salário mínimo

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

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Distorções podem levar à aprovação de reforma na Previdência

Foco nas distorções repete estratégia que ajudou o governo a aprovar as medidas de ajuste fiscal em 2015
Por: Adriana Fernandes / Lu Aiko Otta

 

O governo pretende explorar as distorções na concessão de benefícios para conseguir apoio à aprovação da reforma da Previdência no Congresso. Depois que a proposta for enviada, uma campanha de comunicação será feita para mostrar a necessidade de alterações nas regras de idade de aposentadorias de mulheres e homens. Cartilhas informativas estão sendo preparadas para destacar os problemas do sistema atual.

O foco nas distorções é uma repetição da estratégia que ajudou a aprovar medidas de ajuste fiscal em 2015, que envolveram alterações nas regras do seguro-desemprego, abono salarial, pensões e o auxílio que é dado aos pescadores durante o período de defeso. Quando elas chegaram ao Congresso, a avaliação era de que não seriam aprovadas, mas acabaram passando, com apoio até de parlamentares da oposição.

A equipe econômica está confiante que conseguirá avançar no debate, com menor resistência dos parlamentares do que ocorre com a CPMF. “Aumentar tributo é sempre mais difícil. Na Previdência, todo mundo sente que tem alguma coisa errada”, diz uma fonte da equipe econômica. É o caso, por exemplo, da Previdência Rural.

“Enquanto 10% são trabalhadores rurais, a concessão de aposentadorias é 25%. Tem algo estranho”, ressalta a fonte.

Há uma avaliação de que a oposição à reforma será menor do que parece. Nessa visão, os discursos contrários vindos do PT, o partido do governo, e também dos sindicalistas serão superados com menos foco na visão menos ideológica – em torno da idade mínima – e mais na necessidade de retardar o acesso dos trabalhadores à aposentadoria para garantir a sustentabilidade das contas da Previdência Social.

A preferência da equipe econômica é de que a fixação de uma idade mínima é mais adequada à estrutura da população brasileira. “É sempre melhor a idade mínima, mas tem outras formas de se chegar ao mesmo lugar”, destaca uma fonte do Ministério da Fazenda.

Há uma percepção de que os posicionamentos mais agressivos de setores do PT e dos sindicalistas contra a reforma seriam muito mais para satisfazer as próprias bases do que para expressar o que será a ação na prática.

 

Prioridade. O deputado Vicente Cândido (PT-SP), por exemplo, não se opõe abertamente à reforma, até porque o governo ainda não consolidou uma proposta.

Sua ressalva é de outro tipo. “Não é prioridade”, afirmou. “A prioridade é a retomada do crescimento econômico, a geração de emprego.” Por isso, avalia ele, a tendência é a bancada petista pedir ao governo que não envie a proposta em 60 dias, como o prometido, mas no fim do segundo semestre.

“A bancada não vai querer discutir isso agora.” Essa foi também a linha de argumentação apresentada por alguns sindicalistas na reunião do Fórum de Debates sobre Políticas de Trabalho, Emprego, Renda e Previdência Social, ocorrida no Palácio do Planalto na quarta-feira. Nela, o governo não apresentou uma proposta de reforma, e sim sete temas para debater. E ouviu que não era hora de discutir reforma, que algumas mudanças são inaceitáveis e que há outras formas de conseguir receitas.

A recepção por parte dos sindicalistas não foi boa, mas Dilma não vai esperar a construção de um consenso – que dificilmente virá – para enviar uma proposta ao Congresso. A discussão no fórum, que é formado também por empresários, é uma forma de evitar que o governo seja acusado de propor mudanças num tema dessa importância sem consultar os interessados. “Não tem prato feito”, frisou o secretário-geral da Presidência, Ricardo Berzoini.

“De minha parte, não tem obstáculo para andar”, disse ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tem infernizado o governo com manobras para atrasar a tramitação de matérias. “Mas é ano eleitoral e o governo levar 60 dias sinaliza que está pouco interessado em reformas.” E, em anos eleitorais, o Parlamento fica esvaziado no segundo semestre. A debandada começa até um pouco antes, com as festas juninas, seguidas do recesso parlamentar de julho.

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e sua equipe estão conscientes dessa dificuldade e sabem que o processo poderá ser mais lento do que recomendaria o cenário econômico. Mas consideram ser possível construir as condições de votação. Eles registram que a discussão não está parada, o que já é um bom sinal.

O simples fato de serem apresentados, no fórum, sete pontos para debate na reforma, já é considerado um avanço. Isso porque o ministro do Trabalho e Previdência, Miguel Rossetto, vinha defendendo nos bastidores que não houvesse debate de conteúdo sobre a reforma–apenas a definição de um calendário de debates. Barbosa, por outro lado, pretendia apresentar uma proposta. Ficou no meio termo.

 

Resistência

Na quarta-feira da semana passada, o governo apresentou em fórum sete temas sobre a reforma para serem debatidos e encontrou forte resistência dos sindicalistas.

 

Frase

“De minha parte, não tem obstáculo para (a reforma da Previdência) andar.”

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados

Órgãos relacionados: