O Estado de São Paulo, n. 44.686, 21/02/2016. Política, p. A4

Após decisão do STF, Lava Jato prevê prisões de condenados ainda este ano

Força-tarefa da operação avalia que alteração promovida pelo Supremo e provas reunidas nos processos devem possibilitar aos tribunais de segunda instância a condenação e o encarceramento de executivos de empreiteiras e de políticos sem foro privilegiado

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

A força-tarefa da Operação Lava Jato considera que as provas reunidas nos processos de réus condenados pelo juiz federal Sérgio Moro, que terão recursos julgados em segundo grau ainda este ano, permitem que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região mande prender empresários, executivos e políticos. A possibilidade foi aberta com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que alterou jurisprudência e permitiu a execução da pena em segunda instância - sem necessidade de aguardar o transitado em julgado do processo.

Outro efeito imediato da decisão do STF deverá ser o de estimular os acordos de deleção premiada, que podem aliviar as penas impostas aos condenados.

“Acho que argumentos de sobra existirão para possibilitar a prisão dessas pessoas que não estão ainda detidas na Lava Jato, agora com base numa decisão definitiva de execução penal.

Que, no meu ver, é muito mais gravoso do que a prisão preventiva”, afirmou ao Estado o procurador da República Diogo Castor de Mattos, da força- tarefa da Lava Jato.

Um primeiro pacote de processos julgados pelo juiz Sérgio Moro, estão em grau de recurso no TRF-4 e podem ser julgados ainda este ano. Ao menos 17 condenados estão nesse grupo.

Entre eles estão alvos das ações penais da 7.ª fase da Lava Jato, deflagrada em novembro de 2014, que condenou empreiteiros da OAS, Camargo Corrêa, Engevix, entre outras. Todos acusados de integrar o cartel que, em conluio com agentes público e políticos do PT, PMDB e PP, fatiavam obras na Petrobrás, mediante o pagamento de propinas que variavam de 1% a 3% dos contratos.

“Temos expectativa de que, com base nessa nova decisão do STF e também no abundante conjunto probatório, haverá execução de pena. Mesmo porque todas as teses possíveis e imagináveis que poderiam ser aventadas pelas defesas de nulidades formais do processo já foram usadas nos vários habeas corpus e foram sumariamente negados”, disse Mattos.

 

Revés. Para as maiores bancas criminalistas do País, a decisão do STF foi um revés na estratégia de enxergar nas cortes superiores ambiente mais profícuo para o sucesso de recursos em prol de seus clientes. Mais de 800 pedidos foram apresentados nas cortes de 2.º e 3.º graus, desde o início da Operação Lava Jato, em março de 2014, até o mês passado. Desses, menos de 4% foram providos.

O criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defende um dos executivos ligado à Camargo Corrêa, é enfático. “É uma coisa muito hipotética. Em primeiro lugar, a decisão do Supremo não é vinculativa. Os tribunais do Brasil ainda continuarão independentes para decidir com liberdade sobre a prisão ou não daqueles que vierem a ter suas condenações confirmadas. O Supremo apenas decidiu, mesmo contra a opinião de quatro ministros, que a prisão poderia ocorrer num caso concreto. Assim, cada caso deverá ser examinado por cada tribunal, por cada câmara de cada tribunal do País, podendo os desembargadores decidirem pela prisão ou não”, avaliou. Segundo ele, a decisão do Supremo não vincula automaticamente os demais tribunais.

 

Mérito. A expectativa dos procuradores e dos delegados da Lava Jato é que, a partir da revisão de entendimento sobre a execução da pena pelo STF, as defesas de empreiteiros e políticos condenados passem a focar mais no mérito das acusações.

Um dos delegados da PF que iniciaram as investigações da Lava Jato, Márcio Anselmo, acredita numa mudança de foco das defesas. “Infelizmente, o que se vê no Brasil é um processo penal ineficiente e interminável. Em mais de dez anos como delegado de polícia pouquíssimos foram os casos que pude acompanhar que transitaram em julgado. A experiência dos outros países é muito diferente do que vinha sendo defendido no Brasil. Defender quatro instâncias (1.ª, 2.ª, Superior Tribunal de Justiça e STF) é algo que não encontra correspondência em outros países.”

“O recado é que está inaugurado um novo tempo. As defesas terão que enfrentar os méritos das acusações, o que até agora na Lava Jato não vi ninguém fazer. Os valores bilionários de propina continuam sem explicação”, avaliou o procurador da força-tarefa Diogo Mattos, especialista no estudo de recursos abusivos no Judiciário e a impunidade contra criminosos do colarinho branco.

 

62 é o número de condenados na Lava Jato até agora, segundo a força-tarefa do Ministério Público

 

 

Pontos de vista

“Temos expectativa de que, com base nessa nova decisão do STF e no abundante conjunto probatório, haverá execução de pena”

Diogo Castor de Mattos

PROCURADOR DA FORÇA-TAREFA DA OPERAÇÃO LAVA JATO

 

 

 

“A decisão do Supremo não é vinculativa. Os tribunais continuarão independentes para decidir com liberdade sobre a prisão ou não”

Antônio Claudio Mariz de Oliveira

CRIMINALISTA

 

 

NO RASTRO DA CORTE

Argumento

A força-tarefa da Lava Jato questiona alegações de advogados de réus, de suposto abuso de prisões no âmbito da operação.

 

Balanço

Segundo a força-tarefa, de 179 acusados, 15 estão presos preventivamente (8,3%). Desses 15 presos, 10 foram condenados.

 

Recurso

Um primeiro pacote de processos julgados pelo juiz da 13ª Vara Federal, em Curitiba, Sérgio Moro, já está em grau de recurso no TRF-4 e podem ser julgados ainda este ano. A força-tarefa acredita que esses primeiros condenados sejam presos, na esteira da decisão do STF.

 

Empreiteiros

Fazem parte desse pacote as ações penais da 7ª fase da Lava Jato, deflagrada em novembro de 2014, que resultaram na condenação de executivos ligados a grandes empreiteiras. Todos foram acusados de integrar cartel que atuou na Petrobrás.

 

Léo Pinheiro

O ex-presidente da OAS foi condenado em agosto de 2015 a 16 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Com recurso em análise no TRF-4, o ex-executivo pode ser um dos primeiros atingidos pela decisão do Supremo.

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Entrevista - Sérgio Moro

Juiz diz que sistemática anterior ‘favorecia condenado com condições econômicas de sustentar recursos infinitos’
Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

‘Maior impacto recairá sobre o colarinho-branco’, afirma Moro

Sérgio Moro, juiz federal, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância

 

O juiz federal Sérgio Moro, que comanda a Operação Lava Jato na primeira instância, prevê que “recairá sobre o colarinho- branco” o impacto maior da decisão do Supremo Tribunal Federal que autoriza prisão de condenados em ações criminais já em segundo grau. “O sistema de recursos infinitos é uma patologia brasileira”, disse Moro, que concedeu entrevista ao Estado para tratar exclusivamente da nova jurisprudência definida pelo Supremo.

 

A decisão do Supremo é um recado para o colarinho-branco?

A decisão do Supremo Tribunal Federal, permitindo a prisão para execução da pena após julgamento condenatório por um tribunal de apelação, abrange todos os casos criminais, desde os crimes de sangue, aos crimes de organizações criminosas e aos crimes de colarinho-branco. É evidente, porém, que, como, em regra, o acesso aos tribunais superiores ainda é difícil para pessoas sem elevado poder aquisitivo, o maior impacto da decisão recairá sobre agentes de organizações criminosas ou sobre responsáveis por crimes de colarinho-branco.

 

O que muda?

O problema da sistemática anterior, que exigia o trânsito em julgado, era incentivar a interposição de recursos infinitos mesmos por quem não tem razão. Como, pelo novo precedente, o recurso ao Tribunal Superior não impede automaticamente a prisão é provável um ganho de eficiência já que retira-se um dos estímulos para recursos infinitos. Apesar disso, apresentado um recurso com plausibilidade, o tribunal superior ainda pode excepcionalmente suspender a execução do julgado. O erro da sistemática anterior era tratar isso como regra.

 

Acabou a era em que só pobre ia para a cadeia?

Tenho repetido que o Supremo Tribunal Federal, louvadamente, fechou uma janela de impunidade. O sistema de recursos infinitos é uma patologia brasileira. Entendo que a questão não deve ser pensada em termos de divisões sociais entre classes. Entretanto, forçoso reconhecer que a sistemática anterior favorecia especialmente o condenado com condições econômicas de sustentar recursos infinitos.

 

A decisão do STF representa um indicativo de novos tempos da Justiça brasileira criminal, na busca pela efetividade?

A lei deve valer para todos. No processo penal, o inocente deve ser absolvido e o culpado condenado. Se condenado, deve sofrer as consequências. A existência de brechas processuais que permitem impunidade independentemente da culpa do acusado é algo anormal e reprovável, não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo.

 

A decisão do STF pode gerar insegurança jurídica, ou mesmo atentar contra o direito constitucional da presunção da inocência como alegam os advogados?

A presunção de inocência exige que uma condenação criminal seja amparada em prova acima de qualquer dúvida razoável da responsabilidade penal. A decisão do Supremo em nada afeta esse princípio, já que a prisão opera após um julgamento condenatório, por um tribunal de apelação, e no qual todas as provas foram consideradas e debatidas. A presunção de inocência também exige que a prisão antes do julgamento seja excepcional.

Mas aqui se trata, como dito, de prisão após o julgamento, ainda que não definitivo. O argumento de que o novo precedente viola a presunção de inocência não resiste à rápida análise do Direito Comparado e da história. Nos Estados Unidos e na França, por exemplo, dois dos modernos berços históricos da presunção de inocência, a prisão segue como regra a condenação na primeira instância.

 

O sr. disse que a decisão do STF fecha 'uma das janelas' da impunidade no Brasil. Que outras janelas permanecem abertas?

O sistema de Justiça é algo em construção e que sempre pode ser aprimorado. Há vários problemas. Entre eles dificuldade materiais e não necessariamente vinculadas ao Direito. Por exemplo, a falta de maiores recursos materiais à polícia científica para apurar até crimes como homicídios, de baixa taxa de resolução no Brasil. Entre as dificuldades normativas, eu apontaria, para ficar em um exemplo, o foro privilegiado ainda como um problema, considerando o excesso de pessoas contempladas com ele. Apesar de exemplos louváveis de casos com foro que chegaram a bom termo, persiste a dificuldade dos tribunais superiores em suportar, além da imensa carga de recursos, o processo e julgamento de casos criminais originários. / R.B. e F.M.