O Estado de São Paulo, n. 44.689, 24/02/2016 Metrópole, p. A21

Polícia pede prisão da cúpula da Samarco

Ex-presidente, cinco executivos da mineradora e um funcionário de prestadora de serviço foram indiciados por homicídio com dolo eventual

Por: Leonardo Augusto

 

A Polícia Civil de Minas Gerais pediu a prisão preventiva do ex-diretor-presidente da Samarco Ricardo Vescovi e do ex-diretor de Operações da empresa Kléber Terra pelo rompimento da barragem da mineradora em Mariana, no dia 5 de novembro. Outros quatro executivos da mineradora também tiveram a prisão preventiva solicitada, além de um engenheiro da Vogbr, prestadora de serviço da Samarco.

Os sete foram indiciados por homicídio com dolo eventual – quando não há intenção de matar, mas assume-se o risco –, inundação e poluição de água potável. No caso do indiciamento por homicídio, a pena poderá ser multiplicada por 19.

Até o momento, foram confirmadas 17 mortes na tragédia, mas a conta da investigação inclui também as duas pessoas que seguem desaparecidas após o acidente.

Segundo o delegado Rodrigo Bustamante, responsável pelo inquérito, as prisões foram solicitadas para dar tranquilidade à população atingida e oferecer resposta à sociedade. A Justiça não tinha se pronunciado sobre o pedido até a noite de ontem.

Os indiciamentos fazem parte de um dos dois inquéritos abertos pela Polícia Civil, que apura as responsabilidades pelo rompimento da Barragem de Fundão. Segundo o delegado, as empresas Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco, poderão responder por crime ambiental no outro inquérito, ainda em andamento.

Além de Vescovi e Terra, os outros integrantes da Samarco indiciados no primeiro inquérito e que tiveram a prisão pedida são o gerente-geral de Projetos, Germano Silva Lopes; o gerente de Operações, Wagner Milagres Alves; o coordenador-técnico de Planejamento e Monitoramento, Wanderson Silvério Silva;e a gerente de Geotecnia e Hidrogeologia e coordenadora de Operações, Daviely Rodrigues da Silva,além do engenheiro responsável pela declaração de estabilidade da barragem,Samuel Santana Paes Loures, da empresa Vogbr.

O perito da Polícia Civil Otávio Guerra apontou que o rompimento de Fundão aconteceu por causa do excesso de água na barragem. “Houve um colapso por causa da ocorrência de liquefação junto aos rejeitos”, disse, durante a apresentação do relatório final do inquérito.

 

Vazão. Desde 2008,  quando foi inaugurada, Fundão apresenta problemas de drenagem, conforme apontaram laudos de funcionamento da barragem emitidos por empresas contratadas pela Samarco.

Um dos dados divulgados pelo perito ontem diz que, em abril de 2014, o volume de água escoada da barragem era de 293 mil litros por hora. Em setembro e outubro de 2015, quando a barragem já havia passado por vários alteamentos (elevação da represa para que possa ter a capacidade ampliada), o volume era de 251,97 mil litros por hora. “Ou seja, em vez de aumentar, a vazão foi reduzida, o que significa que mais água permaneceu dentro da represa”, disse Otávio Guerra.

Outros motivos para a queda teriam sido o alteamento em velocidade elevada – conforme havia apontado a Polícia Federal, que também indiciou a cúpula da Samarco por crime ambiental – e a obra feita na face da represa, que passou a ter um recuo. A mudança, conforme os investigadores, foi feita para retirar de Fundão o lançamento de rejeitos que vinham sendo feitos pela Vale.

Durante as investigações, interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal e compartilhadas com a Polícia Civil mostraram,segundo informou Bustamante, o gerente Wanderson Silvério tentando falar da obra “como se fosse algo temporário”, ao fornecer informações para a imprensa. “Era uma obra temporária, sim, mas o intuito da empresa, na verdade, era de não voltar ao projeto original”, afirmou o delegado.

Conforme Bustamante, houve ainda falha no monitoramento da barragem e também não cumprimento do plano de emergência. Para justificar os indiciamentos, o delegado afirmou que diante de todos os fatores, “a previsibilidade da ruptura (da represa) era enorme”.

Na avaliação de Bustamante, os indiciados “criaram um comportamento para a ocorrência do resultado (a queda da barragem)”.

 

Equivocados. Em nota, a Samarco afirmou que “considera equivocados os indiciamentos e as medidas cautelares de privação de liberdade propostas pela autoridade policial” e disse que vai aguardar a decisão da Justiça para tomar as providências cabíveis. A mineradora ainda informou que faz uma “investigação externa com empresa de renome internacional”. A Vale e a BHP Billiton também informaram que uma investigação independente está em curso e “até que a mesma seja concluída, não faremos especulações sobre possíveis causas ou sobre o que pode ou não ter contribuído para o acidente na barragem”. “Essa investigação inclui inspeções em campo, compilação de dados, testes de laboratório e análises.” A Vogbr afirmou que não se pronunciaria sobre as investigações.

_______________________________________________________________________________________________________

Vale vai fazer auditoria em todas as barragens

Por: Mariana Durão

 

A tragédia na Samarco acendeu o sinal de alerta na Vale. A mineradora está fazendo uma nova auditoria de todas as suas 168 barragens no País. O Estado apurou que a varredura atende a uma recomendação de seu conselho fiscal, como decorrência do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), que deixou 17 mortos e dois desaparecidos há pouco mais de três meses. O trabalho deve ser encerrado em março. A ideia é que no futuro a companhia estenda a auditoria externa às barragens de suas operações internacionais.

Logo após o rompimento da Barragem de Fundão, em 5 de novembro, a Vale divulgou a verificação detalhada das condições estruturais de 115 das barragens mais relevantes da empresa.

Segundo a mineradora, na época nenhuma alteração  foi detectada.Essa foi uma auditoria extraordinária, já que uma verificação anual havia sido concluída em setembro.

A nova inspeção, mais abrangente, está sendo feita por especialistas externos. O objetivo é também verificar se há melhorias que possam ser feitas nos processos de acompanhamento das barragens. À exceção do acidente da controlada Samarco, a Vale nunca enfrentou problemas em suas barragens próprias. Procurada, a mineradora não se pronunciou.

As barragens de rejeitos da Vale são divididas por níveis de risco, que determinam a periodicidade em que devem ser auditadas. Diante da dimensão do acidente ocorrido com a Samarco – sociedade entre Vale e BHP Billiton –, entretanto, o conselho insistiu que a companhia fizesse um mapeamento conjunto de todas elas.

 

Carajás. O principal investimento da Vale em curso,o S11D, em construção em Carajás, no Pará, não usará barragem de rejeitos.

O projeto orçado em US$ 14,4 bilhões é o maior da história da companhia, produzirá 90 milhões de toneladas de minério por ano e entra em operação no fim de 2016. Nele o beneficiamento do minério será feito a seco,ou seja,sem necessidade de usar água no processo industrial.

Com a adoção do processo a seco o ultrafino de minério com alto teor de ferro, que iria para a barragem, não será descartado, permitindo que, em três décadas de vida útil da mina, 300 milhões de toneladas sejam incorporados à produção. Ou seja, quase um ano de produção da Vale – em 2015, a mineradora teve produção de minérios de 345 milhões de toneladas – deixará de virar rejeito da exploração em Carajás.