O Estado de São Paulo, n. 44.689, 24/02/2016 Política, p. A6

Suíça prende investigado na Lava Jato

Fernando Migliaccio, ligado à Odebrecht, foi detido no dia 17 ao tentar encerrar contas bancárias; ele é alvo de mandado de prisão no Brasil

Por: Jamil Chade / Ricardo Brandt / Andreza Matais / Mateus Coutinho

 

O executivo Fernando Migliaccio, ligado à Odebrecht, foi preso em Genebra tentando encerrar contas bancárias. Segundo investigadores, ele pretendia retirar pertences de um cofre de uma instituição financeira daquela cidade suíça. O Ministério Público Federal informou ontem que Migliaccio está preso na Suíça desde 17 de fevereiro.

Conforme procuradores suíços, Migliaccio foi preso sob a “forte suspeita” de pagar propinas para ex-diretores da Petrobrás e deve ficar detido por três meses. A Suíça havia aberto procedimento para apurar a ligação de Migliaccio com movimentações do Grupo Odebrecht no país europeu. A prisão foi executada pela polícia suíça com base em ordem do Ministério Público daquele país.

Migliaccio também teve sua prisão decretada na Operação Acarajé, 23ª fase da Lava Jato. O executivo é investigado por suspeita de ser o controlador de empresas offshores relacionadas à Odebrecht. Essas empresas teriam sido usadas para realização de pagamentos de vantagens indevidas e lavagem de dinheiro.

Em e-mail encaminhado à reportagem do Estado, a Procuradoria da Suíça explicou a detenção de Migliaccio. “A pessoa foi detida depois de entrar na Suíça por um curto período com o objetivo de fechar uma conta bancária e mover ativos em uma conta para o exterior.”

Segundo Ministério Público suíço, o brasileiro está sob a custódia e foi preso em um etapa de “pré-julgamento”. Sua prisão já chegou a ser considerada por um tribunal em Genebra que chancelou a decisão.

“A corte baseou sua decisão sob a forte suspeita de que a pessoa presa esteve envolvida no pagamento de propinas para ex-diretores da Petrobrás”, explicou a procuradoria. “Alguns dos pagamentos foram feitos em contas mantidas por empresas domiciliadas na Suíça, cujo beneficiário foi identificado como Odebrecht”, afirmou.

 

Offshores. A investigação de Migliaccio na Lava Jato tem por base evidências de que ele gerencia contas usadas pela Odebrecht no exterior para pagar propinas para autoridades do Brasil e de outros países. Ele se inseria, segundo tais provas, no contexto de um grupo de pessoas subordinadas a Marcelo Odebrecht que controlavam contas escondidas no exterior, em nome de empresas offshores, tais como Klienfeld e Constructora del Sur.

Na Lava Jato, a prisão de Migliaccio foi decretada em decisão de 11 de fevereiro de 2016. A prisão executada na Suíça não tem relação com o mandado expedido no Brasil, que era desconhecido pelas autoridades estrangeiras. Segundo a investigação, Migliaccio detinha endereço de e-mail hospedado na Odebrecht e recebeu, por correio eletrônico, mensagem contendo pagamento aparentemente destinado para autoridade argentina da Secretaria de Transportes, com a qual há notícias de que a empresa mantinha contrato.

Além disso, a força-tarefa suspeita que Migliaccio, assim como outro gestor das contas, mudou-se para o exterior logo após as buscas e apreensões feitas sobre a empresa, em junho de 2015.

Para o MPF, o fato disso ter ocorrido logo após as buscas e o pagamento pela Odebrecht de suas despesas de mudança e manutenção no exterior indicam para a existência de manobras orquestradas por Marcelo Odebrecht e seus funcionários, destinadas à evasão e a dificultar ações de investigação das autoridades brasileiras.

O Estado procurou na noite de ontem o advogado Nabor Bulhões, que representa de Marcelo Odebrecht, mas ele não respondeu aos contatos da reportagem. O advogado de Migliaccio não foi localizado. / JAMIL CHADE, RICARDO BRANDT, ANDREZA MATAIS e MATEUS COUTINHO

 

Nota

Anteontem, a Odebrecht disse que estava à disposição das autoridades. A empreiteira ressaltou que não iria se manifestar porque não conhecia os termos dos inquéritos da 23ª fase da Lava Jato.

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No Caribe, um marqueteiro discreto

Na campanha presidencial do país caribenho, Santana evitava entrevista e era pouco conhecido

Por: Cláudia Trevisan

 

Discrição era a marca da atuação do marqueteiro João Santana na República Dominicana. Grande parte da população só soube que o brasileiro era um dos principais assessores do presidente Danilo Medina quando ele renunciou à sua posição para voltar ao Brasil, anteontem. O publicitário ajudou o dirigente dominicano a chegar ao poder em 2012 e, desde então, se transformou em um de seus conselheiros mais próximos.

Jornalistas que seguem a campanha eleitoral e assessores partidários relataram ao Estado que Santana não participava de atividades públicas ao lado do candidato. Também não dava entrevistas e passava parte do tempo em Punta Cana, a região de areias brancas, águas cristalinas, coqueiros e gigantescos resorts que se transformou no cartão postal do Caribe dominicano.

Foi de lá que Santana e a mulher embarcaram em um voo para o Brasil na noite de segunda-feira.

“Sua situação era muito opaca. Ninguém sabe quanto ganhava nem quem o pagava ou a que entidade estava vinculado”, disse Roberto Fulcar, coordenador-geral da campanha do opositor Luis Abinader, do Partido Revolucionário Moderno (PRM). Em meados do ano passado, a legenda pediu que a Procuradoria-Geral da República dominicana investigasse o vínculo de Santana com Medina, que tenta a reeleição. A solicitação foi reiterada ontem.

 

Campanha. O próprio diretor de Comunicação da campanha do presidente, Héctor Olivo, afirmou que a relação entre Medina e Santana era tratada com “muita discrição”. Segundo ele, o brasileiro cuidava da área de marketing da campanha, mas com enfoque questões “conceituais”. O trabalho prático de realização de peças publicitárias ficava a cargo de agências locais.

A discrição era tanta que Olivo teve dificuldades em dar detalhes sobre a atuação do brasileiro e seu contato com o presidente. O diretor também disse desconhecer quanto Santana cobrou por seu trabalho.

Uma das principais jornalistas da República Dominicana, Nuria Piera disse que o brasileiro não tinha uma vida pública ativa no país e que apenas um número reduzido de pessoas o conheciam pessoalmente. “É um personagem que atuava com muita discrição”, observou.

Juan Eduardo Thomas, repórter político do Listin Diário, ressaltou que não há nenhuma foto pública do presidente com Santana, apesar de o brasileiro ter sido a primeira pessoa a quem Medina agradeceu quando ganhou a presidência, em 2012. Desde então, o publicitário mantém um pé na República Dominicana.

 

Oposição. A oposição tenta usar o caso da prisão de Santana para reduzir o favoritismo do presidente nas eleições do dia 15 de maio. O caso foi divulgado extensamente em rádios, TVs e jornais do país e dominou a conversação nas redes sociais a partir de segunda-feira. Medina lidera as pesquisas de opinião, seguido de Abinader.

Segundo Thomas, Santana não estava presente em eventos recentes da campanha eleitoral. Olivo, do partido de Medina, atribuiu a discrição de Santana em parte ao fato de que o lançamento oficial da candidatura à reeleição só ocorreu no dia 31 de janeiro. Mas a presença do brasileiro no país gerava desconforto desde o ano passado, o que se refletiu no pedido de investigação apresentado pela oposição.