O Estado de São Paulo, n. 44.689, 24/02/2016 Política, p. A11

PT sofre derrota e promotor continua a investigar tríplex

Plenário de conselho não acata pedido de partido para trocar nome à frente de caso sobre suspeita de ocultação de patrimônio relativo a Lula

Por: Beatriz Bulla / Fausto Macedo / Mateus Coutinho

 

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu ontem, por unanimidade, manter o promotor Cássio Conserino, de São Paulo, à frente da investigação sobre suspeita de ocultação de patrimônio por parte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.  A partir de hoje, Conserino, que acompanhou em Brasília a sessão do conselho, deve retomar a análise do caso e agendar o depoimento do petista e de sua esposa, Marisa Letícia.

Na semana passada, uma liminar concedida pelo conselheiro Valter Shuenquener suspendeu a prestação de esclarecimentos do casal referentes a um tríplex no Guarujá (SP). Ao levar o caso para discussão no plenário do órgão ontem, contudo, o relator votou pela manutenção de Conserino na investigação e revogou a liminar.

Os demais 13 integrantes do órgão, que é presidido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, seguiram o voto de Shuenquener.

Conserino, de São Paulo, afirma que já há elementos para denunciar Lula e Marisa, com convencimento de que o petista é o real proprietário do apartamento. A defesa de Lula nega.

A discussão sobre a competência do promotor de São Paulo para conduzir o caso chegou ao CNMP por um pedido de providências feito pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que pediu a redistribuição da investigação.

De acordo com representação proposta pelo deputado petista, o encaminhamento da investigação sobre o imóvel no edifício Solaris, no litoral paulista, para a 2.ª Promotoria Criminal da Capital do Estado de São Paulo violou as regras de “livre distribuição” dos procedimentos investigatórios. Em manifestação encaminhada ao conselho, os advogados de Lula reiteram a manifestação do parlamentar para “interromper a série de irregularidades cometidas” por Conserino.

 

Doravante. Em plenário, Shuenquener defendeu a regra da livre distribuição das investigações e recomendou que o Ministério Público paulista adote o procedimento a partir de agora. Pelo entendimento do relator, no entanto, casos já em andamento devem ser mantidos da forma como tramitaram até agora.  Com isso, o caso de Lula, permanece sob condução de Conserino. “O princípio do promotor natural impõe que todo o cidadão tem o direito de ser investigado e acusado por um órgão independente do MP escolhido segundo prévios critérios abstratos (…) e não casuisticamente”, declarou o conselheiro. Na sua decisão, no entanto, destacou que os casos já distribuídos “ficam como estão”.

Em deliberação no plenário, os conselheiros ressaltaram que a decisão é administrativa, abrindo espaço para discussão judicial sobre o caso. O conselho também decidiu, seguindo voto do relator, não abrir um novo procedimento disciplinar para apurar se houve infração funcional por parte de Conserino, que afirmara à revista Veja que possuía elementos para denunciar Lula e Marisa no caso. De acordo com o conselheiro, já existe um procedimento perante a Corregedoria do Ministério Público de São Paulo sobre o tema.

Na sessão, Shuenquener voltou a dizer que a decisão inicial para suspender o depoimento de Lula e Marisa “não teve o condão de blindar qualquer pessoa”, mas sim de evitar “nulidades processuais”.

O procurador-geral da Justiça de São Paulo, Márcio Elias Rosa, comemorou a decisão tomada pelo conselho: “O CNMP confirmou o acerto de todos os atos praticados neste caso e, mais do que isso, reconheceu que lá em São Paulo continuamos regendo a investigação tal como está estabelecido”.

Advogado do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin disse que a defesa ainda vai definir o “próximo passo” a ser tomado e que a discussão sobre a validade da distribuição do caso ainda pode ocorrer em outras esferas.

Durante toda sessão do conselho, um grupo de cerca de dez pessoas realizou uma manifestação em frente ao prédio do órgão com buzinas, faixas com foto do juiz Sérgio Moro e gritos que pediam “Janot, prende o Lula”.

 

Comemoração

“O CNMP confirmou acerto de todos os atos praticados neste caso e, mais do que isso, reconheceu que lá em São Paulo continuamos regendo a investigação tal como está estabelecido”

Márcio Elias Rosa

PROCURADOR-GERAL DA JUSTIÇA DE SP

 

CRONOLOGIA

O histórico da apuração

2010

Inquérito

Após a Promotoria paulista abrir inquérito para apurar desvios na Bancoop, Ministério Público de São Paulo inicia investigação sobre empreendimentos da Bancoop assumidos pela OAS – entre eles o Solaris, no Guarujá.

 

2015

Desistência

A mulher de Lula, Marisa, assina termo requerendo sua “demissão” do tríplex no Solaris, segundo o Instituto Lula. A ex-primeira-dama adquiriu opção de compra de uma unidade no condomínio, mas, diz o instituto, desistiu do imóvel.

 

22 de janeiro de 2016

Denúncia

O promotor Cássio Conserino diz à Veja ter indícios para denunciar Lula no caso tríplex.

 

26 de janeiro

Triplo X

Etapa da Lava Jato investiga se o tríplex teria sido reformado por empreiteiras em troca de contratos com o governo.

 

29 de janeiro

Intimação

Conserino intima Lula para prestar depoimento, como investigado, sobre o tríplex.

 

17 de fevereiro

Decisão do CNMP

Conselheiro do MP suspende audiência de Lula ao deferir pedido do deputado Paulo Teixeira (PT). Ontem Conserino foi mantido na apuração.

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Para defesa, decisão contraria opinião do STF

Por: Ricardo Galhardo

 

Apesar do resultado desfavorável, os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva querem usar como peça de defesa a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que manteve o promotor Cassio Conserino no comando da ação que investiga o caso do tríplex no Guarujá.

Embora o CNMP tenha decidido por unanimidade pela manutenção do promotor, contrariando pedido do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), a decisão abre uma brecha para que a atuação de Conserino seja contestada na Justiça.

O relator do caso, Valter Shuenquener, defendeu a manutenção do promotor, mas salientou que a distribuição do caso contraria entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). “A ação do promotor contraria entendimento do STF sobre distribuição de processos. Reconheceu também que é necessário fazer uma revisão da normas do próprio CNMP para garantir, daqui em diante, o princípio do promotor natural, não só para Lula mas para todos os cidadãos”, diz o Instituto Lula, presidido por Paulo Okamotto.

Paulo Teixeira evitou tratar a decisão do CNMP como uma derrota. “Foi uma vitória da sociedade brasileira, pois serviu para jogar água numa fervura criada por um conjunto de irregularidades. Não perdemos a ação. Nosso problema era de ânimo, de predisposição (do promotor)”, afirma o deputado.

Conserino também responde a processo administrativo na Corregedoria do Ministério Público de São Paulo aberto a pedido do deputado petista.