Título: A inércia da educação brasileira: o desafio
Autor: Tollini, Ignez Martins
Fonte: Correio Braziliense, 01/10/2011, Opinião, p. 23

Ph. D. em educação (Institute of Education University of London, UK), Master of Sciences in Education (Purdue University, Indiana, EUA), consultora particular

Em tese de doutorado examinamos a inabilidade de o Estado cumprir, efetivamente, sua obrigação constitucional de oferecer educação fundamental a todas as crianças brasileiras. O estudo focalizou seis décadas de sucessivos governos, a partir da era Vargas até o governo Collor. A análise dos dados dessa pesquisa revelou imagem preocupante da inabilidade do Estado como gestor de mudança na educação fundamental. Foi usado método científico para testar o argumento de que a causa da inabilidade do Estado era a "falta de vontade política". Teorias sobre o assunto tornaram possível chegar ao âmago desse conceito e desvendar seus componentes responsáveis pela inabilidade do Estado ao longo do tempo.

As conclusões apresentadas na referida tese ainda se aplicam ao dia de hoje. A imagem do Estado como ator efetivo na educação pública básica ainda é um objetivo a ser conquistado. As mudanças acontecidas na educação brasileira não conseguiram atingir a perene inércia do Estado na área da educação. Atualmente, a inércia é caracterizada pela contínua tentativa de usar novidades para provocar impacto na sociedade. Porém, tais medidas são vazias, superficiais e atingem somente o que é visível nos problemas, o que os envolve. Desse modo, não há mudança real e sim continuidade e desânimo na área da educação.

Essa superficial apresentação de alguns aspectos da tese em questão tem a finalidade de introduzir uma preocupação que não se limita a nosso país. Em verdade, países desenvolvidos também estão procurando vencer a inércia constatada em seus sistemas educacionais. Em outras palavras, eles não têm sido capazes de movimentar os objetivos de mudança na educação de seus países. A boa notícia é que um grupo de acadêmicos, tendo como figura principal Michael Fullan, autoridade internacional no assunto de liderança e mudança, principalmente na área de educação, está oferecendo novo entendimento desse assunto.

Fullan começou a lançar novas ideias sobre gestão da educação no princípio dos anos 90 do século passado. Daí para frente publicou uma série de livros sobre o assunto e pareceu ter chegado ao cume de sua obra em 2001 com o livro Leading in a Culture of Change (Liderando em uma cultura de mudança), quando concebeu o Modelo Fullan, que se tornou muito conhecido no meio acadêmico internacional. Porém, a partir dessa época, as ideias desse acadêmico foram se desenvolvendo de modo singular nos vários livros que continuou a publicar, até que, em 2010, revelou que as teorias que tinha apresentado em seus livros não estavam sendo postas em prática, isto é, não produziam a mudança desejada. Depois de muitas viagens e observações do que acontecia na realidade da educação, surgiu então a grande novidade que Fullan e seu grupo batizaram de Motion Leadership (Liderança em movimento), um conceito explicado por eles em três livros, o último deles neste ano de 2011.

Assim como acontece com teses de doutorado em universidades exigentes, quando o aluno tem que esmiuçar conceitos e avançar ideias, e isso não se faz em um par de anos, Fullan levou muito tempo para poder brindar os estudiosos, e agora os praticantes da gestão da educação, com a sua "teoria prática", um conceito nunca antes usado nessa área de conhecimento. Ele e seu grupo estão ensinando como se faz mudança efetiva na área de educação em muitos países. O sucesso de vários deles, como Cingapura, por exemplo, atesta a validade e confiabilidade da obra desse acadêmico. Quem sabe a quase secular inércia da educação brasileira, comprovada na tese mencionada, mas sem efeito na realidade da educação, não poderia ser quebrada com a adoção dessa "teoria prática"?