O Estado de São Paulo, n. 44.684, 19/02/2016. Economia, p. B1

Governo vai cortar gastos em R$ 24 bi e indica que meta fiscal não será atingida

Além do corte no Orçamento, governo prepara mudança na meta para as contas públicas, para permitir um déficit de até 1% do PIB, acomodando receitas incertas que não se concretizarem, incluindo a CPMF; meta original prevê superávit de 0,5% do PIB

Por: Carla Araújo /Adriana Fernandes

 

Sob o impacto do novo rebaixamento da nota do Brasil pela agência Standard & Poor’s, a equipe econômica prepara para hoje o anúncio de um corte em torno de R$ 24 bilhões no Orçamento da União deste ano.

Mesmo com o aperto nos gastos, o corte contará com aprevisão de receitas extraordinárias e incertas e acabará deixando claro que a meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida) prevista para todo o setor público, incluindo Estados e municípios, de 0,5% do PIB (R$ 30,5 bilhões), não será cumprida.

Para resolver essa questão legal, Dilma pedirá ao Congresso uma flexibilização da meta do governo, que poderá chegar a um déficit de até cerca de 1% do PIB. Dessa forma, poderão ser abatidas parte de receitas incertas que não se concretizarem, incluindo a CPMF. Os cenários de flutuação da meta ainda estavam sob análise ontem à noite pelo Ministério da Fazenda.

Para cumprir a meta de superávit primário fixada para este ano,os cálculos são de que seria necessário um contingenciamento entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões. Mas, nas contas do governo, a margem máxima para cortes no orçamento seria de R$ 47 bilhões, incluindo gastos com programas sociais, que o governo quer preservar.

Na semana passada, o número que estava pronto para ser anunciado previa um corte bem menor, entre R$ 16 bilhões e R$ 18 bilhões. Mas a avaliação foi de que esse contingenciamento não seria crível para mostrar uma trajetória de crescimento da meta fiscal.

Agora, para tentar passar a mensagem de que continua perseguindo o ajuste fiscal e a retomada do crescimento econômico, além do corte de R$ 24 bilhões, o governo deve anunciar um pacote de medidas fiscais.

Com viagem marcada para a China no domingo, o ministro Nelson Barbosa pretende indicar um conjunto de medidas para sinalizar a reversão do desequilíbrio fiscal das contas públicas no médio prazo. A estratégia tem como base a fixação de um limite de teto para o gasto, além da criação da meta fiscal flexível para acomodar a flutuação de receitas que estavam na conta e que podem não ocorrer por razões fora do controle do governo.

Os ministros da Junta Orçamentária – que reúne Jaques Wagner(Casa Civil)e Valdir Simão (Planejamento), além de Barbosa – estiveram com a presidente Dilma Rousseff ontem pela manhã. À noite, ela os convocou novamente para que finalmente conseguissem “bater o martelo”. No dia anterior, eles já haviam se reunido para organizar a apresentação da proposta para a presidente.

 

Programas sociais. Segundo interlocutores da presidente, as críticas de que o corte é menor que o esperado têm de ser combatidas com o discurso de que “o número é pequeno perto de outros anos, mas é expressivo e forte por contado orçamento enxuto”.A restrição em fazer cortes mais expressivos, de acordo com fontes do Palácio do Planalto, é para preservar o orçamento destinado aos programas sociais, bandeira considerada fundamental por Dilma.

O governo tenta não mexer no programa Bolsa Família, mas já tem claro que precisará cortar programas como o Ciência Sem Fronteiras e o Pronatec.

Uma fonte da equipe econômica informoua o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, que as despesas discricionárias( que não são obrigatórias) serão menores que as de 2015 – o que apontará uma restrição maior este ano, já que o espaço para o corte ficou mais reduzido em função do corte de R$ 80 bilhões de 2015. Além da meta flexível, ou banda fiscal, a proposta de reforma da Previdência também é parte da estratégia do governo para convencer o mercado de que conseguirá reverter o déficit das contas públicas no futuro.

“Tem de combinar a meta de resultado primário com a meta de gastos”, disse um integrante da equipe econômica.Caso o teto de despesas seja furado, o modelo preparado pelo governo prevê o acionamento de cláusulas automáticas de redução do gasto com reajustes de servidores públicos. / COLABORARAM TÂNIA MONTEIRO e LORENNA RODRIGUES

 

Meta flexível

0,5% do PIB é a meta para o superávit fiscal, que não deve ser atingida

1,0% do PIB é o déficit que poderá ser  acertado numa flexibilização

 

PRESTE ATENÇÃO

 

O que deve ser feito

1.Fontes do Planalto dizem que cortes mais expressivos no Orçamento estariam sendo evitados pelo governo para que os programas sociais fossem preservados. Bolsa Família deve ser preservada, mas serão cortados o Ciência Sem Fronteiras e o Pronatec.

2.Despesas discricionárias, aquelas não obrigatórias, entre elas gastos de custeio e investimentos, serão menores do que as do ano passado.

3.Apesar do aperto nos gastos, o corte vai prever receitas extraordinárias e incertas e acabará deixando claro que a meta de superávit primário prevista para todo o setor público, inclusive Estados e municípios, de 0,5% do Produto Interno Bruto (R$ 30,5 bilhões) não será cumprida.

Órgãos relacionados:

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Receita deve manter acessos a dados bancários

Seis dos 11 ministros do STF foram favoráveis à lei que permite ao Fisco ter acesso às contas dos contribuintes

Por: Beatriz Bulla / Rachel Gamarski

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) indicou que pode garantir à Receita Federal o poder de obter dados bancários de contribuintes sem autorização judicial.

A Corte iniciou na quarta feira o julgamento de ações que questionam o acesso do Fisco às informações. Ontem, a sessão foi suspensa,mas o plenário já formou maioria pela constitucionalidade.

Seis ministros votaram a favor e um, Marco Aurélio de Mello, foi contrário. Mas, antes do fim do julgamento, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, suspendeu os trabalhos e convocou nova sessão para a quarta-feira. Até o final do julgamento, os ministros ainda podem mudar seus votos.

A Lei Complementar 105, de 2001, que permitiu o acesso da Receita aos dados sigilosos, é questionada na Corte por partidos, confederações e também pessoas físicas. Os ministros que votaram a favor entenderam que o Fisco tem obrigação de guardar dados sigilosos dos contribuintes e a requisição dos dados pode ser necessária para apurar eventual sonegação de impostos.

Os seis dos onze ministros que foram favoráveis ao Fisco foram: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli,Carmem Lúcia,Rosa Weber e Teori Zavascki.

Nos últimos dias, o ministério da Fazenda fez um intenso corpo a corpo, visitando ministros do STF, para mostrar os possíveis danos às operações de fiscalização caso o mecanismo de apuração de dados bancários fosse modificado. No caso de o Supremo declarar a medida inconstitucional, a Receita passaria a ter de pedir ao poder judiciário a quebra de sigilo bancário dos contribuintes. Entre os argumentos da Fazenda também está o fato de que acordos internacionais de troca de informações fiscais ficariam impossibilitados, já que a Receita teria dificuldade no acesso aos dados brasileiros.

Desde o início do ano, o tema tem estado no centro das atenções, com o aumento do controle sobre as movimentações financeiras pela Receita.O Fisco determinou,por meio de instrução normativa, que bancos informem movimentações financeiras mensais acima de R$ 2 mil feitos por pessoas físicas e superiores a R$ 6 mil no caso de pessoas jurídicas. A intenção é verificar a compatibilidade dos dados com as informações prestadas no imposto de renda.

Os ministros que votaram a favor da Fazenda argumentaram que não há uma quebra de sigilo, e sim uma transferência de informação.Em seu voto,Zavascki disse que via uma “espécie de culto fetichista do sigilo bancário que, muito mais do que preservar a intimidade das pessoas, visa negar acesso das autoridades a dados”.

Único ministro a votar contra até o momento, Mello se mostrou indignado. “No Brasil, pressupõe-se que todos sejam salafrários, até que se prove o contrário. A quebra de sigilo não pode ser manipulada de forma arbitrária pelo poder público”, disse.

 

Defesa

A Receita temia perder um terço da arrecadação caso o Supremo se posicionasse contra a prática, e lembra que já foram recuperados R$ 6 bilhões em créditos tributários com a operação Lava Jato.