O Estado de São Paulo, n. 44.684, 19/02/2016. Economia, p. B11

Recessão no Brasil vai se agravar, diz OCDE

Para 2016, entidade projeta queda de 4,0% do PIB e para 2017, crescimento nulo

Por: Andrei Netto

 

O Brasil ainda não chegou ao fundo do poço de sua crise. A análise foi feita ontem pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em seu relatório Perspectivas Econômicas. De acordo com a instituição que reúne 34 das maiores economias do mundo, o País vai enfrentar um novo ano de profunda recessão em 2016, de 4,0% – índice idêntico ao tombo de 2015, confirmado ontem pelo Banco Central.

A previsão é ainda mais negativa do que a entidade divulgou em novembro, quando o prognóstico era de um recuo de 2,85% para o Brasil. Ao longo da sucessão de trimestres, o cenário tende a melhorar, mas ainda de forma tímida. Tanto que a OCDE prevê crescimento nulo em 2017 – em novembro, a previsão era de crescimento de 1,8%.

Para Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia de Portugal e hoje diretor de Estudos de Países do Departamento de Economia da OCDE, ainda há mais crise pela frente. “A OCDE prevê que a recessão da economia brasileira se agravará neste ano.” A organização também afirma que a recessão é acelerada “pela incerteza política em curso e a inflação crescente”.

Sem surpresas, trata-se de um desempenho incomparável com outros grandes emergentes do Brics, como China e Índia, e tão instável como Rússia, que está sobembargo econômico, ou Turquia, desestabilizada por uma guerra regional que levou 2,5 milhões de refugiados ao país. “Algumas economias emergentes, incluindo Brasil, Rússia e Turquia, estão vulneráveis a choques de taxa de câmbio por causa da grande parcela da dívida em moeda estrangeira”, diz o texto.

Em seu relatório, a entidade é clara sobre a principal razão econômica do desempenho pífio: o preço das commodities em queda livre nos mais variados setores, como metais e minerais, alimentos e petróleo.

Para a OCDE, a nova onda de turbulência não atinge só os grandes emergentes, mas também atinge em cheio as economias desenvolvidas. “Os efeitos são mais claros nos Estados Unidos, na zona do euro e nas economias tributárias de suas exportações de produtos de base, como o Brasil e o Canadá”, diz o relatório.

Mundo. Alarmada pela perspectiva de queda no crescimento mundial, a OCDE exortou as economias mais ricas da União Europeia a flexibilizar suas políticas de austeridade fiscal e acentuarem os investimentos em infraestrutura. A estratégia, para a entidade, é necessária porque a desaceleração do PIB mundial continua – a previsão para 2016 caiu de 3,3% para 3%.

Os economistas da organização advertem também que a flexibilização da política monetária pelos bancos centrais não é suficiente, e que os países do G-7 precisam dar uma resposta coletiva.

As previsões da OCDE foram divulgados em tom sombrio e de incerteza. Segundo a economista- chefe da organização, Catherine L. Mann, a degradação dos prognósticos é mundial e visível nos últimos três meses.

Para a expert, o crescimento mundial em 2016 tem poucas chances de ser melhor do que em 2015 – ano marcado pelo pior desempenho em cinco anos. O diagnóstico da entidade é claro: comércio internacional fraco, nível de investimento baixo e preço das commodities em queda, circunstâncias que também desestimulam o nível de emprego, estagnam os salários e afetam a demanda interna dos países, resultando em tendência de baixa inflação. Somam-se a esses fatores o retorno da instabilidade nos mercados financeiros.

“Os riscos de instabilidade financeira são consideráveis, como mostraram as recentes baixas dos preços das ações e das obrigações observadas em escala mundial, e a vulnerabilidade crescente de certas economias emergentes, expostas a fluxos decapitais voláteis e aos efeitos do endividamento interno elevado”, diz o estudo.

Segundo a OCDE, o recuo de 0,3% da perspectiva de crescimento mundial vale também para 2017– cujo prognóstico é agora de 3,3% de aumento do PIB.

Para Catherine, cabe aos países desenvolvidos auxiliaras políticas expansionistas dos bancos centrais. Segundo ela, é preciso reduzir o ritmo do ajuste fiscal e das políticas de austeridade, e focar em investimentos em infraestrutura que promovam o emprego, a renda e, em última análise, o consumo.

 

Advertência

“Os riscos de instabilidade financeira são consideráveis, como mostraram recentes baixas dos preços das ações.”

Catherine L. Mann

ECONOMISTA-CHEFE DA OCDE

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ENTREVISTA - Álvaro Santos Pereira

Para diretor da OCDE, economia precisa resgatar credibilidade; e não pode abdicar de ajuste fiscal

‘Brasil atravessa uma tempestade perfeita’

 

O desempenho preocupante de economias emergentes, em particular do Brasil, é um dos destaques negativos do relatório Perspectivas Econômicas divulgado ontem, em Paris, pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento, escrito em um tom negativo, poucas vezes visto desde a eclosão da crise financeira internacional em 2008, chama atenção pelo temor em relação à imprevisibilidade que paira sobre a economia mundial.

Quanto ao Brasil, o documento é implacável. Para Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia de Portugal e hoje diretor de Estudos de Países do Departamento de Economia da OCDE, não haverá reconquista da confiança interna e externa sem um ajuste fiscal credível, acompanhado de reformas estruturais. A seguir, trechos da entrevista:

 

Os números apresentados hoje pela OCDE são convergentes em relação aos revelados hoje no Brasil. O sr. pode comentar essas perspectivas?

As perspectivas são quase as mesmas. As previsões são consistentes com os dados que têm saído sobre a economia brasileira nos últimos meses. Prevemos que este ano ainda será de recessão, um ano difícil. Nos próximos trimestres o Brasil começa a sair dessa situação, mas em um ritmo lento. Estamos prevendo um crescimento nulo, ou muito perto disso em 2017. Haverá uma gradual aceleração da economia brasileira, mas ainda há muitas dificuldades no curto prazo.

 

Quais são as dificuldades que o senhor vê no caminho do Brasil?

Todo brasileiro conhece bem a questão, na verdade. É importante fazer um ajuste fiscal, que é fundamental para garantir que o Brasil possa sair dessa situação delicada. O Brasil tem uma dívida pública que não é muito elevada, mas já considerável. Além disso, os juros e os encargos são muito elevados. Quando se gasta muito com juros, tem-se menos para gastar em outras áreas. É muito importante que o ajuste seja feito, mas ao mesmo tempo salientamos que é muito importante que reformas econômicas estruturais avancem no Brasil para tornar o ambiente econômico mais confiável.

 

Na sua visão, qual é o maior fator de instabilidade: a crise política ou a econômica?

No fundo o Brasil está atravessando uma tempestade perfeita nos últimos meses. A crise política foi muito difícil, com todos os escândalos de corrupção que ajudaram a derrubar o índice de confiança. Mas o Brasil foi muito afetado pela redução dos investimentos da Petrobrás e das empreiteiras, além de enfrentar, como os demais países exportadores de commodities, a queda do preço das matérias-primas. Isso é um choque. Agora aumentou bastante a incerteza quanto ao turismo, relacionado ao zika. O Brasil está passando por um momento difícil.

 

Nesse intervalo a preocupação tem crescido com a dívida pública.

Em 2008, a Espanha tinha uma dívida de 35% do PIB, contra 98% em 2015. O senhor teme que uma explosão similar possa ocorrer com o Brasil? As dívidas têm aumentado bastante, mas os encargos com a dívida também são muito elevados. Enquanto a Espanha paga 3% ou 4% de juros, o Brasil paga 14%. Como se resolve essa situação? Só há duas maneiras, que são complementares: o ajuste fiscal têm de acontecer; e, em segundo lugar, têm de haver reformas. A relação dívida/PIB baixa se houver uma contenção de despesas e, ao mesmo tempo, haver mais crescimento. Para tanto é preciso mais confiança dos investidores e dos consumidores. O Brasil aproveitou bem o efeito das commodities no passado. Agora precisa fazer as reformas avançarem. As barreiras ao investimento, por exemplo, ainda são elevadas. Também é importante cortar procedimentos burocráticos e ampliar a integração econômica no próprio continente, estimulando o comércio na América Latina.

 

O sr. se referiu à confiança. A nota de risco do Brasil tem caído por sucessivas avaliações das agências de rating. Como recuperar a confiança nesse cenário?

Confiança só se ganha com um ajuste fiscal credível e com reformas. Se o País quer voltar a crescer, é preciso reconquistar credibilidade. É preciso não só oferecer sinais às agências de rating e investidores de que as reformas serão feitas, mas também reconquistar a confiança interna.

 

O relatório da OCDE destaca o crescimento da incerteza econômica em todo o mundo, com a volatilidade dos mercados financeiros, por exemplo, e a situação das economias emergentes.

Revisamos para baixo o PIB de praticamente todos os países. Isso ocorreu porque os riscos subiram, assim como a incerteza. Essas perspectivas não estão só associadas ao desempenho da economia da China e da Ásia em geral, mas também pelo impacto das economias exportadoras de matérias-primas, como o Brasil. Há muitas economias dependentes de orçamentos públicos, e isso contribui para a volatilidade dos mercados. /A.N.