O Estado de São Paulo, n. 44.684, 19/02/2016. Metrópole, p. A12

Ministério admite ligação com zika em 40% das notificações de microcefalia

Emergência nacional e mundial. Porcentual considera análise de exames avaliados até o momento – houve 508 confirmações,o equivalente a 37,7% do total; avaliação ocorre após mudança em boletim. Notificação de casos do vírus passou a ser obrigatória

Por: Lígia Formenti

 

O ministro da Saúde, Marcelo Castro, disse acreditar que 40% das notificações de microcefalia no País estejam relacionadas ao zika. O restante estaria associado a outras causas – como doenças genéticas ou infecções por citomegalovírus, herpes ou toxoplasmose. Por esse raciocínio, dos 5.280 registros em análise, 2.112 seriam efetivamente ligados à transmissão do zika durante a gestação.

A avaliação foi feita um dia depois da polêmica em torno da mudança no formato do informe epidemiológico, que não traz mais números de exames que já comprovaram laboratorialmente infecção por zika. No boletim anterior, com dados até o dia 6, o Ministério da Saúde havia relatado 41 casos de bebês cujos testes confirmaram a presença do vírus.

O número era considerado baixo pelo governo e, conforme a reportagem do Estado apurou, por uma determinação do ministro passou a ser omitido. A mudança provocou mal-estar dentro da pasta. Parte dos técnicos, que defendia a divulgação dos números, considerou a omissão como uma estratégia para inflar os números e reforçar os argumentos para aprovação no Congresso da CPMF para financiar a Saúde.

Castro reafirmou ontem estar convicto de que o número  de casos de microcefalia relacionados ao zika é superior ao que foi apontado nos exames laboratoriais até agora. E que houve infecção por zika na “maior parte” das mães que tiveram bebês com microcefalia. Minutos depois, no entanto, admitiu que a estimativa usada pelo ministério não chega nem mesmo à metade dos casos. A pasta teria chegado ao porcentual de 40% fazendo uma análise dos exames avaliados até o momento – houve 508 confirmações, o equivalente a 37,7% do total.

Desde ontem, a notificação de casos suspeitos por zika é obrigatória no País. Com a medida, profissionais de saúde devem comunicar autoridades sanitárias semanalmente se atenderam pacientes com suspeitas da doença. No caso de gestantes, a comunicação deve ser imediata. “Agora temos testes que nos permitem dar com segurança o diagnóstico do vírus.”

As declarações foram dadas durante a Reunião Bilateral Brasil-EUA, Fortalecimento da Cooperação para a Resposta à Epidemia do Vírus Zika. No encontro, que termina hoje, representantes dos dois países discutem estratégias para desenvolver pesquisas que ajudem no diagnóstico e prevenção da doença e no combate ao Aedes aegypti. “O mais importante é a vacina”, disse Castro. Ao fim do encontro, será divulgado um cronograma de medidas.

 

Dengue. O ministro afirmou ainda que os testes clínicos da vacina contra dengue Brasil EUA começam na próxima semana.O estudo deverá ser feito com 17 mil voluntários,com faixas etárias distintas: de 2 a 6 anos, de 7 a 17 e de 18 a 59. Apenas uma parte foi recrutada, mas a quantidade é suficiente para dar início aos trabalhos.

 

Dilma e os evangélicos

Na véspera do novo dia de combate ao mosquito, com foco na educação, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com líderes evangélicos para pedir apoio.

 

Órgãos relacionados:

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Genoma do vírus se assemelha ao da encefalite japonesa

Por: Clarissa Thomé/Fábio Grellet

O vírus da zika que está circulando no Brasil é idêntico àquele que circulou em 2013 na Polinésia Francesa, onde acarretou pelo menos 17 casos de microcefalia, diferente do que circulou na África e mais parecido com o da encefalite japonesa. Essa é uma das conclusões dos pesquisadores do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que fizeram o primeiro sequenciamento completo do genoma do vírus da zika no Brasil.

Eles analisaram o vírus no líquido amniótico de duas grávidas de Campina Grande (PB).

Segundo pesquisadores, a semelhança entre os vírus causadores da zika e da encefalite japonesa (também transmitida por um mosquito e para a qual se tem vacina) deve abrir uma nova frente de estudos. A expectativa dos cientistas é que os anticorpos do vírus da encefalite japonesa também neutralizem o zika. / CLARISSA THOMÉ e FÁBIO GRELLET

 

IDENTIFICANDO O VÍRUS

 

● Exame que identifica o material genético do vírus ainda é pouco difundido no mercado

 

1 Coleta

A amostra de sangue ou urina é colhida do paciente.

No caso do sangue, a amostra é fracionada em uma centrífuga para separar o soro ou o plasma.

O procedimento dura até 10 minutos. Nessa etapa, o plasma, soro, ou urina são purificados para obtenção do RNA presente na amostra.

Essa etapa pode ser manual ou automatizada e dura duas horas

 

2 Amplificação

Depois de transformar o RNA em DNA, uma máquina “amplifica” fragmentos desse material genético, multiplicando-o milhões de vezes. O vírus tem 11 mil bases e apenas 200 delas são copiadas

 

3 Detecção

Um equipamento é usado para medir o aumento dos fragmentos de material genético do vírus. Se houver amplificação, o vírus está presente.

A amplificação e detecção demora de uma a duas horas. O processo completo demora de 4 a 5 horas

 

Sintomas

 

● Febre: sem febre ou com quadro igual ou abaixo de 38ºC (1 a 2 dias)

● Manchas na pele: surge no primeiro ou segundo dia (90% a 100% dos casos)

● Dor nos músculos: presente

● Dor na articulação: presente

● Intensidade da dor articular: leve a moderada

● Edema da articulação: frequente e de leve intensidade

● Conjuntivite: 50% a 90% dos casos

● Dor de cabeça: presente

● Coceira: moderada a intensa

● Hipertrofia ganglionar: intensa

● Sangramento: ausente

● Acometimento neurológico: mais frequente que dengue e chikungunya

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Teste para detectar vírus custa até R$ 1,6mil e não é coberto por planos

Exame consiste na identificação genética do zika e não está difundido no mercado; ANS não descarta rever rol

Por: Fábio de Castro

 

Embora a zika tenha contribuído para a declaração de emergência internacional e o Ministério da Saúde tenha tornado compulsória a sua notificação, o principal teste para diagnosticar o vírus ainda não entrará no rol de cobertura obrigatória dos planos de saúde privados, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).Na rede privada, a realização do teste genético do tipo PCR custa cerca de R$ 1,6 mil. Na rede pública, pelo menos 16 laboratórios fazem a análise no Brasil. Em São Paulo, a demanda fica concentrada no Instituto Adolfo Lutz.

De acordo com a ANS, a justificativa para não incluir os testes por PCR no rol é que eles ainda não estão plenamente disponíveis. Em nota, o órgão afirma que os exames específicos existentes para diagnóstico tiveram autorização para comercialização no início deste mês. “Esses exames ainda não estão amplamente disponíveis na rede de laboratórios, somente sendo possível sua realização em alguns estabelecimentos referenciados”, diz a agência.

Outro argumento é que o teste só funciona nos primeiros dias da infecção, enquanto os sintomas estão ocorrendo, o que reduziria sua utilidade para a maior parte dos pacientes.

A ANS afirmou também que “está acompanhando atentamente as diretrizes do Ministério da Saúde para prevenção e combate ao vírus e adotará todas as medidas necessárias para o enfrentamento dessa situação crítica, inclusive no que diz respeito à revisão do rol de procedimentos”.

Na opinião do biólogo José Eduardo Levi, professor da Universidade de São Paulo (USP) e chefe do Departamento de Biologia Molecular do Hemocentro de São Paulo, os planos deveriam cobrir os testes. “Se eu tiver sintomas de zika, vou querer fazer o teste. A ANS incluiu o teste de dengue no rol e 99% das pessoas que vão pedi-lo estão na fase dos sintomas. O argumento não faz muito sentido.”

De acordo com João Renato Rebello Pinho, da USP e do Hospital Israelita Albert Einstein, até agora o principal recurso para diagnosticar a doença é a observação do caso clínico. “É muito difícil fazer o diagnóstico diferencial, porque a zika, a dengue e a chikungunya têm sintomas muito semelhantes. Os exames laboratoriais, no entanto, ainda não estão tão presentes como gostaríamos”, afirmou.

A ANS informou que o rol inclui tratamento da zika e exames e terapias para o tratamento de bebês com microcefalia.

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ENTREVISTA - Mário Emílio Dourado

‘Guillain-Barré deveria ter notificação obrigatória’ Mário Emílio Dourado, neurologista

Por: Clarissa Thomé

 

O neurologista Mário Emílio Dourado, do Hospital Universitário Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), acompanha os casos de síndrome de Guillain-Barré em Natal desde 1994, quando passou a se interessar pela doença autoimune que surge após infecções e causa paralisia temporária. Montou um banco de dados próprio. Como a doença não é de notificação obrigatória, as informações do médico são valiosas por mostrar aumento do número de casos depois do surto de zika. Acostumado à média de 13 pacientes ao ano, Dourado registrou 36 vítimas da doença em 2015.

Foi do médico de Natal o primeiro alerta para a Academia Brasileira de Neurologia, em junho passado, associando zika e Guillain-Barré.

 

Se houver epidemia de zika em todo o País também haverá epidemia de Guillain-Barré?

Vai significar o aumento de casos em todo o País. Na verdade, foi o que aconteceu em Natal em maio do ano passado. Entre 1994 e 2014, a média era de 13 casos ao ano. Eu via um caso por mês. Em março de 2015, houve três casos, o que já me chamou a atenção. Em abril, foram 7. Em maio, 14. Só nos meses de outono, foram 24 pacientes com Guillain-Barré. Naqueles dias estava no auge a infecção por zika. Mas era pouco conhecida, quase não se ouvia falar em zika, muito menos em microcefalia. Em 2015, tivemos 36 casos de Guillain-Barré.

 

Qual o desafio para a saúde pública de tantos casos de Guillain-Barré num momento só?

É um problema sério; 30% dos pacientes que têm a forma clássica da síndrome podem desenvolver insuficiência respiratória. Esses pacientes precisam ser tratados em ambiente hospitalar, em instituições que tenham unidade intensiva, vão precisar de respiração artificial. Imagino que será uma situação catastrófica se a gente não tiver leitos em unidade intensiva.

 

Por que é importante saber qual infecção levou à síndrome de Guillain-Barré?

Essa é uma doença autoimune. É você atacando você mesmo. Mas a gente sabe que essa resposta é desencadeada por um agente infeccioso. Temos de saber em cada Estado o que leva à Guillain-Barré.

 

O que a ciência ainda precisa saber sobre Guillain-Barré?

Do ponto de vista científico, é importante descobrir como cada micróbio lesa o nervo, como ele age para provocar a síndrome. Dessa forma, podemos descobrir medicamentos mais efetivos. Guillain-Barré deve ser uma doença de notificação obrigatória.