Título: O recado do primo
Autor: Pinto, Paulo Silva
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2011, Política, p. 2
Jzonu Kornajev procurou o embaixador brasileiro em Sofia, capital da Bulgária, em dezembro de 2010 para que traduzisse e enviasse mensagem a sua prima Dilma Rousseff antes que ela tomasse posse na Presidência. "Escrevi a Dilma uma saudação e o desejo de boa sorte. Depois lhe disse que ela deve ser honesta como foi meu avô, que era também avô do pai dela", contou Kornajev, ontem, no fim da tarde ao receber a reportagem do Correio no apartamento simples e aconchegante em um bairro de classe média da capital búlgara.
Ao receber da reportagem uma foto de Dilma, Kornajev, 84 anos, pede desculpas por chamar a presidente pelo prenome. "É que eu sinto mesmo que ela é da família", explica, sem saber que no Brasil que não há restrições a esse tratamento informal, aliás, o preferido pela maioria dos políticos. Também por intermédio da embaixada brasileira, ele enviou a árvore genealógica da família. Ele mostra uma cópia, também feita à mão, ao argumentar que é o parente mais próximo de Dilma por parte de pai.
A agenda oficial de Dilma reserva encontro com familiares em Gabrovo, cidade de 60 mil habitantes onde nasceu Pedro Rousseff, o pai de Dilma. Os 215km que separam a cidade e a capital búlgara desanimam Kornajev, que diz sentir o peso da idade. Contradizendo a queixa, ele se levanta em vários momentos da conversa para buscar papéis e ir falar com a mulher, Svetla, que prepara um café.
Quando ela traz a xícara, ele aproveita para servir também um conhaque típico da Bulgária. Em Gabrovo, Dilma será recebida pela viúva de um primo distante. Em Sofia, mora a maior parte de seus parentes, incluindo Ralitsa Neguentsova, que preside a instituição responsável por todas as eleições na Bulgária.
Kornajev tinha dois anos em 1929, quando Pedro Rousseff, nascido Petar Roussev, deixou o país para nunca mais voltar. Primeiro, o pai de Dilma foi para a França, onde o sobrenome passou por uma adaptação linguística. Em meados da década de 1940, depois de viver na Argentina, ele se instalou no Brasil. Desta vez, o prenomee é que se adaptou ao novo país.
O pai de Dilma morreu em 1971, sem jamais regressar à Bulgária. Ele não deixou para trás somente a terra natal, mas também a primeira mulher, grávida. Nunca conheceu o filho, Luben-Kamen Roussev, meio-irmão de Dilma. No livro Rousseff, os jornalistas Jamil Chade e Momchil Indjov, respectivamente brasileiro e búlgaro, contam que Dilma trocou cartas com o irmão pouco antes de ele morrer, em 2007. Chegou a ajudá-lo financeiramente. Dilma estava com viagem marcada para conhecer a Bulgária e o irmão, quando subitamente ele morreu. Luben não teve filhos e sua esposa morreu um ano depois.
Os motivos da fuga de Petar Roussev são desconhecidos. Dilma afirmou em entrevista que ele era membro do Partido Comunista da Búlgaria, que na década de 1920 era clandestino. O primo Kornajev discorda: "Ele (Petar) era apolítico". Os búlgaros passaram por muitas dificuldades em vários períodos do século 20. Kornajev lembra-se sem saudades do regime de orientação comunista. Colaborador de jornais e professor de relações internacionais aposentado, ele conta que escreveu 1.100 artigos desde os 15 anos. Desses, 800 foram nos últimos 22 anos, após a queda do regime.
No fim da conversa, Kornajev acompanha o repórter até a porta do bloco de apartamentos, retangular e com poucos andares. Faz calor no começo de outono em Sofia, cidade de 2 milhões de habitantes, a metade do que há no país. Crianças e adolescentes lotam os espaços verdes e os bolsões de estacionamento entre os blocos. Tanto os prédios quanto as quadras lembram Brasília. (PSP)