O globo, n. 30.147, 20/02/2016. Economia, p. 19

Rebaixado, de novo

Falta de ajuste fiscal e crise política levam S& P a reduzir ainda mais a nota do Brasil

“É cedo para voltar a falar em grau de investimento, porque isso só vai ocorrer quando o país voltar a crescer”
André Perfeito
Economista- chefe da Gradual “Foram muitos erros cometidos. Não só pelo governo, mas também pela oposição, que rejeitou o ajuste”
Fabio Silveira Diretor de pesquisas econômicas da GO Associados

Agência de classificação de risco já havia tirado selo de bom pagador em 2015 e não descarta nova piora na avaliação nos próximos meses

A Standard & Poor’s ( S& P) rebaixou ainda mais a nota de crédito do país, de “BB+” para “BB”. Com isso, o Brasil agora está dois degraus abaixo do selo de bom pagador. A agência de classificação de risco justificou a decisão citando uma “correção mais lenta da política fiscal” e as dificuldades para aprovar as reformas em meio a um processo de impeachment da presidente, além da crise na Petrobras. Analistas não se surpreenderam com a decisão e preveem que o país poderá ter novos rebaixamentos. - RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA- Menos de seis meses após tirar o selo de bom pagador do Brasil, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s ( S& P) voltou a rebaixar a nota de crédito do país. Em comunicado divulgado ontem, a entidade cortou o rating da dívida brasileira em moeda estrangeira de “BB+” para “BB”, dois degraus abaixo do chamado grau de investimento, conferido a países com menor probabilidade de dar calote em seus credores. Em moeda local, a nota passou de “BBB-” para “BB”, um corte ainda maior, entrando em grau especulativo. A perspectiva da nota permaneceu negativa, o que indica a possibilidade de novo corte nos próximos meses.

A crise política foi um dos principais fatores levados em consideração pela S& P. Em nota, a agência destacou a falta de clima para aprovar medidas de ajuste fiscal no Congresso: “Apesar dos planos do governo para apresentar reformas estruturais, como a da Previdência, esperamos que o ambiente político após a conclusão do processo de impeachment também limite a viabilidade de reformas — independentemente de quem for presidente”. E ressaltou que espera “um processo de ajuste mais prolongado, com correção mais lenta da política fiscal, assim como outro ano de aprofundamento da contração econômica”. A frágil situação da Petrobras, afetada pelos desdobramentos da Operação Lava- Jato e pela crise do setor de petróleo, também foi levada em consideração.

O corte já era esperado pelo mercado, segundo economistas. A expectativa dos analistas, no entanto, era que a revisão viesse mais tarde.

— A única surpresa foi o timing — afirma Luis Roberto Leal, economistachefe do banco ABC Brasil.

O anúncio ocorre uma semana após o governo decidir adiar para março o corte de despesas no Orçamento, aumentando as incertezas sobre a política fiscal. Leal acredita, no entanto, que a revisão não se baseou em um fato isolado. A S& P foi a primeira a suspender o grau de investimento do país, em 9 de setembro de 2015, poucos dias após o governo enviar ao Congresso um Orçamento com previsão de déficit primário de R$ 30,5 bilhões, uma decisão inédita.

—É o conjunto da obra. A gente está entrando em 2016 sem perspectiva de retomada do crescimento, nem equilíbrio fiscal. Nosso problema hoje é político, o que, por sua vez, impede a resolução do problema fiscal — explica Leal.

Fabio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da GO Associados, lembra que o novo rebaixamento ocorreu porque o país deixou de fazer o ajuste fiscal esperado para o ano passado:

— Foram muitos erros cometidos. Não só pelo governo, mas também pela oposição, que rejeitou o ajuste fiscal. Com essas coisas, a gente não brinca. O mercado financeiro internacional olha para o Brasil, não olha para a situação ou oposição. ENDIVIDAMENTO EM ALTA PREOCUPA Para André Perfeito, economista- chefe da Gradual, o cenário faz com que a ação do governo fique restrita a medidas emergenciais:

— O ajuste fiscal teria de ser feito com base no médio e longos prazos, mas isso pertence aos políticos, e no meio da atual crise não se consegue chegar a qualquer decisão. Com isso, sobra apenas para o ministro da Fazenda tentar fazer ajustes de curto prazo, mas são medidas que deveriam estar sendo implantadas para médio e longo prazos. Ou seja, a crise política piora todas as variáveis. Estamos vendo o custo econômico da crise política.

Entre os indicadores observados pelas agências de risco, a relação entre a dívida bruta e o Produto Interno Bruto ( PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) é um dos mais importantes. O número ajuda a medir a capacidade de pagamento do país. No Brasil, vem subindo: fechou 2015 em 65,5%.

Desde 2014, o Brasil está gerando resultados primários negativos, ou seja, gastando mais do que arrecada, mesmo sem incluir o pagamento com juros da dívida. Em umcenário de crise política e recessão econômica, o governo tem dificuldade em implementar um ajuste fiscal que possa melhorar essa economia.

Para Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, essa trajetória de alta da dívida é o que mais preocupa os investidores. Ela estima que a proporção chegará a 80% em 2018, projeção mais pessimista que a própria S& P, que prevê 75,9% para o mesmo ano.

— É uma dinâmica brutal de aumento. Mesmo um governo muito responsável vai ter de trabalhar muito a partir de 2018 para reduzir esse indicador — avalia Alessandra.

Sem reformas estruturais que possam estabilizar essa trajetória de alta, a avaliação é que ficará difícil o Brasil retornar ao nível de grau de investimento. Daniel Weeks, economista- chefe da Garde Asset Management, acredita que a dificuldade em conter a deterioração fiscal está atrelada ao nível alto de juros.

— Quando se chega a um nível elevado, indo para 90% ou 100% do PIB, em um país de juros estruturalmente altos como o nosso, fica difícil gerar resultados primários que possam estabilizar essa relação — explica.

Perfeito, da Gradual, também espera que o cenário piore antes de melhorar:

— Para 2016, inflação, juros e câmbio devem melhorar, mas o vetor político deteriora tudo. É cedo para voltar a falar em grau de investimento, porque isso só vai ocorrer quando o país voltar a crescer, e a previsão é que neste ano haja uma queda de 3% e em 2017 uma alta de apenas 0,5%.

Uma novidade do relatório de ontem foi o nivelamento da nota de crédito em moedas estrangeiras com a de moeda nacional. Isso significa que a S& P considera que os credores internos, detentores de títulos do país, correm tanto risco quanto os internacionais.

A decisão surpreendeu a economistachefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Segundo ela, isso pode indicar dificuldade do Tesouro Nacional em administrar as dívidas.

— Não esperava o rebaixamento em dois degraus da dívida interna. Isso significa que a S& P está questionando o risco de calote da dívida interna, que está em uma dinâmica preocupante porque não conta com reservas, como a dívida externa. Hoje se nota um aumento muito rápido das operações compromissadas do Banco Central, que podem indicar dificuldade do Tesouro em administrar suas dívidas — afirma Zeina. MAIS PRÓXIMO DA ARGENTINA O novo rebaixamento pela S& P já era esperado pelo governo e mostra que os agentes financeiros veem uma retração econômica mais acelerada do que a imaginada antes. Segundo fontes da equipe econômica, novos downgrades podem vir por causa dessa severa deterioração. Apesar de ainda não constar nos documentos oficiais, o Banco Central ( BC), por exemplo, já trabalha desde meados de janeiro com uma retração de nada menos que 3% em 2016.

A previsão oficial do BC ainda é de queda de 1,9% ( dado do Relatório Trimestral de Inflação, publicado em dezembro). A última ata do Comitê de Política Monetária ( Copom) disse apenas que a projeção piorou, mas não revelou a nova estimativa. Internamente, desde o mês passado, os técnicos trabalham com a perspectiva de retração de 3% neste ano.

Sem conhecimento dessa projeção e com a promessa de que o BC faria tudo para conter a inflação, o mercado financeiro apostava em alta de juros. Para reverter essa expectativa, a autoridade monetária aproveitou um relatório do Fundo Monetário Internacional ( FMI), que alterou suas projeções de retração da economia de 1% para 3,5%.

Para os técnicos, a reavaliação da nota de crédito do Brasil mostra que é consenso a deterioração.

— Duas agências já nos colocaram abaixo do investment grade. A S& P apenas aprofundou. Rebaixados nós já estamos. A surpresa, na verdade, é por que a Moody's ainda está parada — relatou uma fonte.

Com a revisão, o Brasil fica cada vez mais próximo da Argentina. Pela S& P, o rating do país vizinho subiu no mês passado, após a posse do novo governo, de “CCC-” para “B-”.

— As agências gostam de olhar tendências. A da Argentina é boa; a nossa, não — admitiu um técnico. OPOSIÇÃO CRITICA O Ministério da Fazenda reagiu ao novo rebaixamento afirmando, em nota, que o governo está adotando uma série de medidas de caráter estrutural para reduzir incertezas fiscais, melhorar a confiança dos investidores e retomar o crescimento da economia. Segundo a equipe econômica, assim que essas ações começarem a mostrar resultados, a decisão da S& P será revertida. “O Ministério da Fazenda está convicto de que a revisão da nota do Brasil é temporária e será revertida tão logo os resultados das medidas em andamento comecem a produzir efeitos na economia, levando ao reequilíbrio fiscal e à recuperação do crescimento”, afirma o texto.

A Fazenda ressalta ainda que a redução da nota do país por agências de risco não afeta a capacidade do governo de honrar seus compromissos com credores nem a perspectiva de recuperação da economia a médio prazo: “Apesar do cenário atual de retração econômica, o país mantém a capacidade plena de honrar seus compromissos e cumprir com suas obrigações contratuais”.

O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves ( MG) lamentou o novo rebaixamento:

— Na verdade, faz isso após avaliar que o processo de ajuste da economia brasileira não alcançará os objetivos expostos ou buscados pelo governo. É mais uma nota triste em um contexto realmente de notícias extremamente negativas que o Brasil vem colhendo.

Já o líder do Democratas no Senado, Ronaldo Caiado ( GO), afirmou que a ação da S& P mostra o “desastre total” que é o governo da presidente Dilma Rousseff:

— É um governo sem credibilidade, que não implanta ajustes dentro da própria administração e que não tem força política para aprovar qualquer medida no Congresso. O rebaixamento da nota traduz o desastre que é o atual governo. O mercado, a exemplo dos brasileiros que sofrem com desemprego e inflação, não confia em Dilma.

A Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa), no entanto, não refletiu a preocupação dos analistas. Fechou em alta de 1,67%, aos 41.630 pontos. Já o dólar comercial recuou 1,89%, a R$ 3,994.