O Estado de São Paulo, n. 44.688, 27/02/2016. Metrópole, p. A17

EUA registram primeiro caso de bebê com microcefalia relacionada ao zika

 

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos relatou ontem o primeiro caso de bebê nascido com microcefalia naquele país. A mãe contraiu zika enquanto morava no Brasil. O caso faz parte de um estudo em que foram acompanhadas nove mulheres americanas grávidas que haviam viajado para nações onde o vírus circula.

De acordo com o relatório divulgado pela agência, o bebê nasceu com microcefalia severa na 39ª semana de gestação, com circunferência da cabeça de 27 centímetros. Entre as outras oito mulheres foram reportadas duas perdas espontâneas do feto no início da gravidez e dois abortos eletivos. Em um dos casos em que a mãe decidiu terminar a gravidez, exame de ultrassom na 20ª semana tinha sugerido problemas no cérebro do feto. Exame posterior revelou severa atrofia do cérebro.

Nessas cinco situações, as mulheres tiveram os sintomas de zika no primeiro trimestre da gestação. Dois bebês nasceram aparentemente saudáveis, e as duas outras gestações continuavam sendo acompanhadas (uma na i8.a semana e outra na 34ª), mas seguiam sem complicações conhecidas. Segundo o CDC, todas elas tinham viajado ou para o Brasil ou para outros países em que a transmissão do zika é autóctone. Os dados eram referentes a um relatório entregue na semana passada com os nove casos. Há ainda outros dez casos de mulheres grávidas com zika que estão sob investigação.

Em entrevista coletiva à imprensa nos Estados Unidos, os pesquisadores do CDC demonstraram surpresa com o caso de microcefalia. "Nós não esperávamos ver anomalias cerebrais nesta série de casos tão pequena de grávidas americanas viajantes", disse Denise Jamieson, especialista em defeitos fetais. Para ela, foi "um número maior do que o esperado".

Vida no Brasil 

Segundo o relatório, a mãe que teve o bebê com microcefalia severa deu à luz no fim do ano passado. Ela tinha vivido no Brasil até a 12ª semana de gestação e contou que tinha sentido febre, vermelhidão, dores nas articulações e dor de cabeça entre a 7ª e a 8ª semana de gestação. Testes sorológicos confirmaram que a mãe foi infectada por zika. Exames na placenta também mostraram a presença do vírus.

A avaliação do bebê constatou calcificações no cérebro. Ele apresenta dificuldade para engolir e convulsões, dependendo de alimentação por tubo.

O CDC aponta que, desde 1° de agosto do ano passado, recebeu 257 pedidos de teste de zika em mulheres grávidas. A maioria (159) relatou sintomas consistentes com zika, mas exames laboratoriais conseguiram confirmar infecção pelo vírus em apenas 3% do total. Segundo a agência, meio milhão de mulheres grávidas viajam dos Estados Unidos todo ano para algum dos 32 países que apresentam transmissão autóctone do zika.

Olimpíada 

Ainda ontem o CDC reforçou a recomendação paraque mulheres grávidas considerem adiar uma viagem ao Brasil para acompanhar ou participar da Rio-2016. Em janeiro, antes mesmo da declaração de emergência internacional, um alerta semelhante já havia sido dado, voltado a viajantes para países com surto de zika.

_______________________________________________________________________________________________________

Zika também pode ser ligada a lesões no cérebro de adultos

 

Além de lesões no cérebro de bebês, o vírus zika pode estar provocando também problemas no cérebro de adultos.

É o que desconfia um grupo de cientistas do Rio, que iniciou um projeto de pesquisa no começo da semana para investigar casos de encefalite (inflamação do cérebro) e de encefalomielite (inflamação também na medula espinhal) que vêm chegando aos hospitais do Estado em pacientes que também relataram sintomas de zika.

Os casos que estão sendo investigados chamam a atenção diante de uma revelação feita na semana passada, quando foi noticiado o sequenciamento do genoma do zika, de que o vírus tem proximidade genética com o vírus da encefalite japonesa.

A doença causa inflamação cerebral e sua transmissão envolve mosquitos do gênero Culex.

O dado poderá ser útil para que os cientistas entendam melhor a biologia da zika. 

O trabalho no Rio, coordenado por pesquisadores do Instituto DÂ’or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), visa a verificar se existe a relação entre o vírus e os problemas que estão sendo relatados.

Para isso, é preciso antes de mais nada ter a confirmação da infecção, estabelecer a cronologia dos acontecimentos e investigar por imagens do cérebro o que de fato está acontecendo com essas pessoas.

"Não temos dados epidemiológicos, mas a impressão é que houve um aumento de relatos de encefalite e mielite nos últimos meses. São casos de acometimento da medula e do cérebro de adultos.

A gente já vem trabalhando com a possibilidade de o zika causar problemas neurológicos que são reativos, que é o caso da síndrome de Guillain-Barré (reação do sistema imunológico à infecção).

Mas pode ser que gere também problemas diretos", explica Fernanda Tovar Moll, diretora científica do Idor e professora da UFRJ.

Especialista em neuroimagem, ela está fazendo a análise de ressonâncias magnéticas desses pacientes. O objetivo, diz, é verificar as regiões do cérebro e da medula que possam ter sofrido alteração.

"É como fazer um trabalho de cartografia das áreas mais acometidas."

Genoma

De acordo com Renato Aguiar, pesquisador do Instituto Adolfo Lutz que participou do sequenciamento, publicado na revista Lancet na semana passada, a descoberta poderá ajudar a investigar se o zika pode ser transmitido por outros vetores além do Aedes aegypti.

"Por terem origens comuns, os dois vírus têm características biológicas comuns. Mas os vírus associados ao ramo da encefalite japonesa são transmitidos pelo Culex e não pelo Aedes. Como sabemos agora a posição filogenética do zika, podemos investigar pistas sobre seu comportamento e possíveis vetores", afirma Aguiar. 

Segundo Márcio Nunes, do Instituto Evandro Chagas, que também fez sequenciamentos completos do genoma do zika, o fato de o vírus da encefalite japonesa provocar alterações no sistema nervoso poderá ser útil para que os cientistas busquem marcadores biológicos de virulência - isto é, elementos que expliquem por que em alguns casos a infecção pode levar à microcefalia.

"No caso da encefalite japonesa, esses marcadores são muito bem descritos. Esse conhecimento prévio pode servir de base para que possamos buscar os marcadores no caso do zika."