O Estado de São Paulo, n. 44.692, 27/02/2016. Política, p. A4

PF aponta R$ 4 mi da Odebrecht para Santana, no Brasil, durante campanha

Com base em planilha, juiz Sérgio Moro prorroga prisão temporária do marqueteiro e da mulher dele, Mônica Moura; de acordo com a polícia, empreiteira repassou o valor para empresa do casal na disputa eleitoral em que eles trabalharam para Dilma

Por: Mateus Coutinho / Fausto Macedo / Ricardo Brandt

 

Uma nova planilha de pagamentos apreendida pela Polícia Federal com a funcionária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares aponta o repasse de R$ 4 milhões no Brasil para o “programa Feira”, sigla que os policiais suspeitam ser uma referência ao marqueteiro João Santana e à mulher dele, Mônica Moura. O dinheiro foi enviado entre outubro e novembro de 2014, durante o 2.º turno das eleições presidenciais, quando Santana atuou na campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Com base nessa nova planilha, o juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal em Curitiba, decidiu acatar pedido feito pela PF e pelo Ministério Público Federal e prorrogou a prisão temporária do casal por mais cinco dias. O prazo da primeira prisão terminaria hoje.

A planilha descoberta no computador da funcionária detalha um total de sete pagamentos entre 24 de outubro e 7e de novembro daquele ano somando R$ 4 milhões, e ainda um valor negociado total de R$ 24 milhões, “claramente à margem da contabilidade oficial da Odebrecht”, apontam os delegados Márcio Adriano Anselmo e Renata da Silva Rodrigues no pedido de prorrogação da prisão do casal.

Também chamou a atenção dos investigadores uma coluna da planilha intitulada “Cid”, associada aos pagamentos, na qual aparecem as siglas “SAO”, “o que leva a crer tratar-se da cidade de São Paulo e um ‘status’ de totalmente atendido”, afirmam os delegados.

Além desses elementos, a Polícia Federal aponta novos bilhetes e anotações encontradas na casa da funcionária da Odebrecht que reforçam as suspeitas de que ela tratava de repasses ilícitos e mantinha contatos com Mônica Moura utilizando-se da sigla “feira”. Os investigadores ainda reforçam que a planilha de pagamento “Italiano”, compartilhada em trocas de mensagens dos executivos da empreiteira, indica que o casal teria recebido recursos ilícitos no Brasil em anos eleitorais.

No documento, os delegados anexam trecho da planilha em que aparece referências de pagamentos de R$ 18 milhões e R$ 5,3 milhões em 2008, ano em que o casal trabalhou nas campanhas municipais de Marta Suplicy, então no PT, em São Paulo, Gleisi Hoffmann, em Curitiba e Vander Loubet, em Campo Grande, também petistas.

O casal de marqueteiros, em depoimento, afirmou que os valores recebidos em conta na Suíça são relativos a campanhas eleitorais realizadas na Venezuela e em Angola. O criminalista Fábio Tofic, com base nos depoimentos, pediu a liberdade do casal e afastou o elo dos recebimentos irregulares com campanhas no Brasil.

A Odebrecht disse que “não tem conhecimento da planilha apresentada pela autoridade policial e não tem como comentar a sua veracidade ou significado.”

 

Exterior. O Estado revelou na quarta-feira que a conta do marqueteiro e da mulher dele no exterior também recebeu pagamentos, no total de US$ 1,5 milhão, entre julho e novembro de 2014, durante a campanha eleitoral brasileira.

Apesar de a Lava Jato ter deixado expresso que não está investigando a campanha eleitoral da presidente, a oposição entrou com recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que as provas levantadas pela força-tarefa da operação sejam usadas nas ações que pedem a cassação do mandato da presidente Dilma por abuso do poder econômico.

 

Prisões. A decisão de Moro de prorrogar a prisão do casal também é extensiva à Maria Lúcia Guimarães Tavares, secretária da empreiteira Odebrecht. Ela foi presa na Operação Acarajé, a mais recente fase da Lava Jato, no último dia 23. Já o casal Santana e Mônica se entregou à PF no dia seguinte, quando voltaram da República Dominicana, onde estavam a trabalho.

“A colocação em liberdade dos três colocará em risco a efetividade de novas diligências”, destacou o juiz em sua decisão. “Como rastreados no exterior depósitos na conta Shellbill Finance (de João Santana e sua mulher) de apenas US$ 7,5 milhões não excluo a possibilidade da existência de outras contas secretas no exterior ou no Brasil controladas pelo casal, já que as planilhas (apreendidas na residência de Maria Lúcia) indicam pagamentos bem superiores a este valor. Também propiciará mais tempo para o rastreamento dos possíveis pagamentos em reais efetuados no Brasil e a sua completa totalização.”

Onze procuradores da República que subscrevem o pedido de renovação da custódia alegam que João Santana e Mônica ‘mentiram’ em seus interrogatórios. Eles apresentaram versões que não convenceram os investigadores, principalmente na parte relativa a pagamentos realizados pela empreiteira Odebrecht.

“Revelam-se indícios de que, além de terem faltado com a verdade em seus depoimentos, Mônica Moura e João Santana receberam de forma dissimulada, pelo Grupo Odebrecht, quantidade ainda maior de recursos provenientes de crimes cometidos contra a Petrobrás”, destacam os procuradores.

Eles anotam que ‘apesar de João Santana e Mônica Moura terem negado veementemente utilizarem o apelido ‘Feira’ para o recebimento dos valores, as anotações manuscritas apreendidas na residência de Maria Lúcia revelaram claramente que a menção a ‘Feira-Mônica’ corresponde ao casal João Santana e Mônica Moura, uma vez que os telefones anotados abaixo de ‘Feira’ correspondem aos números utilizados por ambos’

“Além disso, a planilha de pagamentos apreendida na residência de Maria Lúcia revela a existência de negociação de R$ 24,2 milhões vinculados a ‘Feira’. Tal tabela relata claramente a existência de 7 pagamentos em que o status da planilha aponta para ‘totalmente atendida’”, diz trecho do despacho.

 

A OPERAÇÃO E O MARQUETEIRO

O que diz a Lava Jato

Operador

A conta Shellbill, controlada por Santana, recebeu US$ 4,5 milhões do intermediador de propinas do esquema na Petrobrás Zwi Skornick – também preso na Acarajé

 

Odebrecht

Shellbill recebeu da empreiteira US$ 3 milhões por meio de offshores que teriam sido usadas pela Odebrecht para repassar propina a agentes da Petrobrás

 

Pagamentos

Santana e Mônica teriam recebido esses valores – oriundos de desvios na Petrobrás – como remuneração por serviços ao PT

 

Declaração de Imposto de Renda

A Shellbill – e outras contas mantidas no exterior pelo casal – não foi declarada pelo casal às autoridades brasileiras. Santana omitiu da declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2010 a 2014 a participação em cinco empresas mantidas por ele no exterior e retificou a prestação de contas com o avanço da Lava Jato 

Crimes

Segundo o juiz Sérgio Moro, os fatos relacionados ao marqueteiro configuram crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas no âmbito do esquema de desvios na Petrobrás

 

 

O que diz a defesa

Operador

Mônica Moura disse à Polícia Federal que o pagamento feito por Zwi Skornicki, lobista de estaleiro contratado pela Petrobrás, foi por campanha presidencial em Angola

 

Odebrecht

Mônica disse que em 2011 “foi orientada” a procurar o executivo da empreiteira Fernando Migliaccio para receber valores referentes a serviços da campanha de Hugo Chávez

 

Pagamentos

O advogado Igor Nascimento informou que o dinheiro recebido no exterior é proveniente do trabalho do casal como publicitários

 

Declaração de Imposto de Renda

Mônica disse que não declarou as contas no exterior pois “aguardava promulgação de eventual lei de repatriação de valores, o que retiraria o caráter ilícito da manutenção da conta na Suíça em nome da Shellbill”. Santana afirmou que a conta era uma “poupança” para aposentadoria. A defesa nega relação entre a retificação do IR e a Lava Jato

 

Crimes

Para o advogado Igor Nascimento, trata-se de um ‘simples caso’ de sonegação fiscal que pode ser resolvido com o pagamento de tributos não honrados. Segundo ele, a contabilidade feita pelo casal era “familiar”

Senadores relacionados:

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‘Caso é apenas de sonegação’, diz advogado

Por: Ana Fernandes / Ricardo Chapola

 

Os advogados tributaristas do marqueteiro João Santana afirmaram nesta sexta, 26, que ele e a mulher, Mônica Moura, não são corruptos nem corruptores, e que recursos recebidos no exterior pelo casal são oriundos do trabalho deles como publicitários. A defesa do marqueteiro, preso na terça-feira na Operação Acarajé, 23.ª fase da Lava Jato, aponta que o casal cometeu irregularidades tributárias.

“Estamos diante de um simples caso de sonegação fiscal. Eles, pagando os tributos que deixaram de ser pagos, não terão responsabilidade criminal, pois a lei lhes dá essa garantia”, afirmou o advogado tributarista Igor Nascimento.

“O dinheiro é proveniente do trabalho deles. Eles não são corruptos, corruptores, intermediários de valores, nem políticos; 100% dos clientes deles são da iniciativa privada, partidos políticos e empresas que decidiram contribuir com esses partidos e contribuíram nessas contas (no exterior)”, disse o advogado.

Questionado se receber de empresas por campanhas no exterior sem que os recursos passassem pelos caixas dos partidos não seria crime, a defesa foi evasiva. “Cada país tem sua regra, no Brasil seria ilegal. Nesses outros países não sei dizer, porque não é minha área de atuação”, disse Nascimento.

 

‘Coincidência’. A defesa aposta na estratégia de os clientes assumirem “erros” tributários que podem ser resolvidos com o pagamento de multas para liberar o casal da prisão temporária. “Eles admitiram os erros e estão consertando”, disse o advogado. A defesa do marqueteiro disse, ainda, ser “coincidência” o fato de ele ter retificado declarações de Imposto de Renda durante o avanço da Lava Jato.

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Tucano pede explicação sobre atuação ‘voluntária’

 

O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) apresentou requerimento de informação ao Palácio do Planalto para que o governo explique as relações do marqueteiro João Santana e a Presidência da República. O parlamentar questiona o “trabalho voluntário” de Santana para a presidente Dilma Rousseff em seus pronunciamentos oficiais.

“Essa relação entre João Santana e a Presidência da República não tem um lastro jurídico. A rigor, ele informa que prestou um serviço voluntário. A Constituição proíbe serviço não remunerado.

Isso é ilegal”, afirmou.

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‘Mais 50 acarajés’, diziam executivos

Bolinho baiano era sinônimo de dinheiro, diz PF

Por: Ricardo Brandt / Mateus Coutinho / Fausto Macedo

 

Relatório da Polícia Federal indica que executivos ligados à empreiteira Odebrecht usavam em suas correspondências a palavra ‘acarajé’ como senha para entrega de valores supostamente ilícitos.

O resgate de e-mails trocados entre alvos da 23.ª etapa da Operação Lava Jato, deflagrada na última segunda-feira, 22, mostra que esse tipo de expediente foi usado para blindar transações.

A alusão ao famoso quitute baiano encontrada nos registros de conversas, deu nome à operação, chamada de Acarajé, que culminou com a prisão do publicitário João Santana e de sua mulher e sócia, Mônica Moura, marqueteiros das campanhas presidenciais de Lula (2006), Dilma (2010 e 2014). Santana e Mônica, que estavam a trabalho na República Dominicana, se entregaram à PF na terça-feira, 23, quando voltaram ao Brasil.

Segundo o relatório, quem providenciava os ‘acarajés’ era a secretária da Odebrecht Maria Lúcia Guimarães Tavares que, aponta a PF, operava contabilidade paralela da empreiteira.

“Tio Bel, você consegue me fazer chegar mais 50 acarajés na 4.ª feira à tarde (por volta das 15hs) no escritório da OOG, no Rio? Estou no México, mas chego de volta na 4.ª de manhã”, solicitou Roberto Prisco Paraíso Ramos a Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho em mensagem do dia 27 de janeiro de 2014, às 14h33.

Em outra mensagem, de 29 de outubro de 2013, Ramos havia feito solicitação semelhante, usando o mesmo código. “Meu Tio, Vou estar amanhã e depois em SP; será que dava para eu trazer uns 50 acarajés dos 500 que tenho com você? Ou posso comprar aqui mesmo, no Rio? Tem alguma bahiana (sic) de confiança, aqui?”

Em uma das mensagens, a PF cita possível referência ao presidente afastado da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, preso pela força-tarefa da Lava Jato desde 19 de junho de 2015 em Curitiba, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

 

Defesas. Por meio de nota, a Construtora Norberto Odebrecht diz que “não tem conhecimento da planilha apresentada pela autoridade policial e não tem como comentar a sua veracidade ou significado.” Sobre a prisão de Santana e Mônica, a defesa do casal divulgou nota ontem em resposta à decisão do juiz Sérgio Moro em prorrogar as prisões temporárias por mais cinco dias. “Se o próprio Juiz concorda, em sua decisão, que é prematura qualquer conclusão sobre os fatos, deveria ter prevalecido a liberdade, como corolário do milenar princípio do ‘In dubio pro reo’, ou seja, “na dúvida, a favor do réu. Assessoria de imprensa.” / R.B., M.C. e F.M.