Valor econômico, v. 16, n. 3973, 30/03/2016. Brasil, p. A3

Receita despenca, gasto acelera e governo tem déficit recorde

Por Edna Simão e Fábio Pupo | De Brasília

 

Com receitas ainda em queda e dificuldades para cortar gastos, o déficit primário do governo central - que reúne as contas do Tesouro Nacional, da Previdência Social e do Banco Central - teve o pior fevereiro e o pioracumulado nos primeiros dois meses do ano de toda a série histórica, iniciada em 1997. O déficit do governo central em fevereiro somou R$ 25,070 bilhões, quase o dobro do que previam os analistas consultados pelo Valor Data, que esperavam déficit de R$ 13,4 bilhões em fevereiro.

O resultado fez com que o rombo no bimestre atingisse R$ 10,273 bilhões. Com isso, em termos nominais, o déficit acumulado em 12 meses até fevereiro somou R$ 128 bilhões - também o pior da série, mas nesse caso odado sofre influência do pagamento das pedaladas em dezembro. Se considerado o resultado negativo em 12 meses corrigidos pela inflação, esse valor chegou a R$ 131,85 bilhões, ou o equivalente a -2,22% do ProdutoInterno Bruto (PIB).

Segundo o Tesouro, a receita líquida total do governo central teve uma queda real de 1,4% no primeiro bimestre, na comparação com o mesmo período de 2015, para R$ 191,3 bilhões. A piora foi mais concentrada em fevereiro, quando a receita líquida caiu 13%, considerando a inflação do período, e 4% em termos nominais. Já a despesa total registrou uma elevação real de 5,7% no acumulado dos dois primeiros meses do ano e de 8% considerando apenas fevereiro, sempre em relação a iguais períodos de 2015.

Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira, o resultado fiscal de fevereiro é tradicionalmente mais fraco, mas desta vez o elevado déficit foi justificado também pela mudança no cronograma de pagamento do abono salarial - que foi transferido do segundo semestre de 2015 para o primeiro trimestre deste ano. De janeiro a março, o impacto total será de R$ 9 bilhões, sendo R$ 3 bilhões para cada mês. Com isso, as despesas com abono salarial e seguro-desemprego somaram R$ 6,504 bilhões em fevereiro, um aumento de 160,7% ante mesmo mês de 2015, em termos nominais. No bimestre, esse gasto foi de 13,2 bilhões, alta de 81,9% ante acumulado de janeiro e fevereiro de 2015.

Segundo o secretário, ainda há forte frustração de receitas devido ao fraco desempenho da atividade econômica, que continua dando o tom dos resultados negativos. "Itens relacionados à atividade econômica, como a receita, estão caindo consideravelmente", disse, mencionando a menor arrecadação com Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Renda (IR) e Cofins.

Além disso, a receita com dividendos de estatais começou o ano em baixa e deve mostrar resultado tímido, pois Ladeira disse que o governo não espera receber nada das estatais Petrobras e da Eletrobras neste ano, assim como ocorreu em 2015. Segundo ele, a previsão de arrecadação de receitas com as estatais em geral está conservadora neste ano devido à retração da economia. No bimestre, os repasses para os cofres públicos somam apenas R$ 2,6 milhões - frente a uma estimativa de mais de R$ 10 bilhões para o ano.

Enquanto a mudança da meta fiscal do governo não é aprovada pelo Congresso - o que permitirá um déficit de R$ 96,7 bilhões -, as receitas continuam sem sinais de recuperação e as despesas como a Previdência Social não param de crescer.

Diante do quadro de aperto e sem a perspectiva de aprovação de reformas no curto prazo, Ladeira disse que o governo corta onde pode - no caso, nas despesas discricionárias. Como resultado, os investimentos somaram R$ 9,6 bilhões no bimestre, 14,4% a menos do que um ano antes. Os valores incluem o Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa, Minha Vida. No PAC, os desembolsos no bimestre foram de R$ 6,961 bilhões - resultado 6,8% inferior ao do mesmo período de 2015. No caso do Minha Casa, Minha Vida, houve forte retração. No ano, o gasto foi de R$ 1,3 bilhão, valor 54,6% menor que no mesmo período de 2015.

Já na parte das obrigatórias, a tendência continua de alta na sua principal despesa. O déficit da Previdência Social cresceu 62,3%, para R$ 18,709 bilhões no bimestre.